Quando o sr. Armando Teixeira resolveu viver na floresta

Cuiabá, capital de Mato Grosso, e o seu clube maior, o Cuiabá Esporte Clube, abriram as portas a uma das principais figuras dos últimos 25 anos do futebol português – Petit, por extenso Armando Gonçalves Teixeira. Um desafio diferente para o antigo internacional que nasceu em Estrasburgo mas tem raízes no Bairro do Bom Pastor

Os pais emigraram para França, para Estrasburgo, e lá ele foi menino, um bocadinho mais franzino do que os outros e que, por isso mesmo, lhe deram a alcunha que ficou a substituir o nome:Petit. Armando Gonçalves Teixeira foi um jogador raro de força, de potência e de confiança, que tanto o faziam correr atrás da bola e dos adversários com a teimosia de uma máquina de costura como marcar golos com violentos remates de longa distância. De certa forma, eu que o conheço bem e gosto de ser seu amigo, acho que se transferiu de jogador para treinador com as mesmas qualidades e as suas equipas tornaram-se de uma resistência a toda a prova. De repente veio a notícia: «Petit é o novo treinador do Cuiabá». O sr. Armando Teixeira resolveu viver no Pantanal. Mergulhou na floresta, por assim dizer.

Cuiabá é a capital do Estado de Mato Grosso. Foi fundada em 1719 por Pascoal Moreira Cabral Leme, um bandeirante paulista, na margem do rio Cuiabá que lhe deu o nome. Nesse tempo era ponto central para aqueles que iam em buscas das jazidas de ouro que não demoraram muito a secar. Mantiveram-se as árvores, que têm por hábito morrer de pé. Curiosamente, o crescimento populacional de Cuiabá deveu-se a uma derrota dura do grupo de bandeirantes que seguia Moreira Cabral e resolveu provocar os indígenas no alto do Coxipó. Escorraçados pelos coxiponenses, abandonaram o morro para se instalarem na zona inabitada à beira rio onde tiveram a sorte suprema de encontrarem ouro.

O futebol surgiu em Cuiabá, como se imagina, muito mais tarde. Em 1925. E jorrou com uma abundância própria desta zona do Pantanal: de aí até hoje medraram, cresceram (e alguns morreram) 26 clubes na cidade de Cuiabá. Um número extraordinário para um município que possui 600 mil habitantes. Os primeiros a serem fundados foram o João Bosco e o Paulistano. Seguiram-se o Leão da Colina, o Americano e o Comércio. Em 1934 apareceu aquele que é ainda nos dias que correm o maior açambarcador de títulos regionais de Mato Grosso: o Mixto. Mas houve muitos mais: o Operário, a Associação Atlética Typographica, o Estado Novo, o Atlético, o Moto Clube, o Palmeiras, o Campinas, a Associação Atlética dos Aeroviários e a Associação Esportiva Boa Vista. 

Mas vamos falar do Cuiabá, que é o que aqui está em causa. Uma criança de colo ao pé de todos esses nomes históricos que acabei de listar. Nasceu a 12 de Dezembro de 2001 com o nome completo de Cuiabá Esporte Clube e não tardou a tornar-se no maior representante da cidade no universo do futebol brasileiro.

