Há duas décadas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a obesidade como doença. Esta não apenas afeta a qualidade de vida, mas também tem um impacto direto na saúde e na mortalidade. A OMS considera-a uma epidemia global, com um aumento constante ao longo das décadas. Em números, estima-se que mais de 1,5 mil milhões de pessoas serão afetadas pela obesidade até 2030, de acordo com a World Obesity Atlas 2022. Em Portugal, 67,6% da população tem excesso de peso ou obesidade, com a obesidade a atingir 28,7%, conforme o estudo O Custo e o Impacto do Excesso de Peso e Obesidade em Portugal.
O tratamento da obesidade vai além de dieta e exercício, incluindo terapias comportamentais, farmacológicas e cirúrgicas. No entanto, em Portugal, o acesso a medicamentos é limitado e o investimento nessas terapias é reduzido. Além dos fatores genéticos e psicológicos, o ambiente sedentário e a disponibilidade de alimentos pouco saudáveis a preços acessíveis contribuem para a prevalência da obesidade, especialmente entre as camadas sociais menos favorecidas. Embora o Governo português tenha criado um programa de prevenção da obesidade em 2023, a sua implementação foi adiada devido a questões políticas. A obesidade não é somente uma questão de saúde, mas também tem um impacto económico significativo, representando 1,2 mil milhões de euros em custos diretos anuais em Portugal, segundo o estudo mencionado.
Cerca de 39% dos adultos portugueses devem enfrentar obesidade até 2035, conforme estimado por um relatório da Federação Mundial de Obesidade (WOF). Essa previsão reflete uma tendência alarmante de aumento da prevalência da doença, com um acréscimo anual de 2,8% entre 2020 e 2035 para adultos e 3,5% para crianças em Portugal. Embora estes números sejam preocupantes, Portugal destaca-se como o oitavo país mais bem preparado para lidar com a obesidade entre 183 nações avaliadas. Esse reconhecimento deve-se às medidas de promoção da saúde, especialmente através do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) da Direção-Geral da Saúde (DGS).
O PNPAS tem como objetivo reduzir o consumo de alimentos não saudáveis em pelo menos 15% até 2030, enquanto oferece respostas imediatas para os desafios impostos pela obesidade. Este esforço é essencial, considerando que a obesidade já afeta cerca de 28,7% da população adulta portuguesa, com mais de dois milhões de pessoas afetadas, e mais de dois terços da população a apresentar excesso de peso. Globalmente, o panorama não é otimista, pois nenhum país apresentou uma diminuição na prevalência da obesidade e nenhum parece estar no caminho certo para atingir as metas estabelecidas pela OMS para mitigar esta epidemia. Projeções indicam que mais de quatro mil milhões de pessoas podem ser afetadas pela obesidade até 2035, o que representa um aumento significativo em comparação com os números de 2020.
Além disso, o relatório também destaca o impacto da pandemia da COVID-19 no aumento do peso, com um acréscimo médio de 1,5 quilos em adultos e adolescentes durante os períodos de confinamento. Para avaliar a resposta dos países à obesidade, o relatório considera uma variedade de indicadores, incluindo a cobertura e a eficácia dos serviços de saúde, a mortalidade prematura por doenças crónicas e as políticas de prevenção implementadas.
“A obesidade resulta de diversos elementos, incluindo fatores genéticos, que não podem ser controlados ao longo do tempo e que levam ao desenvolvimento de várias condições de saúde adicionais, como diabetes, hipertensão ou dislipidemia”, começa por explicar, em declarações ao i, António Albuquerque, cirurgião geral dedicado à cirurgia bariátrica, desmistificando a noção simplista de que “basta fechar a boca” para perder peso, destacando a complexidade do problema da obesidade.
O médico, coordenador Clínico da Clínica Obesidade e da Clínica Endocrinologia, Diabetes e Nutrição do Hospital Cruz Vermelha, enfatiza que a seleção da técnica cirúrgica para tratar a obesidade deve ser baseada numa avaliação abrangente do paciente, envolvendo “várias especialidades médicas, como Nutrição, Psicologia, Endocrinologia e Cirurgia”. Ressalta, no entanto, que não existe uma cirurgia “milagrosa” para curar a obesidade, mas que a intervenção cirúrgica pode ser a melhor opção quando outras abordagens, como tratamento medicamentoso, dieta e exercícios intensivos, não apresentam resultados satisfatórios.
