Em Portugal existem mais de 10 mil pessoas a dormir na rua, metade das quais na AML. Uma sociedade personalista como a que defendemos não pode fechar os olhos à realidade desumanizada dos sem-abrigo.
Não é um problema apenas nacional. Em Los Angeles, nos EUA, uma única avenida na vizinhança de Hollywood, a Skid Row, conta cerca de cinco mil sem-abrigo.
Na UE, o berço do Estado Social moderno, chegou aos 900 mil.
Em Portugal, os baixos salários, a precariedade laboral e a crise da habitação têm sustentado o aumento dos números.
Recuando no tempo até à pandemia, percebemos que os decisores políticos não prestaram a devida atenção a alguns indicadores, como o crescimento da taxa de desemprego. Foi neste período, com muitas famílias a dar graças pelas moratórias, que o preço das casas aumentou 8,4% e o preço médio do mercado de arrendamento escalou mais 5,5%, tornando a AML a zona mais cara do país. Acentuou-se o problema da desigualdade económica e, por inerência, da habitação – um dos direitos constitucionais e humanos mais maltratados.
A necessidade de habitação deixou de ser um problema das franjas socialmente mais deprimidas. As famílias de classe média, os jovens e os profissionais que servem os serviços públicos tornaram-se impotentes para financiar uma habitação que lhes permitisse idealizar um projeto de felicidade.
Esta é a nova dimensão do problema dos sem-abrigo. Em Cascais, 25% dos casos devem-se a situação de desemprego ou precariedade no trabalho, mais do que os 21% dependentes de álcool ou substâncias psicoativas. Esta inversão dos dados dá que pensar, assim como as razões que levam alguém a viver nas ruas: ausência de suporte familiar (19%), despejo ou desalojamento (15%) e problemas de saúde mental (9%).
Cascais adotou o conceito nacional definido na Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas sem Abrigo 2009/2015 e manteve-o na atual Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2017-2023. De acordo com o relatório de avaliação, em 2023 contabilizaram-se 273 pessoas nesta condição – 187 sem teto (a viver na rua) e 86 sem casa (alojadas temporariamente).
Números inaceitáveis para um concelho que assumiu um compromisso firme com as suas pessoas.
Com base nestes dados, preocupação e vontade de resolver o problema dos sem-abrigo, a CMLisboa convidou os municípios da AML a delinear um plano de ação.
Apesar da urgência e da dimensão do problema, entre 18 municípios, apenas três se fizeram representar pelos seus líderes políticos – Carlos Moedas, Isaltino Morais e eu próprio – 12 nem sequer marcaram presença.
Estamos a fazer a nossa parte, mas não chega.
É crítico que os poderes públicos olhem para esta problemática e coloquem soluções em cima da mesa. É urgente uma articulação com o Estado Central, escalando para um nível europeu, que permita às autarquias financiar, por exemplo, os centros de acolhimento.
Há duas reflexões a fazer: (1) as autarquias não têm, ainda, mecanismos necessários para abordar o problema. Na questão da Saúde Mental, só o Delegado de Saúde pode determinar o internamento de uma pessoa sem-abrigo, e são raros os casos em que tal acontece – quando acontece, por norma, é-lhes dada alta clínica.
(2) Criámos respostas de emergência e de transição em Centros de Acolhimento com parceiros como a Cruz Vermelha Portuguesa que apoiam na definição um projeto de vida para os sem-abrigo, mas a vontade de cada um terá sempre de ser respeitada.
A terminar, tenhamos noção do aproveitamento de alguns movimentos, de extrema-direita e de extrema-esquerda, que utilizam pessoas que estão em fragilidade social, fazendo disso uma bandeira política. Para além de uma injustiça do ponto de vista social, trata-se de um aproveitamento.
Façamos o que é necessário, protejamos os cidadãos mais frágeis.
Em Cascais, o trabalho já começou e não vai parar.
Esperamos agora que o Governo faça a sua parte.