Amarelo e Verde

Bem à brasileira, as suas cores são o amarelo e o verde. Começou por ser, de início, apenas um centro de treinos para a garotada, conhecida por Escolinha do Gaúcho, e dirigida por Luís Carlos Tóffoli, de alcunha O Gaúcho, antigo avançado-centro formado no Flamengo. Passou sem grande estrondo pelo XV de Piracicaba, pelo Grêmio, pelo Verdy Kawasaki, do Japão, e pelo Santo André, até que em 1988 chegou ao Palmeiras e se tornou famoso. Sobretudo num jogo contra o Flamengo para o Campeonato Brasileiro (na altura disputado num sistema em que, no caso de empate, se procedia à marcação de penáltis para que o vencedor somasse um ponto extra), quando assumiu a baliza no lugar de Zetti, lesionado, depois de já esgotadas as substituições. O Palmeiras ganhava por 1-0, Bebeto fez o empate, o assunto passou para as grandes penalidades. Aí, Tóffoli brilhou como um cometa. Defendeu dois, de Aldair e Zinho, e marcou o seu. As manchetes berraram o seu nome. Especialista em jogar de cabeça regressou ao Flamengo pela porta dos astros. Marcou golos, ganhou títulos e, num momento controverso, foi contratado pelo Boca Juniors da Argentina para fazer apenas dois jogos no lugar de Battistuta que estava, nessa altura, ao serviço da selecção. Não aguentou a pressão dos hinchas da Bombonera e foi insultado por eles. Foi para Itália, para o Lecce, mas só realizou cinco partidas até regressar ao Brasil e fez a via sacra de um jogador a caminho do fim: Atlético Mineiro, Ponte Preta, Fluminense e Anápolis. Sem honra nem glória até pendurar as botas em 1996. Casou com a famosa atriz brasileira Inês Galvão e resolveu seguir o trilho das florestas e instalar-se em Cuiabá. A cidade exerceu um fascínio irresistível sobre ambos e a sua esposa largou a televisão e os teatros para ficar lá com ele.

Durante o ano seguinte ao da sua fundação, o Cuiabá competiu apenas nos campeonatos amadores de Mato Grosso. Em 2003 abraçou o profissionalismo e começou a jogar a sério. Com uma tal fúria competitiva que se tornou de imediato bicampeão mato-grossense. Estava lançado para um crescimento imparável. Ou quase… Uma crise de crescimento levou a que Gaúcho se desentendesse com os seus sócios, os irmãos Nepomuceno, e o clube sofreu os custos desse afastamento. Foi preciso paciência e, sobretudo, ideias frescas para levá-lo, finalmente, ao lugar que sempre ambicionara entre os grandes do futebol do Brasil. 

Em 2009, o Cuiabá foi comprado pelo Grupo Dresh, dono de uma empresa chamada Drebor Borrachas Ltda., que fora desde início sua patrocinadora. O dinheiro injetado abriu novos horizontes. No ano seguinte regressou aos títulos vencendo a Copa de Mato Grosso, batendo na final o Operário Várzea-Grandense. A luta nas séries C e D do Campeonato Brasileiro ia continuando com altos e baixos. Mas parecia que ir mais acima era impossível. O Mundial de 2014 fez com que o Cuiabá deixasse o seu velho Estádio Passo das Emas para se instalar na Arena do Pantanal. A vitória na Copa Verde de 2015, face ao Remo, num jogo épico que ficou para a história como «O Milagre do Pantanal», abriu-lhe um lugar nas competições internacionais: a Copa Sul Americana. Algo de extraordinário. Mas faltava o essencial. Atingir a série A do Brasileirão. 

Em 2019, o Cuiabá conquistou o seu nono campeonato mato-grossense. Invicto! Tornava-se o grande campeão estadual dessa década e ensombrava os títulos consecutivos do João Bosco e do Mixto nos anos 50 e 60. 2021 foi, finalmente, o ano da subida tão desejada. Pela primeira vez ao fim de 35 anos,o Estado de MatoGrosso voltava a ter uma equipa no principal campeonato do país. Daí para cá nunca mais desceu, o que a torna uma das escassas três equipas da Série A que nunca foi despromovida. No último domingo, Petit pode  assistir, ainda na bancada, à derrota caseira frente ao Palmeiras por 0-2. Com o Cuiabá no último lugar da classificação – quatro jogos, quatro derrotas – sabe que tem pela frente uma tarefa complicada. Mas para o sr. Armando Teixeira, as complicações foram a história da sua vida como treinador. Agora a floresta espera pelo seu milagre.