Tenho por hábito nas equipas que lidero e nos alunos a quem ensino, chamar à atenção para o quão fácil é, nas folhas de Excel, colocar os planos de actividade em patamares híper bem-sucedidos. É muito fácil criar no Excel o anúncio de um sucesso que apenas existe na ficção das expectativas. Eu sou, pelo contrário, adepto do síndroma dos cuidados e refreios quando se trata de planear o futuro e a sua tradução para as folhas de cálculo financeiras. O sucesso e o fazer bem feito dão, efetivamente, muito trabalho. Sou, por isso, mais adepto de um planeamento minucioso e das necessárias correções que os caminhos percorridos obrigam a introduzir para, apenas anunciar e promover depois da obra realizada, no lugar de comunicar promessas e expectativas. Por essas e por outras dizem-me muitas vezes não ter jeito para a política. Respondo dizendo que não procuro ter jeito para determinada forma de estar na política. Aprecio o fazer; o fazer bem feito. Como dizemos em Portugal, ‘promessas leva-as o vento’.
Esta nota introdutória serve de contextualização à pergunta que várias vezes me têm formado sobre a avaliação que faço do governo, sabendo esses, que me mostrei e mostro muito cético quanto às reais capacidades que lhe reconheço (a este governo) para transformar o que efetivamente necessita ser transformado de modo a que Portugal possa acelerar em direção ao desenvolvimento, inovação e enriquecimento na qualidade de vida das pessoas. Tenho, contudo, notas positivas na forma como tem estado a trabalhar o tema da habitação. Portugal necessita de mais habitação pública e para isso necessita de reformular a lei dos solos. Também nas obras estruturais há decisões que refletem o espírito de querer fazer. O anúncio da decisão de localização do aeroporto e o anúncio da decisão, completar, de mais uma travessia do Tejo abrem horizontes concretos de execução. Neste domínio, o trabalho até agora apresentado pelo governo é meritório e positivo; mas necessita urgentemente ser posto em prática e para isso é imprescindível gerar a riqueza e encontrar os recursos técnicos capazes de concretizar estes projetos. A experiência autárquica do ministro e uma equipa bem constituída revelam-se fatores essenciais no sucesso desta tão importante pasta.
Por outro lado, o governo tem deixado muito a desejar num conjunto demasiado alargado de demissões que provocou em várias instituições (Santa Casa da Misericórdia e Águas de Portugal estão longe de ser os únicos casos). Na forma e no conteúdo tem falhado, deixando uma sensação de insensatez e desrespeito pelas pessoas. Os habituais ‘jobs for the boys’ (alguns nomes com muitos cargos no CV mas sem realização de obra digna desse nome) marcam já um conjunto de más decisões, tanto na forma como no conteúdo. O ‘sim porque sim’ é uma prática prepotente e reveladora de falta de sentido de humildade a que a democracia obriga. Por fim e numa avaliação rápida a que o pouco tempo desde a tomada de posse permite, uma chamada de atenção para o modo enfezado como o governo comunica com a opinião publica.
Em temas relevantes, centrais, complexos e decisivos não há qualquer noção se há trabalho ou intenção de trabalho estruturante. Não se conhece uma visão para o desenvolvimento da economia portuguesa. O projeto de integração de uma visão futura que envolva os principais agentes de inovação e desenvolvimento tarda em aparecer. Essa falha atrasa em muito o desenvolvimento da economia e contribui para um enorme desperdício de recursos financeiros, técnicos e humanos. Um verdadeiro atentado ao respeito pelo ‘Fazer Bem Feito’.
Também no que respeita à reforma da administração pública e à justiça não se entendeu exatamente o que o governo pensa e acima de tudo o que pensa fazer. Só fazendo bem feito nos permitirá a concretização de caminhos demasiadas vezes prometidos, demasiadas vezes adiados. Portugal vive há muito tempo no regime da promessa sem substância e dos cargos ocupados sem obra realizada.
Esperemos o melhor mas preparemo-nos para o pior.