«Porque ele é um abutre e fez isto. E ele empurrou-me e abanou-me. Empurrou-me para a frente e para trás e fez uma grande cena. E empurrou-me. Foi ele que fez isto». As palavras são de Betty Grafstein, transcitas de uma declaração onde afirma ter sido vítima de violência doméstica por parte de José Castelo Branco. Uma queixa que fez também no hospital aos profissionais de saúde. O denominado marchand d’art, que já foi detido para prestar declarações, recusa todas estas insinuações e fala numa «cabala».
Mas, confrontado com estas declarações, garantiu: «É a voz da Betty. Mas não daquela forma, há manipulação». E já antes, pouco depois de ter sido libertado, disse: «Como é que [a mulher] chegava aos 95 anos e só agora é que está muito mal porque está privada de mim? Hoje estive em tribunal, olhava e sentia como é que é possível eu estar a ouvir tudo isto? Uma verdadeira cabala e muito bem armada».
Tudo começou há cerca de duas semanas quando a joalheira americana foi internada em Cascais, com múltiplas fraturas no perónio e uma pneumonia. Foi entretanto transferida por agravamento do estado de saúde. José Castelo Branco passava os dias ao seu lado com várias publicações nas redes sociais onde pediu que rezassem pela sua Betty.
Mas pouco depois tudo mudou. Profissionais de saúde garantiam que a joalheira tinha feito queixas de violência doméstica e o caso chegou ao Ministério Público. Depois disso, amigos de Betty garantiram essa mesma violência, dizendo que durava há anos. Mas o caso só agora veio à tona.
Na passada terça-feira, quando se dirigia aos estúdios da TVI para dar a sua versão dos factos, José Castelo Branco foi detido pela GNR, com um mandado emitido pelo DIAP de Sintra, para ser presente a primeiro interrogatório judicial para aplicação de medidas de coação. Passou cerca de 24 horas detido e recebeu as medidas de coação.
O juíz de instrução criminal decidiu que José Castelo Branco sai em liberdade mas fica afastado de Betty Grafstein, tendo sido impedido de visitar, contactar ou viver com a mulher com quem está casado há cerca de 30 anos. O juíz impôs ainda ao socialite como medidas de coação a proibição de contactos por qualquer meio com a vítima e a proibição de permanecer, no estabelecimento hospitalar em que a mesma se encontre; e a proibição de permanecer na residência que a vítima vier a ocupar quando tiver alta hospitalar ou de dela se aproximar, a menos de 1 km, com recurso a meios técnicos de controlo à distância.
O tribunal acrescenta ainda que não há medida de proibição de Castelo Branco se ausentar do país.
O Nascer do SOL tentou perceber junto de Raquel Caniço, advogada da Caniço Advogados, se a celeridade com que está a ser tratada este caso é normal. «Os processos de violência doméstica têm uma natureza processual urgente, independentemente de haver arguidos presos, por isso, os seus prazos correm em férias judiciais», começa por explicar a advogada, dizendo que acresce que, «o crime de violência doméstica insere-se no elenco de crimes designados legalmente por ‘criminalidade violenta’ pelo que, tem de ser cumprido um prazo de 72 horas subsequente à apresentação da queixa, para aplicação de um conjunto de procedimentos que visam proteger a vítima e acautelar os meios de prova. Para isso deve ser feita também uma avaliação de risco à vítima».
A avaliação de risco, continua, «determina a maior ou menor celeridade dos procedimentos e as medidas cautelares aplicáveis à vítima e ao arguido». Assim, «após ser apresentada uma queixa de violência doméstica há que avaliar o grau de perigosidade do agressor, as condições da vítima, designadamente as da sua saúde, a sua condição económica, a sua idade e outras circunstâncias, que vão determinar a maior ou menor vulnerabilidade da vítima e consequentemente, a maior ou menor celeridade dos procedimentos também». Respondendo à pergunta feira pelo Nascer do SOL, Raquel Caniço atira: «É normal, sim, haver esta celeridade, em casos de violência doméstica, mediante o resultado da avaliação de risco e das suas circunstâncias especificas».
Mas não estará o facto de José Castelo Branco ser uma figura pública a acelerar o processo? «Não creio que o facto de ser uma figura pública venha ‘acelerar’ o procedimento, admito como mais provável, o facto de terem sido os profissionais de saúde que com as suas denúncias e pareceres sobre as lesões apresentadas pela vítima, a sua avançada idade, a sua debilitada condição de saúde física e psíquica e uma avaliação de risco elevada, que em conjunto tenham concorrido entre si e determinado a aplicação de medidas cautelares (protetivas) que, face ao facto de serem figuras públicas, se tenha dado uma evidência mediática diferente ao caso», defende a advogada.
Raquel Caniço adianta ainda, quando questionada se este caso não poderá servir de exemplo para outros, que não é «particularmente adepta de casos que sejam “exemplo” para outros, uma vez que a aplicação do direito e a realização da justiça deve ser feita à medida das circunstâncias de cada caso, face às suas especificidades».
E acrescenta ainda que «este e muitos outros casos podem e devem servir de reflexão sobre o facto que a violência doméstica é transversal a todos os estratos sociais, independentemente das condições económicas e do nível de cultura da vítima e do agressor, pelo que ninguém está imune a essa realidade, independentemente até da profissão que tenha».
Por tratar-se de um crime que pode ser cometido de muitas formas e envolver uma parte emocional da vítima, «não tem as características de outros crimes em que é muito mais fácil detetar o seu cometimento e a sua extensão», diz ainda a advogada, acrescentando que, nestes casos, «muitas vezes a vítima só consciencializa que é vítima deste crime, passados anos, uma vez que vai sempre desculpabilizando, outras vezes por entender que há outros valores prioritários a proteger, em detrimento de si própria».
Raquel Caniço é ainda da opinião que «as crenças de cada um, os valores familiares que lhe foram transmitidos e a forma como se vê têm uma grande influência na forma mais ou menos tardia da denúncia», acrescentando que existe «dificuldade na obtenção de prova, na violência psicológica, que muitas vezes, tem consequências muito mais gravosas e que perduram por muitos anos do que a violência física, o que faz com que se perpetue a prática do crime e a vítima muitas vezes não avance com a apresentação de queixa».
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