O triunfo dos trastes

Não passa de um zero a quem, inexplicavelmente, tem sido concedido um protagonismo do qual não é minimamente merecedor.

José Vieira, conhecido por Castelo Branco no meio cor-de-rosa, nome do qual se apropriou indevidamente, foi detido para ser conduzido perante um juiz, sob a acusação de ter espancado a sua própria mulher, provocando-lhe sérios ferimentos que obrigaram ao seu internamento hospitalar em estado considerado muito grave.

Vieira, vulgo Castelo Branco, é um produto das televisões e das revistas de mexericos, que o catapultaram para o estrelato, sem que lhe sejam reconhecidas qualidades algumas no mundo artístico.

Não se lhe conhece qualquer obra que justifique a atenção que lhe é oferecida, nomeadamente na literatura, na música, na representação, no bailado ou em qualquer outra forma de arte em que a criatura se possa ter notabilizado.

Também não há registo de ter obtido sucesso na área empresarial ou política, nem que esteja ligado a causas sociais que o destaquem do cidadão comum.

Ou seja, não passa de um zero a quem, inexplicavelmente, tem sido concedido um protagonismo do qual não é minimamente merecedor.

Mas Vieira, que abusivamente ostenta o nome de um dos maiores vultos da literatura portuguesa, há muito tempo que está referenciado pelo seu comportamento irascível, envolvendo-se, amiúde, em confrontos físicos e verbais com quem se lhe atravessa pela frente, regra geral sem que do seu oponente se tenha observado qualquer tipo de atitude que justificasse os seus ímpetos coléricos.

É, por essa razão, visita habitual das esquadras e postos policiais, tendo, inclusive, sido já condenado por um furto praticado numa loja de um aeroporto.

Perante este palmarés, certamente superior ao de muitos cadastrados ainda a contas com a justiça, legítimo se torna que nos interroguemos da razão pela qual um certa imprensa, ávida de escândalos, lhe proporciona toda esta atenção mediática.

Sobretudo, sendo da percepção pública de que as agressões físicas e psicológicas exercidas sobre a sua mulher se estendem praticamente desde os primórdios do casamento, celebrado há já três décadas.

Imagine-se o pavor e o sofrimento por que tem passado aquela infeliz mulher, de idade bastante avançada, facto que a torna indefesa e impotente perante a agressividade de um energúmeno com quem tem partilhado o seu espaço.

Mas estas evidências, mais do que simples suspeitas, nunca foram impeditivo para que Vieira, de seu verdadeiro nome, se continue a passear e a pavonear-se em frente a um público que consome avidamente todo o lixo televisivo que lhe é vendido e mantenha-se objecto de capas de publicações que apelam ao sentimento das pessoas, sendo, para isso, luxuosamente pago, motivo que, por si só, se revela como ofensivo para todos quantos vivem das parcas remunerações auferidas pelo seu honesto trabalho.

É este infantil fascínio pelo qual os pobres de espírito se sentem atraídos, quase idolatrando um personagem sem mérito e atolado em comportamentos criminosos, e cujo lugar mais adequado  para viver nos tempos presentes seria o de estar por detrás das grades e não atrás das câmaras.

Mesmo agora, depois da violência doméstica a que se tem entretido ter sido exposta ao conhecimento geral, o falso conde saltou directamente dos calabouços onde pernoitou para os estúdios da TVI, como convidado de honra no programa que se estende por todas as manhãs, e, pasme-se, à noite foi-lhe concedida uma entrevista, em horário nobre, no próprio jornal nacional daquela estação televisiva.

Uma grosseira ofensa e um claro desprezo a uma mulher idosa que luta pela vida numa cama de um hospital, vítima das bárbaras agressões que lhe foram infligidas por quem uma certa desmiolada imprensa insiste em elevar ao estatuto de estrela.

O folhetim em que este se envolveu foi mesmo, durante dias seguidos, notícia de abertura dos serviços noticiosos desse tal canal, e, certamente, de outros de igual calibre, sobrepondo-se o destaque que lhe foi concedido aos principais acontecimentos que se observaram por cá e um pouco por todo o mundo, a maioria deles de importância capital para a nossa vivência em sociedade.

Ao que parece, sujeito a confirmação, este agressor terá sido convidado para protagonizar um daqueles programas de entretenimento fútil e parolo que algumas televisões nos impingem a toda a hora, pomposamente designados como reality show, a estrear na TVI este verão.

A verificar-se, mais um indício revelador da conivência daquela estação de televisão com as actividades delituosas do pedante Vieira.

Quem protege e dá guarida a um criminoso, criminoso se torna também!

Os Vieiras desta vida agridem-nos diariamente com as parvoíces que debitam nas televisões e nas revistas que os promovem, realidade bem demonstrativa da podridão em que definha a sociedade ocidental, na qual sobressai não o conhecimento e a sabedoria, mas sim a ignorância e a futilidade.

A mediocridade substituiu-se ao mérito!

Tempos houve, não distantes, em que as pessoas iam à televisão por serem conhecidas, ao contrário de hoje, em que são conhecidas por irem à televisão!

No passado, gentes de referência nas artes, na academia, na ciência, na medicina, na política ou em outras áreas de referência, eram entrevistadas e com o exclusivo propósito de se transmitir conhecimento.

Na actualidade, a qualquer labrego, a quem não se lhe reconhece actividade alguma de mérito, é-lhe oferecido o palco das vaidades e quanto maiores forem as alarvidades que saem daquela insana boca, mais solicitado é para aparecer junto de um público que caminha para a ignorância e sempre disposto a consumir o pior do lixo que nos é vendido.

É o triunfo dos trastes e em que as pessoas de bem são ignoradas e mesmo ostracizadas.