O médico compara diferentes técnicas cirúrgicas, enfatizando que a banda gástrica está a tornar-se “menos popular devido a suas limitações”, concentrando-se principalmente no sleeve e no bypass gástrico, descrevendo as suas diferenças e potenciais complicações. “O sleeve é uma cirurgia que reduz o tamanho do estômago para limitar a ingestão de alimentos e diminuir a produção da hormona grelina. O bypass gástrico reduz a quantidade de alimentos ingeridos e altera a absorção de nutrientes, criando uma pequena bolsa gástrica e uma ligação ao intestino delgado”, explica, mencionando que o minibypass gástrico é uma opção alternativa que simplifica o procedimento, reduzindo o tempo operatório e melhorando os resultados de perda de peso e controlo de comorbidades como diabetes, tendo sido criada por Robert Rutledge, pioneiro desta cirurgia em doentes com obesidade mórbida.
Porém, o médico, que é vice-presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO), afiliada da European Association for the Study of Obesity (EASO), deixa claro que “tem de se ter cuidado com as denominações de cirurgias que surgiram agora”. “Agora, há clínicas, por exemplo, que falam em ‘cirurgia metabólica’, como se fosse algo novo, mas não é. E opero muitas pessoas que, antes de terem chegado até mim, ponderaram submeter-se a cirurgias que consideravam que eram diferentes mas que, no fundo, são como aquelas que são realizadas diariamente para perda de peso”, alerta o profissional de saúde.
“Também importa referir que medicamentos como o Ozempic e o Saxenda, inicialmente utilizados apenas para doentes diabéticos, não são ‘mágicos’ e, apesar de contribuírem para a diminuição do peso, muitas das vezes são insuficientes tendo em conta os diversos graus de obesidade”, avisa o profissional de saúde, constatando que “seria ótimo” se estes fármacos resolvessem este problema mas explicando que, atualmente, as cirurgias da obesidade constituem o método mais eficaz para perda de peso consistente e definitiva.
Desde que o Ozempic começou a ser disponibilizado e comparticipado em Portugal, em maio de 2021, o seu consumo tem aumentado constantemente. Este medicamento, que contém semaglutido como ingrediente ativo, é prescrito para tratar diabetes tipo 2. Consequentemente, os custos associados ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) em relação a este medicamento também têm aumentado. Em 2023, o Estado despendeu 37,5 milhões de euros com este fármaco. Tal representa um aumento de 10,2 milhões de euros em comparação com o ano anterior, refletindo um aumento de 38%.
Nos últimos quatro anos, em Portugal, houve um aumento significativo na compra de medicamentos para emagrecer, quase dobrando em relação ao período anterior. A indústria farmacêutica tem enfrentado dificuldades para acompanhar essa procura crescente, pois esta aumentou em 80% nos últimos quatro anos. Em 2019, foram vendidas 45.787 embalagens destes medicamentos, enquanto dois anos depois esse número já havia subido para 55.173. Em 2023, as vendas atingiram 82.513 embalagens.
Para se ter uma ideia da corrida ao Ozempic diga-se que a a Novo Nordisk, com os seus populares medicamentos Ozempic e Wegovy, desempenhou um papel crucial na economia da Dinamarca. Relatórios indicam que a empresa contribuiu significativamente para evitar uma contração do PIB em 2023 – cresceu 1,8% no ano passado e teria descido 0,1% sem estes fármacos – e está previsto que impulsione o crescimento económico em 2024. Os seus produtos, inicialmente destinados ao tratamento da diabetes, também ganharam destaque no emagrecimento, com celebridades de Hollywood a admitir o seu uso. O sucesso destes medicamentos injetáveis à base de semaglutido, que reduzem o açúcar no sangue e suprimem o apetite, fez da Novo Nordisk a empresa mais valiosa da Europa.
“Nenhum arrependimento”
Em 2023, 1.965 pessoas foram submetidas a cirurgias para tratar a obesidade, com uma redução gradual no tempo de espera médio, que ficou em 5,5 meses. No final do ano, aproximadamente 1.400 doentes aguardavam essa intervenção, a qual, por lei, deve ser realizada dentro de um prazo máximo de seis meses para casos de prioridade normal. No ano passado, o Programa de Tratamento Cirúrgico da Obesidade (PTCO) operou 1.965 pessoas, registando uma diminuição de 12 casos em relação a 2022, porém um aumento de 391 casos em comparação com 2021. A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) relata uma tendência de redução no tempo médio de espera para cirurgias: de 10,4 meses em 2021, para 6,5 meses em 2022 e, finalmente, para 5,5 meses em 2023.
