Celebrar a diversidade cultural é um imperativo para uma cidadania comprometida com os direitos de toda a família humana. Este ano marca os 75 anos da publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), etapa deveras crucial na consolidação dos princípios de liberdade, justiça e paz, que urge cumprir em todo o mundo. Essa celebração vai muito além do reconhecimento das diferenças; exige também o cultivo da tolerância e do respeito pelas opiniões diversas. Tal abertura é vital para uma sociedade verdadeiramente inclusiva, onde as diversas vozes não só coexistem, mas se enriquecem mutuamente.
Ao olharmos para os enciclopedistas franceses do século XVIII, é notável o contributo fundamental que deram para a disseminação do conhecimento e a promoção do pensamento crítico. Desafiaram conceções seculares, estenderam e democratizaram o conhecimento até então confinado em bibliotecas acessíveis a parcas elites: “Façamos para os séculos futuros o que os séculos passados não fizeram por nós”, escreveu Diderot. Com 28 volumes (17 de artigos e 11 de ilustrações comentadas), mais de 74 mil artigos e mais de 200 colaboradores, o empreendimento, coliderado por D’Alembert, representou uma revolução intelectual excecional, colocando o trabalho do espírito à frente, como um meio de emancipação social. Visando “reunir os conhecimentos dispersos na superfície da Terra”, a Encyclopédie foi para as pessoas daquela época o que a Internet representa, porventura, para os homens e as mulheres do século XXI.
Esta evocação pretende criar uma ligação direta com o nosso tempo, evidenciando a importância do diálogo colaborativo e do respeito pela pluralidade de perspetivas sobre um mesmo assunto. Observa-se, nos últimos dias, uma tendência de radicalização entre estudantes universitários das melhores Escolas mundiais, incapazes de se envolverem em debates com os próprios colegas que têm opiniões diferentes das suas. Num contexto marcado por tumultos e polarização em várias universidades da Europa aos Estados Unidos, reafirmar os valores da democracia e da liberdade de expressão é essencial. Eles devem ser fermento de cidadania ativa, e não de bolhas ideológicas improdutivas. Não podemos subestimar a relevância desses direitos fundamentais, pois são os pilares da nossa coexistência civilizada.
Vivemos numa era saturada de estímulos tecnológicos, onde as mensagens e o sentido são cada vez mais banalizados e descontextualizados. A crescente polarização, alimentada em parte pelas redes sociais, representa uma séria ameaça ao diálogo construtivo. A substituição do contato humano direto e pessoal por interações digitais dificulta ainda mais a curiosidade do outro e a busca por um terreno comum de partilha do sensível no dizer de Jacques Rancière, base para uma compreensão mútua e respeitosa.
Face aos enormes desafios que enfrentamos, é crucial mantermos vivos os princípios de tolerância, aceitação e diálogo. Em períodos de crise, mais do que nunca, precisamos uns dos outros, encontrando força na diversidade de perspetivas, na relação e na reciprocidade. Reiterar os valores da democracia e da liberdade de expressão é vital num mundo marcado por conflitos de todas as ordens.
O diálogo é mais que uma opção; é o antídoto fundamental contra a tirania gerada pela hegemonia algorítmica, e essencial para exercermos os nossos direitos e deveres na e pela diversidade humana
Como escreveu Edouard Glissant: « A diferença não é o que nos separa. É pela diferença que funciona (…) a relação com R maiúsculo ». (L’imaginaire des langues, minha tradução).
Maria de Jesus Cabral
Universidade do Minho