E, do navio afundado, ouviu-se a voz do capitão

Depois de uma época miserável, Otamendi fez-se ouvir finalmente tentando explicar o que não tem explicação.

Finalmente, após mais uma derrota com o seu quê de miserável, em Famalicão, que entregou aritmeticamente o título ao Sporting (embora, como escrevi aqui na semana passada, me esteja nas tintas para a aritmética e os leões já fossem campeões há muito), ouviu-se a voz do capitão do Benfica, esse barco à deriva que passou a época a meter água por todos os lados e foi ao fundo com tanto estrondo como o Titanic, perdendo todas as provas em que entrou. Disse Otamendi, sem papas na língua: «Foi uma temporada muito má nossa. A nível de equipa, a nível pessoal, individualmente… Não jogámos as competições com a intensidade que devíamos. Na Champions, na Europa, no campeonato tivemos altos e baixos e na meia-final da Taça também aconteceu o mesmo… Há que pensar no que fizemos mal durante a temporada e pedir desculpa às pessoas, que nos apoiam durante toda a temporada. Gastam dinheiro para nos virem apoiar e nós não estivemos à altura disso. E quero deixar claro que as vezes que não estive aqui a falar não foi uma decisão minha, mas uma decisão da comunicação. Fui atacado por não estar aqui nos momentos mais difíceis e nunca me pude defender nesse sentido. Não tenho problemas de dar a cara quando as coisas correm mal. Quando correm bem prefiro que sejam outros».

Quando o ouvimos dizer que não veio falar mais vezes por decisão da comunicação do Benfica, é de ficar pasmo. Então quem explica a presença do jovem João Neves perante os jornalistas depois da vergonhosa goleada (0-5) nas Antas? Quem consegue compreender que um menino, que está a dar os primeiros passos para uma carreira que se apresenta como promissora como poucas, seja obrigado a vir dar justificações sobre mais uma exibição de apavorar hipopótamos quando, pelos vistos, havia gente com outro estatuto (Otamendi foi expulso, logo não podia falar nessa altura) que deveria ter sido entregue aos lobos em vez de João Neves? Ficámos assim a saber no passado domingo que a comunicação do Benfica foi de uma incompetência ao nível da incompetência de uma equipa técnica que é de bradar aos céus. Os pontos perdidos contra equipas do fundo da tabela, a eliminação da Taça da Liga pelo Estoril, a eliminação da Liga Europa perante um Marselha ridículo que se arrasta pelo nono lugar da Liga Francesa, a arrepiantemente má presença na fase de grupo da Liga dos Campeões, a inferioridade espampanante revelada frente ao Sporting na meia-final da Taça, aquela goleada inacreditável sofrida no Porto face a uma das mais frágeis equipas do FC Porto dos últimos vinte anos, que a duas jornadas do fim ainda nem o terceiro lugar garantiu e tem uma ida a Braga na última ronda que o pode fazer resvalar, imagine-se!, para aquela prova da terceira divisão da Europa à qual chamam pomposamente Liga Conferência.

E agora Rui?

O mundo benfiquista caiu sobre os ombros do seu presidente, Rui Costa. Não há adepto que aguente outra época como esta e nem a possibilidade ainda em aberto de entrar diretamente na Liga dos Campeões pode camuflar um descalabro tão total. Cabe por isso ao presidente assumir a revolução e garantir que nada disto se repete na época que aí vem. Ter-se-á precipitado Rui Costa na avaliação das qualidades do treinador alemão Roger Schmidt pondo-lhe na frente o que foi uma precipitada renovação de contrato. A verdade é que depois de vários meses a apresentar um futebol encantador, que há muito não se via em Portugal pela vertente eminentemente ofensiva e pela agressividade coletiva, o Benfica da primeira fase Schmidt começou a embaciar e o final do campeonato passado já foi penoso. A segunda fase Schmidt começou com a vitória sobre o FC Porto na Supertaça e, daí para diante, nada de verdadeiramente bom se viu numa equipa em que Di Maria joga à parte, Rafa e Neres se eclipsaram, António Silva se desvalorizou com erros sucessivos e só João Neves foi, na verdade, de uma competitividade contínua e impressionante, de tal ordem que acabou por ser ele a carregar com o Benfica às costas. Sabe-se que o despedimento do treinador alemão terá custos violentos para um clube que, neste momento, só tem um verdadeiro valor de mercado para vender: o inevitável João Neves. Mas que custos adicionais nascerão da continuidade de Roger Schmidt – que Rui Costa aguentou no cargo com valentia e contra a opinião da maioria, se não da totalidade dos adeptos? A opinião é minha, mas também sou eu que assumo a assinatura destas linhas: Schmidt não só não tem condições para ser treinador do Benfica como também não tem qualidade para um cargo que exige uma sageza que não possui. Não há como não o culpar por todas as derrotas e todas as competições perdidas, porque nunca conseguiu, na verdade, formar um conjunto que jogasse futebol consistente. Englobe-se a sua equipa técnica: o Benfica é improfícuo nas bolas paradas ofensivas e incompetente nas bolas paradas defensivas; falha golos inacreditáveis e sofre golos em momentos grotescos. Se há trabalho, por que não o vemos explanado no campo? A vida de Rui Costa não está fácil, mas a decisão não pode demorar muito. O trabalho a fazer já não é de continuidade é de reconstrução total de uma equipa medíocre.