O mundo digital isenta-se de fronteiras geográficas, abrindo as portas para um vasto campo de oportunidades onde o talento pode prosperar como nunca antes. No cerne dessa revolução está a capacidade de criar, inovar e comunicar através de uma infinidade de plataformas e tecnologias. O talento no mundo digital não é apenas sobre possuir habilidades técnicas, mas também sobre ter uma mente ágil e adaptável, capaz de acompanhar o ritmo acelerado das mudanças tecnológicas. É sobre ser criativo o suficiente para pensar fora da caixa e encontrar soluções inovadoras para os desafios que surgem. Num mundo onde o conteúdo é rei, os criadores de conteúdo digital emergem como figuras-chave. Desde YouTubers e influenciadores até bloggers e desenvolvedores de jogos, o talento criativo encontra uma plataforma para se expressar e alcançar um público global instantaneamente. Além disso, a procura por habilidades técnicas continua a crescer à medida que a transformação digital permeia todos os setores. Programadores, engenheiros de software, cientistas de dados e especialistas em segurança cibernética são apenas alguns dos profissionais altamente procurados no mundo digital. A natureza colaborativa do ambiente digital também oferece oportunidades únicas para o talento se destacar. Projetos de código aberto, plataformas de crowdsourcing e comunidades online permitem que indivíduos talentosos colaborem numa escala global, impulsionando a inovação e resolvendo problemas de maneiras que antes pareciam impossíveis. No entanto, o talento no mundo digital também enfrenta desafios únicos. A rápida evolução da tecnologia significa que as habilidades que são valorizadas hoje podem tornar-se obsoletas amanhã. A concorrência global também significa que é necessário destacar-se num mar de talentos igualmente qualificados. Para entender melhor este universo, a LUZ falou com criadores de conteúdo digital.
Este é o caso de Lucas Rodrigues, de 23 anos, mais conhecido como Lucas With Strangers. Os seus vídeos, especialmente no TikTok, acumulam milhões de visualizações, destacando-se por realizar sonhos de desconhecidos. Contrariando a norma das redes sociais, Lucas concentra-se em espalhar felicidade e ajudar os outros num mundo digital que muitas vezes parece carente de significado. O seu projeto nasceu como uma âncora após um assalto violento que o deixou com ataques de pânico, e hoje é uma fonte de positividade e solidariedade. Apesar da sua enorme popularidade nas redes sociais, Lucas confessa que não é fã delas e que as usa apenas para trabalho. Acredita que as redes sociais, muitas das vezes, desviam as pessoas do seu potencial máximo e tenta usar a sua influência para promover causas importantes e espalhar felicidade. «Fiquei espantado com este mundo quando comecei este projeto e percebi a quantidade de coisas que é possível fazer. Pediram-me uma cadeira de rodas e, na altura, não tinha meios. Decidi publicar uma story e, no dia seguinte, tinha a cadeira para entregar ao senhor graças aos meus seguidores. Entendi que uma comunidade digital, afinal, tem muitas vantagens e dá para mudar vidas e fazer coisas incríveis!», começa por explicar, em declarações à LUZ. «Não tinha talento nesta área. Sempre gostei de fazer vídeos, até em pequeno com a minha irmã, mas este talento não é talento: foi algo construído. Queria que a minha página crescesse ao máximo e foquei-me em aprender, olhar para as estatísticas e, hoje, dou mentoria a outros criadores e a marcas e sinto que já tenho talento para dar», continua o jovem. «Uso várias plataformas. Por exemplo, o Notion e o Motion em termos de organização. E, claro, ferramentas para captação e edição de imagem e som. Foco-me em publicar coisas com impacto e não muitas com pouca qualidade», sublinha. «Manter a criatividade é a parte mais difícil. Ajuda-me muito não me saturar a mim mesmo. Não me pressiono para publicar rápido. Quando aparece a história certa, avanço!», explica, brincando que o défice de atenção e a hiperatividade, que fazem parte dele, o ajudam a criar conteúdos para as redes sociais. «Sou muito cuidadoso em relação às perdas de atenção e noto quando os vídeos têm zonas sem atenção. Isso ajuda-me muito», confessa, explicitando