No artigo A reserva dos elefantes brancos expliquei o que penso da opção aeroportuária agora anunciada pelo Governo, com o apoio generalizado da oposição. Não vou insistir no tema ou recordar o episódio que condenou a solução Montijo, que doutra forma já estaria concretizada. Perdeu-se tempo e desperdiçou-se aquela que parecia ser a opção mais prudente. Tudo isto é história e Alcochete vai avançar. A Comissão Técnica Independente (CTI) prometia seis anos para concluir o aeroporto, enquanto o Governo fala de 12 anos. Não preciso de recorrer à inteligência artificial para perceber que não estará operacional antes de 2040, se os estudos de impacto ambiental não travarem o processo por causa das aves, sobreiros e aquíferos. Até lá investe-se na Portela, no que depois será demolido para dar lugar a mais uma ‘centralidade’. Centralidade e centralismo são parentes no léxico nacional. A opção Alcochete implica construir uma terceira travessia sobre o Tejo, infraestrutura que a CTI ignorou na sua avaliação comparada por a considerar, em qualquer caso, inevitável. Além disso, vai ser necessário construir uma cidade aeroportuária. Não sendo expectável que a população de Lisboa cresça vertiginosamente, um aeroporto da dimensão prevista só se justifica se o turismo atingir números que parecem incompatíveis com a capacidade de absorção da cidade. Ou se o novo aeroporto se transformar num hub, concorrendo com o de Madrid. Só que Madrid tem um hinterland muito maior e o seu aeroporto está mais próximo da cidade do que o futuro ‘Luís de Camões’ ficará de Lisboa. Acresce que Espanha dispõe de uma companhia aérea nacional bastante maior do que a TAP, servindo muitos mais destinos e rotas. Em suma, ninguém explica de onde surgirá tanta procura para o aeroporto. Ainda que a TAP – que, entretanto, voltou aos prejuízos – acredite que vá passar de uma frota de 80 para 250 aeronaves até 2025, sem que se saiba quem paga os novos aviões, para onde vão voar e com que passageiros. São dúvidas que deviam suscitar prudência, tanto mais que a emergência climática terá impacto na tecnologia e/ou na oferta da indústria de aviação. Ao invés, procura-se dissipar as dúvidas com uma ideia luminosa: antecipa-se a linha de alta velocidade entre Lisboa e Madrid. Cáspite! Se não temos procura endógena, vamos ‘à pesca’ a Madrid. Com um TGV, os espanhóis vão preferir Alcochete a Barajas! Um madrileno que queira viajar para a Florida não vai apanhar o metro e embarcar em Barajas, na Iberia. Vai, sim, optar por passar três horas no TGV para viajar na TAP de Alcochete para Miami… Para suportar os custos de tudo isto, a engenharia financeira parece fácil. A Lusoponte cobra portagens que financiam a ponte rodoferroviária, trazendo mais carros para Lisboa. A TAP gera dividendos para o Estado e as taxas aeroportuárias e as lojas pagam o novo aeroporto. A alta velocidade é construída em PPP, paga por turistas espanhóis e passageiros que a TAP angariar em Madrid. Sendo que ninguém faz as contas aos 5 a 10% de passageiros, provenientes das rotas de Madrid e Porto, que deixarão de usar o avião para se deslocarem a Lisboa. A miragem que nos vendem é de que o investimento – mais de 20 mil milhões de euros – vai ser pago pelo utilizador-pagador, e não pelo contribuinte. Que me desculpem os especialistas, os políticos e o unanimismo nacional se, por uma questão de bom senso, duvide da exequibilidade do modelo. Sei que levarão a mal que este vilão nortenho denuncie que esta opção se insere numa estratégia unipolar, que determina que apostemos todas as fichas em Lisboa, já que o resto é paisagem, frequentada por gente provinciana, que incomoda os salões, mas que nem por isso se livrará de pagar a conta se o megaprojeto der para o torto e a troika regressar.
Desmancha-prazeres me confesso
A opção Alcochete implica construir uma terceira travessia sobre o Tejo, infraestrutura que a CTI ignorou na sua avaliação comparada por a considerar, em qualquer caso, inevitável.