Ana Teixeira foi operada por António Albuquerque e não poderia estar mais feliz com o resultado. A mulher de 34 anos, profissional na área dos seguros, diz ao i que era considerada uma pessoa saudável, pois nasceu com um peso “normal” e, em criança, embora não fosse “magra” também não tinha excesso de peso. Contudo, tem uma irmã cinco anos mais velha que lutava contra este problema e, por isso, o assunto ”sempre esteve muito presente em casa”.
Na transição para o Ensino Secundário “houve algumas alterações, nomeadamente de hábitos, acesso a mesadas, etc.” e, deste modo, começou a ganhar peso. “Mas nada impeditivo de ter uma vida física e social ativa. Tanto que eu e a minha irmã sempre fizemos muito desporto”, reconhece, tendo praticado natação durante aproximadamente 15 anos e voleibol na escola.
“Já em adulta, e perante o excesso de peso que tinha, decidi dedicar-me e com ginásio e alteração dos hábitos alimentares consegui perder 30 quilos. Na altura fazia CrossFit. Com o desporto de alto impacto vieram algumas lesões. Depois, juntei-me, tive uma filha e aos poucos o peso perdido voltou”, conta Ana. “Decidi que embora talvez voltasse a conseguir perder peso sozinha, já não tinha a mesma dedicação e tempo que tinha em solteira, então pedi ajuda à médica de família que encaminhou o meu pedido para o Hospital Curry Cabral”.
“Comecei a ter consultas multidisciplinares: psicólogo, dietista e endocrinologista. O meu processo desde a data de inscrição à operação demorou quatro anos. Fiz a técnica bypass, pelo Dr. António Albuquerque. Tenho 1.72cm e, no dia da cirurgia, pesava 117 quilos. O peso mais baixo que tive pós-cirurgia foi de 67kg. Mas tenho estado entre os 69/71kg. Dizem os médicos ser o meu peso ideal”, adianta Ana.
“Após a cirurgia a minha vida não mudou muito. Não tinha nenhuma incapacidade física antes de a fazer e psicologicamente também não senti que estaria preparada para mais coisas. Até porque o meu corpo é mais bonito vestido do que despido. Por isso, não comecei a fazer nada que antes não faria”.
“A minha relação com a comida é mais ou menos a mesma. Sou extremamente gulosa, tenho alguns episódios de dumping, mas tomei consciência de que, para conseguir manter o resultado da cirurgia, tenho de regrar as quantidades. E é o que faço até ao dia de hoje. Uso uma balança de cozinha e o que como em casa de refeições principais é sempre pesado”, diz, afirmando que gosta daquilo que vê e sente-se bem. “Sinto que tenho um enorme compromisso para a vida, comigo e com todos. Porque agora sinto que não posso falhar: os outros têm-me como exemplo, alguns amigos e familiares avançaram também com a cirurgia e sei que foi porque me tiveram como bom exemplo”, assevera, lembrando que não tem “nenhum arrependimento” e que está a viver um processo “muito positivo”.
Relativamente a conselhos que pode dar a quem está a pensar em submeter-se à mesma cirurgia, Ana considera que “não é uma cirurgia para todos ou nem todos estão em fase de a poder fazer”. “Há pessoas que não têm controlo nem regras nas suas vidas e avançar para este processo sem ter as coisas minimamente estruturadas não vai ser solução. Aliás, acho que é entrar num processo de frustração”, evidencia. “Todos têm de ter noção de que ninguém é igual a ninguém. E que a perda de peso e o sucesso da cirurgia nunca serão iguais em pessoas diferentes, com ritmos de vida e propósitos diferentes”, afirma.
A importância da saúde mental
Quem também optou pela via da cirurgia foi Catarina Corujo, coach de empoderamento feminino e autora do livro Bem me quero, de 36 anos. “Depois de anos a ver a minha saúde completamente negligenciada por profissionais em prol do ‘aparente saudável’ finalmente percebi que todo o ódio e repulsa por mim mesma só me tinha levado para um lugar muito solitário e de desconexão comigo mesma”, começa por dizer ao i. “Percebi que estar tão condicionada pela validação alheia não me levou a cuidar mais da minha saúde como um todo, mas antes obcecar com um tamanho de roupa ou por uma validação de um tipo de corpo. Depois de uma péssima experiência no processo para a bariátrica, erradamente motivada, decidi deixar de lutar contra o meu corpo e tentar criar uma relação positiva com ele. Foi com uma pesquisa no Google e muita leitura que encontrei os movimentos de libertação do corpo e aprendi a viver a vida para além do meu corpo, independentemente do tamanho dele”, indica.