que os maiores desafios que enfrenta prendem-se com a logística, pois cada vez mais precisa de pessoas que trabalhem consigo. «Mas temos ações grandes e bem organizadas por vir. E há outro problema que é a consistência», diz, transmitindo que acredita que as redes sociais contribuem para que «muito talento surja» que, de outra forma, poderia passar despercebido. «Esse é um dos poucos lados positivos das redes sociais, o da conexão. Mas também há o lado da desconexão», em termos presenciais, refere Lucas, que tem quase 570 mil seguidores no Instagram e 2 milhões no TikTok. «Muita gente quer ajudar os outros e não sabe como. Abro essas portas. Somos muitas pessoas a trabalhar atrás das câmeras e acho que não teria encontrado metade delas se não fossem as redes sociais», constata o rapaz que recebe diariamente dezenas ou centenas de pedidos de ajuda, o que o desafia a gerir o seu tempo e os seus recursos. Quanto aos conselhos que daria a quem começa o percurso enquanto criador de conteúdos digitais, Lucas é assertivo: «Há muitas pessoas que procuram a fama e começo por dizer que a fama não é boa e traz poucas coisas positivas para a vida. E, por isso, a única vantagem de fazer isto é sabermos que gostamos mesmo. No meu caso, é a minha profissão, a minha paixão: fazer vídeos e ajudar os outros, é perfeito. Mas afastem-se das ambições de fama, esse é o meu principal conselho», acrescenta, adicionando: «Mergulhem nas estatísticas, sejam altamente analíticos e pensem nisto num negócio se for mesmo para o ser. Se quiserem divertir-se e fazer isto como um hobbie, por vezes, uma comunidade pequena e fiel é melhor», começa por concluir, afirmando: «Ninguém nos segue se não estivermos a trazer algum tipo de alívio a alguma dor que alguém tenha». «Não tenho perspetivas de futuro, já desisti de planear o futuro muito à frente. Até muito recentemente, não fazia ideia daquilo que ia fazer no dia seguinte. Somos extremamente maus a planear, mas achamos que somos bons. As circunstâncias da vida levam-nos por outros caminhos. Temos de estar focados em resolver os problemas. Estou a fabricar o futuro no presente e, por isso, a minha perspetiva é focar-me agora e ser a melhor versão de mim mesmo», finaliza.
Com quase 80 mil seguidores no Instagram e 1 milhão no TikTok, Constanza Ariza, de 24 anos, começou a ganhar interesse pelas redes sociais graças ao pai. Desde pequena sempre adorou fotografia e vídeo, mas foi em 2012 que começou a criar conteúdo para o YouTube. Mais tarde, dedicou-se ao TikTok, criando vídeos de 15 segundos em que dançava. «Eu não tinha qualquer expectativa, sabia que adorava fazer vídeos! Comecei também a gostar de edição. No fundo, eu cresci com o meio digital muito naturalmente. Até ao dia em que começaram a reconhecer-me na rua, e os meus pais ficaram muito surpreendidos, porque não faziam ideia de que aquilo que eu fazia no meu quarto estava a chegar às pessoas», conta a jovem, constatando que o telemóvel é a sua principal ferramenta. «Além disso, conheço bem a minha audiência, estão comigo desde o início. Autenticidade sempre foi a minha maior arma nas redes sociais. Só assim consegui atingir um milhão de seguidores. Para me conectar com a audiência, respondo praticamente a todas as mensagens e comentários, e faço diretos», explica, não escondendo que é difícil manter a criatividade num espaço digital tão saturado. «Depois de tantos anos tive de me adaptar muito. Prezo pela consistência na criação de projetos e novas ideias, tento fazer algo diferente, inovar. Por exemplo, escrevi um livro e, no ano passado, lancei uma música. Organizei várias edições de casas de TikTokers, onde criadores de conteúdos exploraram juntos as suas melhores ideias e criam livremente. No fundo, adoro explorar ideias originais», partilha, acrescentando que o talento digital requer «interesse e pesquisa» e, «acima de tudo, um grande compromisso». «Esta área requer estar ligado praticamente quase 24h por dia, a gravar, a editar, em reuniões, a falar com a agência, a responder a emails, a publicar vídeos, entre outras coisas. Não existe horário fixo, estamos ligados todos os dias», enfatiza, afirmando que a falta de tempo é o maior desafio que enfrenta, pois