Parece que se passaram décadas, mas tudo aconteceu apenas há 4 anos. Foi em março de 2020 que se reportaram em Portugal os primeiros casos de covid-19. Ninguém sabia bem como as coisas iriam evoluir e, pelo sim pelo não, os portugueses correram aos supermercados para se abastecerem de papel higiénico. Desde então, os acontecimentos sucederam-se e, pior que tudo, ninguém sabia como seria o dia seguinte. A impressibilidade foi estonteante e isto numa sociedade habituada a marcar férias um ano antes e a fazer planos a prazo. Além das tragédias, do medo que se viveu, mudámos. Mudaram-se os hábitos, envelhecemos todos mais um bocadinho e ganhámos cicatrizes para a vida.
As redes sociais passaram a ser o centro do convívio social. E foi aqui que se espalharam notícias falsas, criaram-se movimentos incendiários e até novas dependências. As opiniões radicalizaram-se porque é sempre assim quando o medo assume a liderança. Desconfiamos uns dos outros e fomos, por um tempo, delatores de quem não usava máscara, de quem se abraçava, de quem saía à rua fora de horas. A pandemia fechou-nos em casa como prisioneiros, apenas com direito a dar uma volta pelo pátio ou a comprar pão e sempre mascarados. Questionou-se a legitimidade do Estado para nos trancar, a credibilidade dos cientistas com as vacinas e as regras e limitações que se aprovaram ao abrigo do estado de emergência. Depois, fizemos balanços. Recordámos a forma e o modo como vivíamos antes da pandemia – as prioridades, o tempo que não se aproveitou e as pessoas a quem não demos o devido valor. Perderam-se vidas e nem tivemos direito a funerais para nos despedirmos e honrarmos os que partiram. Mudaram-se os hábitos de trabalho, de estudo, de convívio e até de consumo. Viciámo-nos rapidamente em comida, na televisão e até em corrida – que chegou a ser a única forma que se encontrou para se poder sair de casa. Isso e passear os cães. Coisas tão óbvias como beber uma bica, visitar os pais, ir à missa ou ir ao cinema, passaram a ser programas de luxo.
Vivemos assim meses demais. Pelo menos dois anos que acabaram como chegaram: de repente. Durante esse tempo nasceram bebés que só viram os tios e os avós e outras crianças de cara destapada depois de largar as fraldas. “Bebés Covid”, como os chamamos, que passaram os primeiros tempos fechados em casa, com os pais dedicados a 100 por cento. As crianças em idade escolar deixaram a escola e tentou-se que aprendessem à distância o que a escola não podia ensinar. A ler, a escrever, a fazer contas, como se fosse possível. Há miúdos que só saíram à noite para bares e discotecas pela primeira vez quando a idade para estreias como estas já tinha passado. Ou seja, tarde demais.
Tudo isto deixou marcas e o tempo perdido, sabemos bem, não se recupera. Fala-se pouco destas marcas: das consequências de uma educação aprisionada em casa, das horas e dias em frente aos écrans, da falta de escola, de convívio, de aprendizagem, de ar livre, de oportunidade para se fazerem novos amigos. Da falta que fizeram os avós na vida dos netos e dos filhos, dos primeiros trabalhos à distância sem almoços com os novos colegas, sem trabalho de equipa, sem se conhecer quem contrata ou com quem se trabalha. A pandemia mudou-nos e mudou a sociedade. Mas pior que tudo, causou estragos que ainda ninguém contabilizou. A pandemia durou mais de metade da vida de muitas crianças e a fase mais marcante da vida de muitos jovens. Quem são, o que aprenderam, que vícios e quais as feridas que ainda estão abertas? Alguém sabe?