Se há coisa pela qual somos conhecidos além fronteiras é pela nossa gastronomia. Da carne ao peixe, de norte a sul, a verdade é que Portugal é um dos países mais ricos da Europa quando se trata de variedade e sabores à volta da mesa. Gostamos de nos sentar num restaurante e queimar o tempo enquanto nos deliciamos com o que de melhor se serve por aqui. Conversas infinitas acompanhadas pela famosa imperial. Momentos onde a pressa não é convidada, onde os problemas parecem desaparecer e onde as gargalhadas se multiplicam. E, os estrangeiros não são exceção. Apesar de muitos não terem essa cultura – a dos petiscos –, não é difícil que se habituem a fazê-lo durante o tempo em que estão de férias. E há mesmo quem chegue com uma lista daquilo que mais quer provar. Tal como acontece com chefes conhecidos no mundo inteiro que já cá gravaram documentários onde provam várias iguarias típicas portuguesas que vão desde a bifana, à salada de polvo, ao pica pau, às amêijoas à bulhão pato, às moelas, ao chouriço assado, ou aos camarões à guilho. Falamos de nomes como Anthony Bourdain e Gordon Ramsay, que se surpreenderam pela simplicidade e sabor dos pratos.
Petiscos à beira-mar
Estamos no Litoral Alentejano, na Costa Vicentina. À nossa frente uma enorme mancha azul. O mar espelha a cor do céu. Ainda há pouco areal. A água parece ter engolido a areia. Aqui, no Magic Cactus, na Praia da Vieirinha, chegam todos os dias pessoas oriundas dos vários recantos do país. Dizem querer fugir da confusão do Algarve. Por outro lado, há quem espere o ano inteiro para se sentar nos bancos construídos com troncos de madeira assentes na areia da esplanada, para se deliciar com o menu e contemplar a paisagem. Segundo Fábio, proprietário, este cantinho é descrito pelos clientes como um “pequeno paraíso”. “Servimos petiscos, pratos principais, cocktails, sumos naturais e outros. Oferecemos música ao vivo todos os fins de semana durante os sunsets de verão”, revela. Os petiscos que servem vão dos tradicionais aos criados pela equipa, como por exemplo, camarão ao alho, camarão com coco e coentros, choco frito, amêijoa à bulhão pato. “O menu foi elaborado com inspiração na localização, na praia, no mar, no verão. A pensar em pratos rápidos, leves e deliciosos”, explica.
Isa, de 54 anos, e Arno, de 53, vêm todos os anos com os filhos. Muitas vezes trazem amigos. Isabel nasceu em Grândola, mas mudou-se aos nove meses para França, onde acabou por construir a vida. “Apesar da minha vida estar toda lá – o meu marido e os meus filhos são franceses –, as minhas raízes estão profundamente ancoradas em Portugal. Cada vez que passamos a fronteira de carro, sinto-me em casa”, conta ao i. E sempre com a ânsia de voltar a saborear os petiscos. “Adoro a simplicidade e autenticidade dos petiscos portugueses. A mistura da terra e do mar, o aroma dos coentros misturado com azeite é para mim como uma madeleine de Proust”, explica. Interrogada sobre as suas escolhas, Isa admite que aquilo que mais lhe faz escorrer água na boca é o choco frito, a salada de búzios, as moelas e tudo o que é à base de marisco. “Sem esquecer os caracóis, daria para comer quilos deles!”, brinca. Para si, os petiscos, “refletem o modo de vida português”. “Reservar um tempo para partilhar um momento com os amigos ou sozinho. É como colocar o tempo ‘em pausa’ e permitimo-nos passar um momento de prazer e contemplação”, acrescenta. “Há quase 35 anos que passo as minhas férias de verão naquela que considero a zona mais bonita de Portugal, o Litoral Alentejano”, afirma por sua vez Arno. “Os primeiros momentos de prazer passados em Portugal estiveram, até onde a minha memória os recorda, associados a momentos passados à mesa à volta de pratos carregados de coisas deliciosas que considero exóticas e preparadas ao meu gosto”, continua. “No café passamos horas a partilhar cervejas, as deliciosas saladas de polvo e as fantásticas moelas banhadas em molho de tomate”, lembra. Por gostar muito de cozinha, já aprendeu a confecionar vários petiscos com vários amigos que vai deixando em terras lusas. No entanto, não arrisca reproduzi-los em França. “Quero deixar esses momentos para quando visito a família. Aliás, é das primeiras coisas que gosto de fazer quando piso o Alentejo”, admite.