também se dedica à Medicina Dentária, assim como «a consistência e a criação de conteúdo diferente e original». Relativamente ao equilíbrio das vidas online e offline, tenta manter sempre algo privado, na medida em que «nunca se sabe quem está por detrás dos telemóveis e computadores e quais as suas intenções». «Partilho principalmente coisas positivas, que transmitam coisas boas e entretenham o meu público», diz, garantindo que «as redes sociais têm sido um palco para nós, criadores de conteúdo». No seu caso, oferecem-lhe inúmeras oportunidades de trabalho, com as quais sempre sonhou, como parcerias com marcas, festivais e até viagens. «Nunca imaginei quando comecei a fazer conteúdo, com 16 anos, ter o estilo de vida que tenho hoje. Tenho aproveitado cada oportunidade, sempre a par com a minha outra área de atuação (medicina dentária). Fico muito feliz e orgulhosa por nunca ter desistido de fazer aquilo de que mais gosto», realça a jovem. «Segui sempre em frente sem dar importância a críticas, e com grande apoio dos meus pais», adiciona, explicando que adora fazer parcerias e, graças às três casas de TikTokers que criou, alcançou, juntamente com os restantes criadores, 10 milhões de visualizações em 24 horas. «Acredito que a união faz a força», partilha Constanza, cujo público principal tem entre os 13 e os 18 anos e, por isso, tem cuidado com aquilo que partilha e comunica. «O meu objetivo nas redes sociais é transmitir positividade e não entrar em assuntos sensíveis. Mas gosto muito de dar voz a projetos e ações com os quais me identifico e sinta que posso ser útil junto da minha comunidade», sintetiza, deixando um conselho a quem almeja trilhar um percurso semelhante ao seu: «Ver muito conteúdo e deixar-se inspirar por outros criadores, mas tentando sempre imprimir a sua visão das coisas. Adicionar sempre algo da sua personalidade. Fazer conteúdo que gosta, que sabe que é bom nisso, que pode ensinar e fazer com que o publico aprenda algo novo. E não se desiludir com os primeiros resultados, continuar sem ganhar obsessão pelos números. Eles vêm depois como resultado do conteúdo feito».
Janico Durão, de 23 anos, tem quase 30 mil seguidores no Instagram e 317 mil no TikTok. Na adolescência, não gostava de estar na escola e considera que «houve um ‘refúgio’ na criatividade». «Tinha uma vontade enorme interior de entreter os outros através da câmera. Nem pensava tanto no humor. Fascinava-me a ideia de poder criar as minhas coisas, com a tecnologia», conta. «Publiquei um ou outro vídeo na minha página pessoal no Instagram e fui recebendo, com o passar do tempo, bom feedback de alguns amigos e familiares. Percebi que queria explorar essa vertente, por isso criei uma página unicamente dedicada aos vídeos», recorda, explicando que, para si, relativamente às ferramentas que utiliza, «basta o telemóvel, fazer bons cortes e adicionar música que se relacione com o conteúdo». «Acredito que, com mais ou menos qualidade, o que interessa é levar coisas genuínas, que divirtam/acompanhem as pessoas. Diria que está tudo no conteúdo, mas sim, deveria dar mais importância ao material e cenário, para que se fortaleça a conexão com a audiência. Contribui sempre para a ‘atração’!», reconhece, partilhando os segredos para manter a criatividade: «Estar atento ao que/a quem nos rodeia, brincar connosco, inspirarmo-nos nas novas experiências pelas quais passamos na vida (como entrar num novo curso ou emprego). Há sempre lugar para mais conteúdo. Há sempre um novo tipo de pessoa com quem nos cruzamos, uma história que nos surpreende ou um passo no nosso crescimento pessoal. A vida é novidade constante. Basta passar isso para os vídeos». Em relação ao talento, pensa que este pode ser ensinado. «A partir do momento em que há talento, inseri-lo no digital só pede por uns tempos de adaptação, persistência e vontade. O virtual está cada vez mais presente nas nossas vidas, por isso não temos outra hipótese, se não aprender qualquer coisinha! Não vejo ‘talento digital’ como um só. Acredito que quando há talento, é sempre bem-vindo à Internet», avança, adiantando que «o facto deste trajeto depender do funcionamento da Internet pode ser assustador». «Enquanto uma peça de