Já não lhes basta atirarem nuvens ao vento, eles querem pendurar-nos no cruzeiro; já não lhes basta o achaque à democracia, eles querem apertar-nos os gorgomilos; já não lhes basta serem os pais da discórdia, eles querem levar-nos mudos e silenciosos para o abate.
Cinquenta anos depois ainda se escaramuçam limites à liberdade de expressão. Há um vozeiro tropear de bestas que vão tisnado a casa da democracia; os inquisidores levantaram-se de repelão e de bocarra enorme querem ferrolhar o pensamento dos homens livres.
E enquanto os broncos da Tribuna batem no peito e galgam as congostas do castelo, os gazetistas espojam-se da liberdade que abril lhes deu e juntam-se aos escoliastas que todas as noites na Telopsia convivem mal com a opinião dos outros. Os que se acham os guardiões do aceitável, já não têm em si, sequer, a consciência da revolução.
O povo, estremunhado pelo rebate dos sinos, acordou-se pendurado na cruz dos fraguedos – lá em baixo, só sombras. E se uns chafurdam nos enxurdeiros, outros rosmeiam no que sobra entre as lajes. Todos vivem na dependência, até porque para seguir uma causa não têm de a compreender.
Ao menos que a parlamentarice e a patetice não absorva o espírito de quem governa. Séneca já dizia que quem tem medo de ser odiado não sabe governar. Sim, nunca se ergueram estátuas a críticos.
Mas, os políticos – esses castos e finórios –, julgam-se mais dramaturgos que Shakespeare e os mendicantes – esses ratoneiros e agadanhadores –, tornaram a Liberdade e a Igualdade palavras ímpias e impuras. Se à Igualdade, ambos, já lhe deram substantivo de miserável, à Liberdade preparam-se para lhe dar túmulo amarrada de pés e mãos.
No Palácio, lá do Bairro Alto, as cabeças estreitas, que antes atiravam copos de água choca a quem passava, agora cozem à pressa as bambinelas para se barricarem na mediania que é onde se sentem bem. Como o Guarda do Templo ainda não voltou, a Câmara de Reflexão continua vazia.
E o que estará Ramalho Eanes a pensar quando vê políticos e jornalistas a aceitar ferirem-se numa retórica afiada sobre liberdade de expressão? Adivinho-o pelo que escreveu sobre o medo, em a Carta aberta ao burguês, no Jornal do Batalhão de Caçadores, a partir de Moçambique, em 1967: «…parece teres esquecido, tanta e tantas coisas. Esqueceste… e só Deus sabe como pode ser grave o teu esquecimento!».
Ou, antes que o amanhã traga um mundo de cadáveres e nos enterrem num cemitério de liberdades mortas, em o ‘Cone da Vida’, também batido à máquina pelo capitão Eanes, a partir de Luatize, um ano depois: «Na génese do meu ontem, a liberdade plena de um devir, a luz pujante de um mundo inteiro, prenhe de liberdade e grávido de opções», mas agora prestes a tornarem-nos «uma contradição entre os pedaços de liberdade viva de ontem e a liberdade agonizante de amanhã».
Sim, meu general, tal como escreveu a partir do mato na província de Tete, «eles não acreditam porque não sabem como se faz» e deixam que a Liberdade seja espezinhada até que as lápides negras tomem o ‘TUDO ou NADA já sem tempo’.