O PR e as ‘responsabilidades históricas’

Alguém imagina Macron a fazer mea culpa, a esvaziar o Louvre para pagar os saques de Napoleão um pouco por toda a Europa?

Muito se tem falado e escrito sobre as “responsabilidades históricas” que o Senhor Presidente da República entende devam os portugueses assumir. E alguns têm acerbamente atacado o Chega pela sua iniciativa parlamentar visando acusar de possíveis crimes esse mesmo Senhor Presidente da República. Vamos ao essencial.

As nações não têm estados de alma, as nações têm interesses permanentes. E é a prossecução desses interesses permanentes que as mantém à tona da História. As nações que hesitam, naufragam.

É aos Estados que cumpre a prossecução e salvaguarda desses interesses das nações. É, entre nós, ao Presidente da República, como garante da unidade do Estado, que cabe a representação e responsabilidade máxima pela salvaguarda desses interesses permanentes. Marcelo Rebelo de Sousa, como cidadão, pode duvidar do que quiser, alinhar pelo movimento woke e outras bizantinices do pronto-a-vestir intelectual, dizer o que lhe vai na cabeça ou exprimir o que lhe vai na alma. Claro que pode. Mas o Presidente da República de Portugal não pode fazer nada disso.

Uma História é uma sucessão de pontos numa linha do tempo. Cada um desses pontos é fruto do seu tempo, dos seus usos e costumes, usos e costumes que se vão alterando. Ler esses momentos à luz dos usos e costumes contemporâneos resulta de supina ignorância ou de óbvia má-fé.

É evidente que o cidadão Marcelo pode, animado por essa ignorância, por aquela má-fé ou por ambas, subverter essa história e querer pagar tudo a todos e na hora. Mas o Presidente da República de Portugal, pense o que pensar, esse tem de assumir toda a nossa História de um milénio e, pese-lhe ela o que pesar, terá de encarná-la e assumi-la como sua. Porque assumir a sua História frente ao mundo inteiro é uma condição sine qua non na defesa dos interesses permanentes de uma nação. Se ele não consegue assumir essa História nem velar pelos nossos interesses, então que se demita. Ora, não se demitindo, chegou a altura de surgir quem claramente lhe diga que tem de o fazer.

Tenho simpatia pessoal por Marcelo Rebelo de Sousa. Custa-me vê-lo naufragar na solidão que, ao longo dos anos, criou à sua volta e que, por muito que ele creia que não, o fragilizou até ao limite. Custa-me vê-lo, a cada momento e cada vez mais, tropeçar naquele fato demasiado grande para ele que é a Presidência de um país com perto de mil anos. Mas, exatamente por isso, entendo que será humilhá-lo encolher meramente os ombros e repetir, com piedoso sarcasmo, “vamos ajudá-lo a terminar o mandato com dignidade”.

Nada pode ser feito que tenha a mínima hipótese de ter sucesso? É verdade que não. A Constituição portuguesa não prevê o impeachment do Presidente.

Mas um sinal forte tinha de ser dado. Não é admissível que o Presidente de todos os portugueses, aquele que eminentemente é suposto representá-los, seja o primeiro a atirar-nos aos leões do circo woke.

Alguém imagina Macron a fazer mea culpa, a esvaziar o Louvre para pagar os saques de Napoleão um pouco por toda a Europa? Ou Filipe de Espanha a propor-se pagar-nos pela ruína dos anos de chumbo da ocupação filipina? Ou, ainda, Carlos de Inglaterra pelas inúmeras predações das suas esquadras de piratas isabelinos?

Esperemos que a iniciativa do Chega consiga, pelo menos, levar o PR a pensar duas vezes antes de falar de coisas importantes. Se o conseguir, já valeu a pena.