Livros proibidos

Passados 50 anos da Revolução dos Cravos, ainda não se sabe quantos livros foram proibidos pela Direção dos Serviços de Censura do Estado Novo.

Querida avó,

Ainda não falamos dos “Livros Proibidos”, na temática que temos abordado sobre as celebrações dos 50 anos de democracia. Na passada semana, mais precisamente no dia 23 de abril, celebramos o Dia Mundial do Livro. O propósito deste dia é o de valorizar a leitura e a importância dos livros enquanto elemento basilar da educação e do progresso de uma sociedade.

Cresci a ouvir falar de “Livros Proibidos”. Há uns meses, na Livraria Buchholz, em Lisboa, vi uma exposição com títulos de publicações que estavam proibidos de circular antes do 25 de Abril de 1974. Passados 50 anos da Revolução dos Cravos, ainda não se sabe quantos livros foram proibidos pela Direção dos Serviços de Censura do Estado Novo.

Já agora, aproveito para partilhar uma situação que uma leitora nossa partilhou comigo, recentemente, sobre uma Professora da Faculdade de Letras: Nos finais dos anos 60, quando estava a terminar a faculdade, teve que fazer um trabalho sobre Racine. Como bem sabes, antigamente não havia livros de autores estrangeiros à venda em Portugal, tinham que se encomendar, pelo que ela mandou vir de Paris um determinado livro de Racine. Quando o livro chegou à alfândega ela foi chamada e perguntaram-lhe para que queria ela aquele livro, ao que ela respondeu que era para fazer um trabalho para a faculdade. O inspector olhou para ela, depois para o livro e disse-lhe: «Não. Racine, Estaline, Lenine… em Portugal não entra cá nada disso!». Já para não falarmos das centenas de livros, e autores, portugueses que foram proibidos durante décadas.

Agora vou comprar um livro para oferecer à minha mãe. Os livros são janelas e portas que nos mostram outras realidades. São tapetes voadores que nos fazem sonhar e são cobertores que nos aconchegam e nos abraçam.

Sem livros não somos livres!

Feliz Dia da Mãe.

Bjs

Querido neto,

Como tão bem sabes, nasci numa altura em que quase tudo era proibido. De qualquer modo, era muito mais complicado escrever do que ler…Porque sabíamos que havia algumas livrarias que nos vendiam livros por baixo da mesa.

Claro que os livros não estavam à mostra, e era preciso que os livreiros nos conhecessem bem. Senão, quando lhe pedíamos um desses livros faziam um ar indignado e diziam que não tinham.

Quanto aos outros, quando entrávamos eles bichanavam, para mais ninguém ouvir que tinham o livro.

Se o livro era estrangeiro, quando algum de nós saía de Portugal levava a lista de encomendas dos nossos amigos.

Ainda me lembro de uma grande lista de livros proibidos – sem ninguém perceber porquê.

Uns não eram proibidos, mas tinham muitas frases cortadas. Bastava escreverem a palavra ”vermelho” – que, para os censores, era sinónimo de comunista. Outros relatavam simplesmente a vida das pessoas, como, por exemplo, Cerromaior de Manuel da Fonseca, cuja ação se passava no Alentejo.

Houve proibições que deram muito que falar: a Antologia de Poesia Erótica e Satírica, organizada por Natália Correia e editada por Fernando Correia de Mello; as Novas Cartas Portuguesas, de Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa e Isabel Barreno  (que meteu polícia, tribunais, ameaça de prisão, etc.) e Luanda, de José Luandino Vieira que, por ter sido premiado, levou à completa destruição do edifício da Sociedade Portuguesa de Autores e à prisão de todos os membros do júri. Só porque Luandino lutava pela libertação das colónias

E a lista de autores com obras proibidas é tão grande – Aquilino Ribeiro. Manuel Alegre, Miguel Torga, José Cardoso Pires, Orlando da Costa, Maria Archer (que teve de ir viver para o estrangeiro por não conseguir sobreviver aqui)…, etc. – que temos de ficar por aqui.

Os livros salvam muitas vidas.

Bjs