teatro, por exemplo, está nas mãos de papéis que agarramos e da natureza da mente humana, aqui ‘obedecemos’ à bateria, boa ligação ao Wi-Fi e gestão alheia da plataforma. No fundo, não temos tudo sob controle. Com isto, digo que o desafio que me parece mais importante é não desligarmos do verdadeiro lado que nos acrescenta e assegura um caminho de realização e felicidade: a vida real. Acho fundamental não mergulharmos intensamente no digital, mas sim manter o equilíbrio. Depender sim do ar puro e projetos cá fora», aconselha, explicitando que não definiu horários de publicação, mas pensa que «um ritmo de partilha» leva a que a audiência aguarde pelo conteúdo. «Quase como se se criasse uma ligação entre criador e audiência – no compromisso de garantir novas publicações. Eu costumo fazer quando tenho vontade ou timings a cumprir com alguma campanha. Não devia! Mas sou completamente descontraída, nesse aspeto», descreve. «As redes sociais são um palco, uma ponte, um empurrão a qualquer talento que tenhamos e queiramos lançar, para fora do nosso quarto e cabeças. É uma grande oportunidade, aproveitar estas tão acessíveis e consumidas plataformas, se queremos partilhar algum talento. No meu caso, fazer sketches ou contar histórias já me apoiou no arranque de um anúncio, algumas campanhas, entrevistas e um próprio podcast na rádio. A minha página foi o que me trouxe todas essas possibilidades», denota, sendo que já colaborou com Constanza num programa de rádio dedicado ao TikTok e esteve num anúncio onde se cruzou com criadores como Madalena Abecasis e Bernardo Almeida e, ainda, Júlio Isidro. «Acho que qualquer pessoa que entre no digital deve manter cuidados e responsabilidade, pelo facto de ser um espaço público, ainda que com distância entre todos. Quanto maior a dimensão do nosso lugar, mais cuidado e responsabilidade, claro! Relativamente ao meu conteúdo, evito abordar temas que possam ofender brutalmente alguém. Se é para gozar, que seja comigo. Com os outros, não vejo mal em brincar desde que haja limite. Não costumo passar mensagens de alerta, mas opto por criar coisas com leveza – o que prova que também é possível brincar sem destruir. É a forma com a qual me identifico mais de criar coisas», evidencia, indo ao encontro da perspetiva de Lucas quando questionada sobre os conselhos que dá àqueles que estão a começar a explorar o seu próprio talento digital: «Não o façam pela fama. Nunca o façam para receber atenção. Não só porque pode não acontecer, como, ainda que aconteça, é uma questão de tempo até se aperceberem de que aquilo não vos preenche. Não há nada melhor que a sensação de utilidade, mantermos a nossa verdade e sermos motivo de coisas boas. Com isto, o maior conselho que posso dar é: pensem numa boa forma de serem um bonito ou divertido lugar na vida do outro. Isto para quem cante, escreva, seja engraçado, saiba pintar ou maquilhar, ensinar, fotografar, dançar, por aí fora! Não serve de nada guardamos talentos para ficarem no quarto. De que forma se desenvolveriam? O objetivo é servir quem nos rodeia! Entreguem-se! E será ótimo para ambos os lados!».
Raquel Marinho, curadora da página de Instagram ‘O Poema Ensina a Cair’ – que conta com 329 mil seguidores no Instagram -, que trabalhou como jornalista durante muitos anos, explica à LUZ que descobriu o seu interesse pelo digital ao explorar as redes sociais e aprendendo gradualmente, enquanto a sua criatividade é mantida através da interação com o seu público e da busca por inspiração na vida quotidiana. «A identificação do público com as publicações e a autenticidade do conteúdo são fatores-chave para manter o interesse das pessoas pela página», sublinha, indicando que, embora esteja «ciente dos problemas sociais», considera que a sua página é principalmente dedicada à poesia. Ainda que, ocasionalmente, aborde questões de forma mais ou menos subtil. Por exemplo, através da publicação de poemas sobre a liberdade aquando do 25 de Abril. Quanto ao futuro da sua página e do podcast, Raquel expressa o desejo de continuar o caminho atual, na medida em que tem recebido muito feedback positivo, incluindo iniciativas educacionais que utilizam o seu conteúdo para ensinar poesia aos alunos.
