A quebra dos compromissos eleitorais

Desafia-se o Primeiro-Ministro a deslocar-se à Avenida Almirante Reis ou à Estação do Oriente em Lisboa, que veja as tendas em que tantas pessoas lá vivem.

O Programa eleitoral que a AD apresentou para as eleições do passado dia 10 de Março referia expressamente na pág. 180: «Revogação das medidas erradas do programa Mais Habitação, incluindo o arrendamento forçado, congelamentos de rendas (aplicando subsídios aos arrendatários vulneráveis), e as medidas penalizadoras do alojamento local como a Contribuição Extraordinária sobre o Alojamento Local, a caducidade das licenças anteriores ao programa Mais Habitação, e outras limitações legais desproporcionais impostas pelo Governo socialista».

No passado dia 8 de Maio o Parlamento discutiu a «revogação das medidas erradas do Programa Mais Habitação»num projecto-lei da Iniciativa Liberal que coincidia totalmente com o que a AD tinha anunciado no seu programa eleitoral. O PSD e o CDS, no entanto, abstiveram-se nessa votação, permitindo assim que os partidos da esquerda rejeitassem a proposta, mantendo esse nefasto programa em vigor.

Apenas dois dias depois, o Governo decide anunciar as suas 30 medidas para o sector da Habitação. No entanto, no âmbito do arrendamento, apenas foi anunciada a revogação do arrendamento coercivo e a revogação da garantia e substituição do Estado como arrendatário, o que é totalmente ineficiente para o sector, já que o arrendamento coercivo nunca teve aplicação e o fim da garantia do Estado só o beneficia a si próprio.

O Governo, no entanto, não anuncia a revogação de outras medidas gravíssimas do programa Mais Habitação, como o estabelecimento de tectos às rendas nos novos contratos e o regresso ao congelamento de rendas nos contratos anteriores a 1990. Em vez disso, o Governo propõe-se apenas nomear um grupo de trabalho para ‘corrigir as distorções introduzidas ao Regime de Arrendamento Urbano nos últimos oito anos para devolver flexibilidade e confiança ao mercado de arrendamento’. Ora, toda a gente sabe que, quando se quer fazer alguma coisa, faz-se. Quando não se quer, nomeia-se um grupo de trabalho, de preferência composto por pessoas que nunca se entenderam sobre coisa nenhuma, o que é a garantia de que tudo fica na mesma.

Na verdade, aquando do anúncio destas novas medidas, o Primeiro-Ministro disse expressamente que «não está tudo mal e o que foi bem feito é para continuar». Desafia-se o Primeiro-Ministro a deslocar-se à Avenida Almirante Reis ou à Estação do Oriente em Lisboa, que veja as tendas em que tantas pessoas lá vivem, a ver se de facto mantém a opinião de que não está tudo mal na habitação. Aliás, na passada segunda-feira foi anunciada uma nova subida das rendas de mais 7% em relação a idêntico período do ano passado, um ritmo que não se observava há mais de 30 anos. Isto é a herança de oito anos de políticas desastradas no sector da habitação, que levaram à quebra de confiança dos proprietários, à redução da oferta de arrendamento, e à subida exponencial das rendas.

É por isso essencial que o Governo abandone de vez a política de ‘evolução na continuidade’ em relação ao PS que anunciou e apresente no Parlamento as propostas de revogação do Mais Habitação com que se comprometeu no seu programa eleitoral. O que assistimos na passada semana foi a uma grave quebra do compromisso eleitoral da AD neste domínio, o que só contribui para descredibilizar a classe política.