Na semana passada, prometi falar hoje de um tema cada vez mais crucial para o nosso país: a necessidade de reforçar o poder executivo. Deixem-me ir um pouco atrás. Em 1851, iniciou-se em Portugal um período chamado ‘regeneração’, nome que decorria do partido que o impulsionava: o Partido Regenerador. Pouco depois nasceu o Partido Progressista, e durante 50 anos os dois partidos revezaram-se no Governo, num sistema a que foi dado o nome de ‘rotativismo’.
Ora governava um, ora governava o outro.
Mas em 1901, no reinado de D. Carlos, houve uma rutura neste percurso: um dirigente regenerador chamado João Franco provocou uma cisão no seu partido, criando o Partido Regenerador Liberal.
Daí para a frente, a dança a dois foi substituída por uma dança a três.
E tudo se complicou.
Até que, num golpe de audácia, D. Carlos chamou ao poder João Franco, este fez um acordo com os progressistas e conseguiu governar; mas um ano depois eles tiraram-lhe o tapete e o Governo caiu.
Desapontado, o Rei reagiu com dureza: fechou o Parlamento e deu a João Franco condições para governar sem oposição – ‘por decreto’, como se dizia.
A isto se chamou ‘ditadura de João Franco’.
Só que, no princípio de 1908, D. Carlos foi morto no Terreiro do Paço e tudo se desmoronou.
Menos de três anos depois, a Monarquia caía.
Temos hoje uma situação algo semelhante. Durante 45 anos, o país foi governado em ‘rotativismo’: ora governava o PSD, ora o PS (embora este durante mais tempo).
Em 2019, porém, nasceu um terceiro partido que rapidamente conseguiu grande protagonismo – o Chega.
A dança a dois entre o PS e o PSD passou a ser uma dança a três.
E hoje ninguém sabe como sair disto.
O PSD não consegue governar sem o apoio do Chega – e este dificilmente será um parceiro fiável, pois André Ventura aspira a ser o principal líder da direita, e não está disposto a dar a mão a Montenegro.
Mas se o Governo cair, se houver eleições e o PS for o partido mais votado, também não conseguirá governar – pois o PSD e o Chega farão uma coligação negativa e a situação será semelhante à que se vive hoje.
Nada mudará, pois.
Entretanto, a democracia ir-se-á esfarelando, e as pessoas irão acreditando cada vez menos nos políticos.
Como sair disto, então? Julgo que só há uma maneira: um reforço substancial do poder executivo. E isto conseguir-se-á dando ao partido que ganhe as eleições condições efetivas para governar e executar o seu programa.
Qualquer que seja a sua votação, o Governo deverá dispor sempre de maioria no Parlamento.
Isto supõe, evidentemente, uma alteração do sistema político.
Que noutros tempos seria feita através de uma revolução – e que agora terá de se processar através de negociações entre os partidos.
Que, a meu ver, nem serão muito difíceis.
Na verdade, ao contrário do que quase sempre acontece – em que as mudanças só interessam a uma parte do espetro político e por isso se revelam impossíveis –, aqui dá-se exatamente o contrário: a alteração interessa aos três grandes partidos, PS, PSD e Chega.
E interessa-lhes, porque será a única forma de poderem governar.
Neste momento, não há Governo possível em Portugal.
O PSD tem contra ele o PS e o Chega e está bloqueado; o PS, se for Governo, terá o PSD e o Chega como opositores; e o Chega, se alguma vez lá chegar, terá a oposição do PS e do PSD.
Perante isto, só vejo um caminho: uma mudança do sistema eleitoral que garanta a maioria ao vencedor das eleições e lhe permita efetivamente governar.
Se alguém tiver melhor solução, que a apresente.
Doutro modo, estará a ser conivente com o afundamento da democracia.
Por cada dia que passa, há cada vez mais pessoas a descrerem dos políticos e do próprio regime.
Todos verificamos isso.
Temos, pois, de atuar rapidamente para que Portugal possa ser governado.
Tal como o país está, não vamos a lado nenhum.
D. Carlos foi morto e a Monarquia caiu quando Portugal se tornou ingovernável.
Não o deixemos chegar àquele ponto.
Claro que os pequenos partidos protestarão – porque a mudança de sistema lhes diminuirá a relevância.
Mas o ótimo é inimigo do bom.
Com o sistema ‘ótimo’ que temos, o Governo perderá progressivamente autoridade e a confiança no regime será cada vez menor.
Importa, pois, mudá-lo – e quanto antes.
Como diria o príncipe Salinas, é preciso mudar alguma coisa para que tudo continue na mesma.
Ou seja, para que continuemos a ter democracia.