E quando não se revela a identidade?
Quando se aborda a existência de contas cuja identidade é desconhecida, é provável que nos lembremos do Casal Mistério, que tem 288 mil seguidores no Instagram e autodenomina-se como ‘blog de crítica mistério’. «O nosso interesse pelo mundo digital nasceu naturalmente, desde o primeiro dia em que a Internet chegou a Portugal no longínquo ano de 1991, éramos nós uns jovens inconsequentes e irresponsáveis. Quando percebemos que, através da Internet, poderíamos escrever e dizer todos os disparates que nos passavam pela cabeça, decidimos criar um blog sobre temas tão fundamentais e urgentes no mundo em que vivemos, como comer, beber e viajar. Os anos passaram e continuamos um bocadinho menos jovens, mas igualmente inconsequentes e irresponsáveis», diz o casal à LUZ, elucidando que ainda está à procura do seu talento. «Os nossos dois talentos resumem-se de uma forma simples: Ele nasceu para cozinhar, Ela nasceu para comer. Tudo o resto vem por acréscimo», garante, sendo que utiliza o Word Press, o Google, o Pinterest e o Spotify para criar conteúdo e o Facebook, o Instagram e o TikTok para se conectar com a sua audiência. Se bem que, na sua opinião, ‘o bom e velhinho boca a boca’ é aquilo que funciona melhor. «A grande vantagem de sermos um casal é que podemos dividir as crises de criatividade. Quando um está menos inspirado, o outro recebe uma inspiração divina e vice-versa. E fazemos brainstormings diários, para não cairmos na rotina. Mas vamos tentando inovar – apesar da nossa já provecta idade – num espaço onde as tendências mudam todos os dias à estonteante velocidade dos algoritmos das redes sociais. Mas o segredo – achamos nós – é mantermo-nos fieis ao projeto desde o início, com a mesma isenção e autenticidade», avança adiantando que «por mais talentosa que uma pessoa seja, sem trabalho não vai muito longe». «Basta ver o exemplo do Cristiano Ronaldo que, apesar do enorme talento, continua a ser o último a sair dos treinos. O talento (digital ou qualquer outro) é normalmente inato mas claro que pode ser ensinado. No mundo online e offline. Basta ver os exemplos dos atores ou cantores, que podem ter mais ou menos talento, mas quase todos precisam de formação», afirma, declarando que, ao fim de mais de 10 anos de blog, o maior desafio constitui o maior mistério: «Como é que ainda estamos casados?», questionam, dizendo que não equilibram as vidas online e offline, pois passam o tempo com o computador atrás e até adormecem com o telemóvel, sendo que não esquecem experiências como a realização de vídeos com chefs como José Avillez, Joachim Koerper ou Kiko. «Correu muito bem, sobretudo, porque eles alinharam em fazer vídeos connosco, sem fazerem a mais pequena ideia de quem nós somos. E isso é de uma enorme generosidade», reconhece. «O principal conselho que damos é que vai precisar de muita paciência, determinação e persistência», começam por declarar em relação aos conselhos que podem dar a quem se quer iniciar ‘nestas lides’. «Mas não desistam. Não imaginam a felicidade que sentimos quando tivemos a nossa primeira visualização no nosso primeiro post, mesmo que tenha sido a pessoa que tratava do back office da plataforma onde começámos a escrever o blog. Nunca imaginámos que essa primeira visualização daria lugar a um blog com mais de um 1,5 milhões de visualizações mensais, a cinco livros que estiveram em todos os tops de vendas nacionais, a dois programas de rádio (Rádio Comercial e NiTfm), a um canal no YouTube, a dois eventos, em Lisboa e no Porto, o nosso BrunchVilla, que reuniu ao todo perto de 6 mil pessoas, uma loja online e, mais recentemente, a um podcast, o nosso ‘Favas Contadas’, que já teve mais de meio milhão de reproduções em menos de um ano», rematam.