As bifanas e moelas
Subimos até Lisboa. As ruas estão cheias de turistas e artistas de rua que os animam. Por aqui, ao contrário do que acontece à beira mar, parece que os estrangeiros procuram sobretudo bifanas, sandes de presunto e moelas. Há cafés por todo o lado e não é difícil encontrar estes petiscos. Uma das casas mais conhecidas é O Trevo, na Praça Luís de Camões. O movimento é tanto que é difícil entrar neste pequeno café que em 2011 recebeu o chef norte-americano Anthony Bourdain para as gravações do seu programa No Reservations. Desde então, vários turistas fazem questão de passar por cá para ter a mesma experiência que o chef. “That’s Fucking Good”, afirmou o cozinheiro falecido em 2018, ao provar esta sandes de porco banhada em maionese e piri-piri. Bourdain descreve-a como a coisa perfeita a comer numa noite em que bebeu alguns copos a mais. Um casal de espanhóis delicia-se com elas. Não encontraram mesa, por isso comem de pé em frente ao estabelecimento com vista para aquela que é uma das praças mais conhecidas de Lisboa. Estão a passear por Portugal e vão ficar até Junho. “Fantástica! É uma combinação maravilhosa. E o molho que fica faz toda a diferença, mas aquilo que gostei mais foi da francesinha. Nunca tinha comido uma coisa assim na minha vida. Além disso, também já comemos os pastéis de bacalhau. Que maravilha. A comida portuguesa é fantástica!”, conta o homem de 53 anos.
Também quem passa na Rua da Madalena é surpreendido pela longa fila à porta do estabelecimento As Bifanas do Afonso. O Largo do Caldas está repleto de turistas. Os que não encontram bancos sentam-se nas sombras do chão. Lá dentro, uma enorme frigideira onde as finas tiras de porco frita com vinho branco, banha e alho. Quem entra, parece já ter a lição estudada e ouve-se em muitos sotaques diferentes: “Uma bifana e cerveja, por favor”. Um casal de jovens americanos provam a sandes de carne. “É muito boa, mas uma combinação estranha”, defende o rapaz nova-iorquino de 25 anos. “E depende muito do lugar onde se come”, completa a jovem natural de Boston. “Esta está com demasiado molho e isso acaba por estragar a carne. A que comemos no Porto era melhor”, justifica. Sentados num degrau que circunda o largo, pai e filho degustam as bifanas. São italianos e acabaram de chegar a Lisboa. “Fizemos o nosso roteiro e a gastronomia faz parte. Na internet vimos que este é o melhor lugar para comer estas sandes”, conta o pai. “É boa e barata, mas não vale a fila. Esperámos 30 minutos para comer. É uma loucura! Uma experiência de sabores muito interessante, muito peculiar. Queremos experimentar noutro lugar para podermos comprar”, afirma.
Na Praça da Figueira, aberta há 26 anos, encontramos a Casa das Bifanas. Segundo Nilza, uma das funcionárias, perde-se a conta da quantidade de bifanas que saem todos os dias. “Eles ficam satisfeitos. Primeiro estranham, depois entranham”, revela. Um bocadinho mais acima, como quem vai para o Marquês de Pombal, no café D. João I, além das bifanas, serve-se caracóis, uma grande variedade de enchidos assados, salada de polvo e de bacalhau, camarão, gambas à guilho, amêijoas e berbigão à bulhão pato, codornizes fritas e passarinhos fritos e pica-pau de porco e vaca. “Normalmente eles pedem sugestões. Quando optam pelos menus, querem sobretudo provar as gambas à guilho, amêijoas e as moelas. São as moelas que mais os surpreendem. É estômago de galinha. Duvidam que vai ser bom, mas acabam por adorar”, explica Joana, uma das funcionárias.
Bifanas são as rainhas, mas outros petiscos também conquistam paladares
Janon Deelen tem 28 anos e vem a Portugal desde os oito. A designer gráfica, natural da Holanda, começou a visitar o país porque o pai apaixonou-se pelo mesmo. “Todos os anos dali em diante até ao meu pai se mudar para Portugal e comprar a sua casa lá quando eu tinha 13 anos fui a Portugal! E morei lá intermitentemente durante 15 anos também”, começa por explicar a jovem. “Pessoalmente, adoro a gastronomia portuguesa. As variações são incríveis e, sinceramente, acho que nunca comi uma refeição má em Portugal. Normalmente até não gosto de qualquer tipo de marisco, mas mesmo isso atrevi-me a experimentar e de alguma forma degustar”, diz a rapariga, sendo que, apesar de ter dificuldade em escolher os petiscos preferidos, confessa que os folhados, as empanadas, as bifanas, o pão com chouriço e os queijos conquistam o seu coração de forma especial.
“Acho que a forma como Portugal combina carne fresca, especiarias e pão ou pastelaria é simplesmente fantástica. Adoro ir à praia e comer um pão com chouriço assado na hora! A frescura e os sabores autênticos são simplesmente fantásticos”, frisa, admitindo que os seus restaurantes, cafés e food trucks preferidos estão na zona das Caldas da Rainha, Óbidos e Foz do Arelho. “Fiz a minha primeira tentativa de cozinhar empanadas de frango, mas não foi ótima. Melhorei com uma ajudinha e acabei por fazer umas muito boas na minha casa na Holanda”, continua, explicando que os croquetes fazem-na recordar o seu país de origem, assim como o modo como os portugueses gostam de consumir peixe e queijo.
