Justificar o 25 de Abril

Comparar o que Portugal era há 50 anos com o que é hoje, para a partir daí mostrar as virtudes do 25 de Abril, só pode resultar de uma de duas coisas: ou estupidez ou desonestidade intelectual.

Nestas celebrações do 25 de Abril, vi muita gente comparar a situação de Portugal antes da revolução e agora, concluindo que a evolução foi impressionante – pelo que as vantagens do golpe militar são inequívocas.                   

A mortalidade infantil era x e agora é y; o número de médicos por mil habitantes era x e agora é y; o analfabetismo era x e agora é y; o produto per capita era x e agora é y; e por aí fora.     

Ora, por estas e por outras é que não gosto de comemorações.

Conduz a estes dislates.

Comparar o que Portugal era há 50 anos e o que é hoje, para a partir daí mostrar as virtudes do 25 de Abril, só pode resultar de uma de duas coisas: ou estupidez ou desonestidade intelectual.

E se uma é desculpável, a outra é lamentável.

A comparação é completamente destituída de sentido.

E isto por uma razão bem simples: se não tivesse havido revolução, o tempo não tinha parado.

O país não seria hoje igual ao que era em 1974.

Poderia ser pior, poderia ser melhor – mas não era de certeza igual.

O mundo mudou e Portugal também teria mudado, independentemente de haver ou não 25 de Abril.

A comparação possível seria entre o que Portugal ‘é hoje’ e o que seria ‘se a revolução não tivesse acontecido’.

Mas isso ninguém sabe.

Outra coisa pouco honesta, quando se fala na melhoria das condições de vida, é ignorar o dinheiro que nos últimos 50 anos entrou no país vindo de fora.                                                              

Desde 1986 entraram em Portugal 160 mil milhões de euros de ajudas europeias.

Por outro lado, a dívida pública é agora de 264 mil milhões de euros, quando em 1974 era praticamente zero.

Somando a dívida às ajudas financeiras, só nestas duas rubricas temos uma injeção no país que ultrapassa os 400 mil milhões de euros desde o 25 de Abril.

Ora, perante isto, só faltava que os portugueses estivessem pior do que estavam.

Que vivessem pior do que viviam.

A questão que se coloca é se Portugal evoluiu de modo correspondente a essas centenas de milhares de milhões que cá entraram.

E aí atrevo-me a dizer que não.

Houve muito dinheiro mal gasto, muito dinheiro derretido, muito dinheiro mal aplicado.

Se todos esses milhões tivessem sido investidos de forma reprodutiva, estaríamos hoje em muito melhor situação.

Haveria muito mais a dizer.                                                      

O fim da guerra colonial, por exemplo.                 

A guerra acabou, poupando-se muitas vidas humanas (entre 1961 e 74, nas três frentes de combate, morreram dez mil portugueses).

Mas, em contrapartida, a descolonização deu origem a sangrentas guerras civis em Angola e Moçambique, onde um milhão e meio de pessoas perderam a vida. E um milhão de portugueses tiveram de fugir de África com a roupa que tinham no corpo, não conseguindo em muitos casos refazer a vida.

E que dizer do deserto construtivo dos últimos 50 anos (exceção feita ao oásis cavaquista), em comparação com a impressionante quantidade de obras públicas feitas nos 42 anos do Estado Novo (1932-74)?

E sobre coisas que têm corrido menos bem, não podemos deixar de pensar na desagregação das famílias, que se acelerou, lançando muitas pessoas na solidão e impedindo muitas crianças e jovens de crescerem junto de um pai e de uma mãe; ou o aumento terrível do consumo de drogas, que destruiu muitas vidas.

Enfim, tentar convencer as pessoas de que o 25 de Abril foi muito bom porque o país está muito melhor, e que as pessoas têm mais dinheiro no bolso, não é sério.                                                                           A grande conquista da revolução foi uma: a LIBERDADE.

Há duas formas de exercer o poder: em ditadura e em democracia.

A primeira é mais eficaz do ponto de vista da concretização, como se viu no período pombalino ou no salazarismo.

A segunda tem um preço – porque há mais conflitos sociais, os partidos provocam divisões na sociedade, o poder executivo é mais frágil.

A liberdade tem custos – e não vale a pena escondê-los.

Mas é uma opção.

Foi a liberdade que eu celebrei no 25 de Abril.

E ainda hoje celebro.

Não se cansem a explicar às pessoas que é por causa do 25 de Abril que vivem melhor – pois é impossível saber como estaria o país caso não tivesse havido a revolução.

O 25 de Abril trouxe a liberdade – e é essa a sua grande justificação.

Este regime pode ter muitos defeitos.

Mas quando olhamos para as ditaduras que hoje existem na Rússia, na China, na Coreia do Norte, na Venezuela ou em Cuba – que alguns militares de Abril queriam ver reproduzidas em Portugal e que o 25 de Novembro evitou — sentimos um arrepio.

Vivi com alegria o 25 Abril, senti um alívio no 25 de Novembro – e hoje continuo a pensar que não há substituto para a liberdade.