Portugal teve dois ciclos de descolonização, separados por 150 anos: primeiro no Brasil, em inícios do século XIX, e depois em África, no século XX.
No caso do Brasil, o processo foi consensual e resultou da revolução liberal de 1820 e do regresso da coroa a Lisboa, depois de anos em que a relação colonial com a metrópole se invertera. Os portugueses que viviam no Brasil selaram a independência e, na segunda metade do século XIX, foram muitos os europeus que procuraram fazer fortuna no Brasil.
São essas a origem e a natureza do Brasil – um país de assimetrias sociais e regionais, com um povo herdeiro de ameríndios, de escravos, de europeus e de asiáticos que lá aportaram. Um país que não escapa ao racismo que, legitimamente, procura combater. Mas nada disso tem a ver connosco, os que vivemos em Portugal, descendentes dos que por cá ficaram. Se o governo brasileiro quer fazer reparações, que o faça entre os seus.
Adoro o Brasil. Gostaria, por isso, que as palavras ‘Ordem e Progresso’ não fossem vãs. Que as riquezas do país não fossem esbanjadas ou apropriadas por alguns. Que a Amazónia e as suas tribos fossem protegidas. E também espero que os brasileiros que para cá imigram, e são bem-vindos, gostem de Portugal e não nos impinjam problemas que são seus.
Quanto à abolição da escravatura, sejamos muito claros: o primeiro passo dado por Portugal ocorreu em 1570, em que foi condenada «em nome do direito natural, e sob fortes penalidades, a escravidão e o tráfico dos indígenas do Brasil, proclamando-os livres e iguais aos outros homens». Em 1761, Pombal aboliu a escravatura na metrópole. Em 1836 seria proibida «a exportação de escravos, quer por mar, quer por terra, em todos os domínios portugueses, sem exceção, quer eles fossem situados ao norte quer ao sul do equador». E, em fevereiro de 1869, foi «abolida a escravidão em todas as colónias portuguesas, passando os existentes à condição de libertos». Já o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravatura, em 1888, mais de meio século depois da independência. Ora, disso nós não temos culpa. Logo, o Brasil não deve cobrar aquilo que manteve e que nós soubemos resolver antes deles.
Diferente é a situação com as antigas colónias africanas, com quem não há contencioso. E também não podemos esquecer o milhão de ‘retornados’ que lá deixaram tudo o que tinham, sem nada reclamarem. Para esses, as declarações do Presidente da República serão incompreensíveis.
Ainda assim, é justo é que se procure devolver os bens culturais que estão em Portugal ou que se encontre uma forma adequada de copropriedade. Mas, no caso de Angola, os bens culturais foram saqueados durante a guerra civil, como sucedeu com o Museu da Lunda. Os melhores exemplares de arte Chokwé acabaram, de resto, na mão de dealers europeus. O Governo angolano tem tentado recuperá-los e reconstruir o importante museu, sendo esse um esforço em que Portugal se deveria empenhar. Tal como deve ajudar o Governo moçambicano a reabilitar o notável Museu de História Natural de Maputo, bem como a reconstruir a ilha de Moçambique.
Urge intensificar a cooperação entre Portugal e as suas antigas colónias, com uma política ambiciosa na área da formação. Importa criar melhores condições para os jovens africanos que estudam em Portugal, para que estes possam com as suas competências académicas ajudar a desenvolver os PALOP.
Aliás, vários municípios portugueses têm-se empenhado em parcerias virtuosas com os países lusófonos. Só é pena que o Instituto Camões gaste tanto do seu orçamento em Lisboa, onde não faz grande falta. E que a cooperação no espaço da lusofonia seja feita em grande medida de viagens presidenciais e governamentais, sem outro impacto que não seja o mediático.