“Não tenham medo de comer em restaurantes, padarias, cafés que não seriam a vossa primeira escolha! Arrisquem, afastem-se da rua principal. Nunca esquecerei as joias escondidas que encontrei desta forma”, conclui a jovem, indo ao encontro da perspetiva de Imen Chatti, jovem tunisina de 30 anos que se mudou para Portugal em fevereiro de 2022 e cá ficou até 2023, quando foi viver para o Canadá. “Embora o Canadá ofereça melhores salários, um padrão de vida mais elevado e uma qualidade de habitação superior em comparação com Portugal, não me conseguia sentir confortável lá. O frio e o fecho antecipado das lojas às 17h fizeram com que parecesse um país morto. Fiquei infeliz e percebi que não poderia ficar, mesmo com a minha família lá”, desabafa e, assim, regressou a território nacional. “Parecia o meu habitat natural. Este país mágico cativou-me e agora não consigo imaginar deixá-lo”, garante a jovem que é muçulmana e, por isso, evita carne e, especialmente, a de porco, mas apaixonou-se por alguns pratos de peixe e marisco.
“Descobri aqui o bacalhau, que nunca tinha experimentado antes de vir para Portugal. Fiquei surpreendida com a variedade de pratos que se pode fazer com apenas um tipo de peixe”, confessa, sendo que os seus petiscos preferidos são os pastéis de bacalhau e os rissóis de camarão e, relativamente aos doces, adora os pastéis de nata. “O especial aqui é que muitos pratos são à base de ovos e canela. Se alguém não gostar de nenhum dos dois, as suas escolhas podem ser limitadas. Mas se os amar, este é o lugar perfeito!”, sublinha, evidenciando o seu amor pelos pastéis de Belém.
“Nunca experimentei cozinhar nenhum petisco português, mas os meus amigos portugueses sempre fazem as suas receitas em minha casa, principalmente as de carne que precisam de ser halal”, as carnes autorizadas pela sua religião. Imen também revela que, na Tunísia, existem petiscos semelhantes aos portugueses. Por exemplo, um que se chama ”sardinha mbatan” que é parecido com o pastel de bacalhau e os rissóis que, lá, se chamam brik danouni.
Quem gosta dos petiscos lusitanos como Janon e Imen é Alireza Farahat, imigrante iraniano de 35 anos que se encontra em Portugal desde novembro de 2018. “Em termos de conexão diria que é quase o meu país de origem já que planeei morar aqui. Gosto por causa do clima, da comida e das pessoas, especialmente os meus colegas. Embora não seja um país perfeito, adaptei-me e gosto de viver aqui”, começa por afirmar, considerando que a gastronomia nacional “é realmente deliciosa”. A única coisa de que não gosta é de frutos do mar e de caracóis.
“Geralmente como lanche adoro tosta mista se contar como petisco, mas experimentei pica-pau, salada de polvo, camarão -– principalmente pasta de camarão – e bifana também”, declara, adicionando que gosta da diversidade de petiscos e o facto de se poder escolher entre muitos. Como nos restaurantes/cafés locais e nos Santos Populares, os seus sítios prediletos para consumir esta comida.
“Talvez o pica-pau seja parecido com os salgadinhos que temos no Irão. Lá chamamos-lhes Jigar, que significa alavanca! Grelhamos e, depois, comemos embrulhados em wraps”, continua, adiantando que “existem salgados e doces comuns aos dois países”, ainda que existam diferenças. “No Irão temos snacks azedos que são muito populares como o Lavashak, enquanto em Portugal temos muitos snacks que são basicamente marisco. Não temos tantos petiscos de frutos do mar no Irão”, frisa.
Marcin Leiman é polaco, tem 35 anos e trabalha em Portugal como programador de software há dois anos e meio. Quanto à cozinha portuguesa, descreve-a como ”simplesmente incrível, simples e saborosa”. “E o que mais me surpreende são os restaurantes. Pequenos, joias escondidas em bairros, que não são chiques, mas têm a melhor comida”, avança o jovem que gosta particularmente de pregos, bifanas e amêijoas “pela simplicidade e qualidade dos ingredientes”. “Tenho um pequeno restaurante local na vizinhança. O engraçado é que tive medo de ir lá no primeiro ano em que estive aqui porque estava sempre cheio de adeptos de futebol portugueses locais e, por isso, pensei que fosse apenas um bar. Eles têm o melhor prego que comi até agora”, observa, sendo que acha que não existem petiscos semelhantes aos lusitanos na Polónia. “Não temos a mesma cultura de petiscos lá. Definitivamente, há menos lugares pequenos onde se pode fazer um lanche rápido e delicioso”, finaliza.