Com 189 mil seguidores no Instagram, ‘Carlos Estrela’, pseudónimo adaptado pelo criador da página de Instagram ‘Café de Bairro’, de 32 anos, nunca revelou a identidade. Aliás, o máximo que mostrou foi uma fotografia sua de costas no NOS Alive, assim como uma tatuagem que fez dedicada ao seu amor pelo café. «Lembro-me que desde muito cedo me interessei por tecnologia. Tirei o curso no secundário de informática de gestão pelo facto de ter sido um geek da informática. Hoje em dia é uma área em que sou um nabo. Mas falando do mundo digital, sempre me interessei pelas redes sociais, passei por tudo: o pânico dos estados no MSN, plantar couves no Farmville no Facebook ou os problemas que o top dos amigos do Hi5 me deu. Hoje em dia são muitas mais, que em termos profissionais é muito mais desafiante», começa por narrar o jovem, que não sabe se chamaria talento àquilo que o move. «No meu caso, começou por ser um escape ao trabalho de que eu não gostava de fazer e era ali que eu meio que desabafava. Claro que ao longo do tempo fui percebendo o que funcionava melhor, o que as pessoas gostavam mais de ver e o tipo de comunicação com que as pessoas mais interagiam», declara, brincando: «Os designers gráficos vão odiar-me, mas eu até hoje só usei o Canva», mas constata: «As pessoas entram na rede, veem um post meu e associam logo que é um conteúdo Café de Bairro». «É difícil estar sempre a inovar. O processo criativo veio-se alterando ao longo do tempo. Antes, era tudo muito aleatório, não preparava nada, surgia tudo no momento. A partir do momento em que se tornou a coisa mais importante do meu trabalho atual (criador de conteúdo) tem de haver um planeamento semanal da minha parte para não estar preocupado com isso no dia-a-dia. Claro que a página vive muito da atualidade e há sempre espaço para o real time. Tenho sempre planeado dois posts por dia (de manhã e à noite), mas há dias em que há tanto assunto ou tantos estados de espírito diferentes que publico mais vezes ao dia. É aí que a criatividade entra, quando tens o conteúdo base pronto, que surgem as melhores ideias», salienta, adiantando que tanto ele como a namorada, ‘Carla’, recebem centenas de mensagens por dia e o feedback que têm «é muito bom». «E o desafio está aí, cada vez mais é difícil conseguir chegar a todos, mas damos o nosso melhor para não passarmos a ser só mais um perfil que se interessa por aquilo que os seguidores podem trazer em termos de números para as marcas, mas continuar a criar uma ligação com todos os que nos têm apoiado desde o início», indica, esclarecendo, porém, que existem coisas que querem preservar como a identidade. «É fundamental, até pelo facto de as nossas filhas, a Carminho e a Maria, serem tão pequenas. Em relação a localizações, também é raro colocarmos em real time os sítios onde estamos», assume, apontando que tem feito várias colaborações. Por exemplo, com a página ‘Pérolas da Urgência’, com a ‘Dido and Company’ e também com a sua ‘Carla’, que denomina como a sua «melhor influência (em tudo)». «Apesar de querer manter a minha essência na página, há temas que sinto que devia abordar pelo número de pessoas que me seguem, mas que para falar deles tenho de aprofundar o tema. Exemplo disso foi o convite que a Comissão Europeia fez a um grupo de criadores de conteúdos, onde eu estive presente. Fomos convidados para ir a Bruxelas para perceber o trabalho que se faz por lá e desconstruir um bocadinho a linguagem difícil da política europeia. No próximo dia 9 de junho há eleições europeias e, se pudermos ajudar a passar a importância que a Europa tem nas nossas vidas no dia-a-dia, nós ajudamos», conclui, rematando: «O melhor conselho que posso dar, e atenção que não sou um concorrente do Big Brother, é que sejam vocês próprios. Não adianta tentarem passar para o digital algo que não são no dia-a-dia porque ao longo do tempo isso vai começar a perceber-se. Não tenham medo de dar a vossa opinião sobre as coisas, de se vestirem como quiserem ou de falarem como quiserem».
