As declarações de Marcelo Rebelo de Sousa acerca da reparação às antigas colónias portuguesas trouxeram à tona um tema latente na sociedade, sobre o qual se assobiava constantemente para o lado, tentando esconder páginas que integram capítulos incontornáveis dos quase novecentos anos do nosso país.
Qualificadas como traição por setores negacionista da Direita, como se a revolução que trouxe a democracia não tivesse na guerra colonial o seu gatilho decisivo, outros apressaram-se a afirmar a inexistência de um contencioso com os países africanos de expressão portuguesa. Os mais sensatos confirmaram a necessidade de optar por um caminho onde não deve existir vitimização nem culpabilização.
Se o 25 de Abril resulta da resistência antifascista iniciada anos antes, foi o conflito colonial que trouxe os militares, permitindo o sucesso de alteração do regime. Passados cinquenta anos, em jeito de balanço, são vários os pilares por cumprir e o passado colonialista permanece por superar. Como se observou há dias em São Tomé e Príncipe, quando a ministra da Educação afirmou a intenção de pedir a Portugal uma reparação devida a título de danos morais pela colonização, obrigando a um desmentido por parte do primeiro-ministro são-tomense.
Não se trata de algo alheio a outros países com precedentes colonialistas. Emmanuel Macron fala nisso desde 2017 e tem incentivado a restituição de arte e artefactos retirados das antigas colónias francesas, porque o património africano não pode ficar aprisionado nos museus em França. Já foram devolvidos 26 objetos ao antigo reino do Benim e a Alemanha aderiu logo a seguir à causa, restituindo peças históricas ao Benim e à Namíbia, seguindo-se a Tanzânia. E afetaram um montante de 2,1 milhões de euros para investigar futuros artigos. Ainda na Europa, a Suíça entregou 32 objetos culturais ao Egito e os Países Baixos devolveram seiscentas obras à Indonésia.
Numa perspetiva diferente, a Comunidade do Caribe, formada por 20 Estados onde se incluem a Jamaica, Trindade e Tobago ou Barbados, apresentou um plano onde declara preferir apoios no combate à crise na saúde pública, à erradicação do analfabetismo ou ao cancelamento de dívidas internacionais, em vez devoluções.
Nesta discussão trazida agora a lume, Portugal deverá ponderar uma atuação mais estruturante junto dos seus países-irmãos, atendendo à inegável responsabilidade comum. O relatório do FMI sobre as perspetivas económicas e regionais de África Subsariana, publicado no mês passado, qualifica Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe como países pobres em recursos naturais, estando a Guiné-Bissau e Moçambique nos baixos rendimentos e a Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe como países frágeis ou afetados por conflitos.
A grande questão não está na reparação. Reside no facto de Portugal estar a esquecer a Lusofonia como um desígnio prioritário, devendo cooperar a sério na sua identidade comum através da Cultura, da Saúde, da Educação e da Formação. Só assim o repto de Marcelo Rebelo de Sousa poderá a prática de crimes de ódio, apontando ao que de mais forte nos une e às potencialidades em comum. Esse é o procedimento correto entre irmãos.