Abril em Portugal

A origem do meu desconforto foi a sensação de que, independentemente das motivações de cada participante, coletivamente se comemorava muito mais o PREC do que o 25 de Abril.

1. (…) «E aprende-se a dizer saudade» (…) (verso da canção Abril em Portugal [Coimbra. Este poderia ser um sumário apto de uma semana em abril dominada pelo passado e pela memória.

2. As declarações do Presidente, de uma ligeireza reprovável, sobre a culpa nacional pelo passado colonial agitaram este fim de abril. Será que Marcelo Rebelo de Sousa sucumbiu ao wokismo que derruba as estátuas de heróis de antanho nos campi anglo-saxónicos?

Duas questões: as declarações em si e a substância do problema. Lidas, as declarações soam menos perentórias do que tem sido sugerido. Marcelo não disse que devíamos, por princípio e sem mais, indemnizar as ex-colónias pela escravatura e colonialismo. Embora assumindo eventuais responsabilidade, estas foram colocadas de uma forma explicitamente condicional: «Há ações que não foram punidas e responsáveis que não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos resolver isto». Tudo neste excerto parece-me sugerir casos concretos e responsabilidades específicas e comprovadas. Não leio aqui uma assunção genérica e abstrata de culpa ou responsabilidade. O massacre de Wiriamu (em Tete, Moçambique), onde em 1972 quatrocentos civis desarmados foram mortos por militares portugueses, ajuda a clarificar o ponto. As desculpas foram pedidas por António Costa em 2022 – e bem. Todavia, assumida a culpa em nome do estado, eventuais reparações materiais apenas devem ser consideradas para familiares comprovados das vítimas.

Sobre a substância da questão, António Barreto disse tudo na sua coluna (A História feita crime) do passado sábado no Público. Cito, «não peço perdão a quem nunca fiz mal, nem pelo que não fiz; e não me gabo do bem que outros fizeram». A culpa e a glória são de portugueses, não de Portugal.

3. Tinha 16 anos no 25 de Abril de 1974 e era politicamente desperto e ativo à esquerda. Contudo, em 50 anos nunca tinha participado em comemorações do dia. Este ano, instado por um grupo de amigos e depois de uma almoçarada, lá marchei até ao Marquês de Pombal. Muita gente, muitos jovens, muitas canções, muito entusiasmo, muitos abraços e muita alegria. Contudo senti desconforto com a experiência. Não me entendam mal: não me move qualquer simpatia pelo regime antigo e estou imensamente grato a quem fez o 25 de Abril, reestabelecendo a liberdade cívica, e pondo fim ao pesadelo de todos os mancebos de então que era a guerra colonial. A origem do meu desconforto foi a sensação de que, independentemente das motivações de cada participante, coletivamente se comemorava muito mais o PREC do que o 25 de Abril. Posso estar a exagerar, mas senti que, subliminar ou explicitamente, dominava a nostalgia do que o país poderia ter sido se os derrotados de novembro tivessem ganho. Convivia-se mal com o povo ter votado à direita no aniversário da revolução. Não passarão! – era o apelo; Às barricadas! – era o espírito. Tal como em 1975, opunha-se a legitimidade da rua à legitimidade eleitoral. O tempo prega-nos destas partidas; tendemos a reviver os tempos da juventude em tons róseos, esquecendo o que seria o presente se o que desejámos se tivesse tornado realidade.

Professor universitário