“Tive que ter muita compaixão por mim mesma e comecei a verdadeiramente cuidar de mim (principalmente da forma como me falava), como se eu fosse alguém que amava muito. É muito desafiante ao início, muito constrangedor e nada natural, mas isso era graças ao hábito criado de me odiar e ter que ser modesta e humilde. Mas isto nunca se tratou sobre me sentir superior a ninguém, mas antes parar de me sentir inferior a toda a gente”, esclarece.
Após anos de obsessão com a aparência e a aprovação externa, percebeu que precisava de apoio para fortalecer a sua autoestima e exigir respeito em todos os ambientes, inclusive em consultórios médicos e encontros familiares. Deste modo, mudou fatores como o ambiente, as conversas e a amizade, procurando apoio médico para cuidar da saúde mental e, assim, iniciou uma recuperação emocional, comportamental e nutricional. “Ao fim de algum tempo de acompanhamento voltei a colocar a hipótese da cirurgia ser um facilitador para o meu processo de recuperação do distúrbio alimentar e da minha saúde mental e não a solução milagrosa. Depois de muito falar sobre o assunto em terapia, muita pesquisa e acolhimento fantástico do Centro de Inovação Médica”, Catarina avançou. “Foi sem dúvida o que me ajudou a tomar esta decisão, até porque eu sou da opinião que a saúde mental e a física podem andar de mãos dadas, o problema da sociedade é mesmo a pressa e sentido de urgência para um corpo que ‘pareça’ saudável”.
“Continuo a ter dias em que me sinto mais e menos bonita, mais e menos confiante. O tamanho do corpo, desde 2017, deixou de ser um motivo para eu gostar mais ou menos de mim. O meu processo de perda de peso tem que ver com a minha relação com a comida, exclusivamente”, aponta, reconhecendo que não é “indiferente” às mudanças estéticas e de mobilidade, mas tal já não é a base da sua vontade de recuperar as saúdes física e mental. “Simplesmente isso já nao influencia o meu valor como pessoa, a qualidade da minha beleza. Sinto que a minha relação comigo mesma ao ser uma relação de muita compaixão e carinho é aquilo de que me orgulho mais. O peso é um número, os aplausos de ter um corpo considerado ‘bonito’ pelos outros para mim continua a ser algo demasiado subjetivo e que é muito mais eu considerar-me bonita do que os outros – e ter conseguido ver beleza em mim quando ninguém via, também é algo de que me orgulho muito, mesmo”, confessa.
“Mencionar o quanto perdi, para mim, só vai perpetuar o desespero por uma perda de peso, não vai nutrir uma boa relação com o próprio corpo”, diz em relação ao facto de não divulgar publicamente o número de quilos que já perdeu. “Nunca irei esquecer que a obesidade e a compulsão fazem parte de mim. No entanto, não me controlam mais hoje. As ferramentas que adotei (psicologia e cirurgia) são minhas aliadas para uma vida com equilíbrio”, aconselhando quem está a ponderar iniciar este processo a não o fazer “com desespero”, na medida em que “nada paga a estabilidade mental e paz interior”.
“Para mim foi importante investir seis anos da minha vida a cuidar do meu coração e da minha mente, isso também foi cuidar do meu corpo. E ele sempre me salvou e protegeu de tudo. Se ele esteve lá para uma vida de excessos, claro que ia estar enquanto eu lutava pela minha recuperação”, conclui.
Outros procedimentos
A vontade de ter um corpo saudável leva muitas pessoas a optarem por procedimentos como a lipoaspiração. Durante o ano de 2021, a lipoaspiração destacou-se como o procedimento estético mais realizado em todo o mundo, totalizando mais de 1,9 milhões de intervenções, um aumento significativo devido à maior procura, especialmente por parte dos homens. Este aumento foi impulsionado também pela reabertura de centros estéticos e hospitais após as restrições da pandemia de COVID-19.
A nível mundial, foram realizadas cerca de 12,8 milhões de cirurgias estéticas e 17,5 milhões de procedimentos estéticos não cirúrgicos. Os Estados Unidos lideraram em número de procedimentos estéticos, seguidos pelo Brasil e pelo Japão. Na Europa, a Alemanha foi o país com mais procedimentos, especialmente procedimentos não cirúrgicos, como botox e ácido hialurónico.
Portugal foi o segundo país mais citado pelos brasileiros para realização de procedimentos estéticos, indicando uma crescente preferência por tratamentos estéticos fora do país de origem. A lipoaspiração superou a cirurgia de colocação de implantes mamários como o procedimento estético mais realizado, embora este último continue a ser o mais procurado pelas mulheres. É também mencionada a abdominoplastia, procedimento cujo objetivo é remover excesso de gordura e pele do abdómen.