‘Carlos’ mencionou a página ‘Pérolas da Urgência’ que tem, atualmente, 138 mil seguidores. ‘Doc Pearls’, como é conhecido, é um médico que optou por sair do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e ingressar no setor privado. No entanto, narra as peripécias que vive há vários anos. A ideia surgiu em 2016, para retratar episódios engraçados da sua atividade profissional no SNS, com humor e sarcasmo. Primeiro, criou a página no Facebook e posteriormente no Instagram. O blogue foi um projeto paralelo onde podia exprimir-se mais livremente. Como explicou em entrevista ao i, em dezembro do ano passado, sempre deu prioridade ao anonimato para poder falar sem filtros. A ideia da linha de merch surgiu há algum tempo, mas só avançou quando a empresa Mistura de Amor propôs uma parceria, na qual ele contribui com ideias e publicita os produtos. ‘Doc Pearls’ também criou vídeos para aumentar a literacia em saúde, transmitindo informações de forma eficaz e interessante. Mantém o sentido de humor e a força de vontade mesmo nos momentos difíceis, não usando as redes sociais como refúgio. As ameaças e suspeitas sobre a sua identidade não o afetam, pois está preparado para qualquer eventualidade. Já ponderou eliminar a conta, mas decidiu continuar. O logótipo inicial da mesma foi criado de forma simples no PowerPoint, mas atualmente prefere o atual. A rubrica ‘Spooky Friday’ terminou por falta de tempo, mas pode voltar no futuro. Entre as mais de 1700 publicações, destaca as que exigem mais criatividade e as de cariz político, sendo a mais popular a ‘Estou cansado de Portugal’.
‘Zé Livreiro’, mais conhecido por ‘Confissões de Um Livreiro’, tem aproximadamente 20 mil seguidores no Instagram. Tal como ‘Carlos Estrela’ e ‘Doc Pearls’ não revela a identidade. Dedica-se ao mundo da literatura, com humor apurado e publicações cativantes. «Não vejo o talento digital como um talento ‘per se’. O único talento que quero aprofundar é a minha escrita, o digital foi um meio que encontrei para chegar aos outros e que entretanto se foi entranhando na minha maneira de me expressar. Através de episódios da minha vida profissional, um livreiro anónimo, quero aproximar-me de outras pessoas e fazer com que elas se identifiquem comigo e com a minha maneira de ver o mundo. Se procurarmos bem, há humanidade nas redes sociais e no digital. Não é só ódio», garante, explicando que quis fugir «do conceito de página típica sobre livros que existe muito no Instagram» e, portanto, anda sempre com um bloco de notas. «Depois tento arranjar um tempo para pegar nessas ideias e criar uma coisa diferente a partir delas. A criatividade aparece aí, no tempo em que me sento na mesa da sala a tentar encontrar um prisma diferente de abordar um assunto», explica à LUZ, sendo fã do Canva tal como ‘Carlos Estrela’. «O talento, para mim, resulta da paixão que temos por alguma coisa aliada ao tempo que investimos nela. Sempre gostei de livros, sempre escrevi e sou fã de comédia. Juntei estas três coisas e tem resultado muito bem. Não acredito que o talento digital seja uma habilidade inata. É uma coisa que precisa de muito treino e, sobretudo, de muita autenticidade», deixa claro, revelando que, presentemente, o maior desafio com que depara é o facto de ter um bebé recém-nascido. « Tenho muitas ideias e histórias para contar, mas às vezes falta-me o tempo para pôr tudo no papel», confessa, sendo que não esconde a necessidade de ter uma audiência para manter a motivação para escrever. «Se conseguirmos ter algum distanciamento dos efeitos perniciosos das redes sociais, temos nelas um belo aliado para mostrar o nosso trabalho aos outros. Há um ano e meio era um rapaz inseguro da minha escrita e, graças à minha página e ao feedback que tenho de quem a segue, ganhei mais confiança em mim e nas minhas valências. Um texto só faz sentido se alguém o ler e as redes sociais foram essenciais nesse sentido», evidencia, finalizando: «Encontrem o vosso nicho e falem disso à vossa maneira, com um cunho pessoal. Não se deixem levar pelas tendências, façam as coisas à vossa maneira».