Numa democracia liberal, é apenas ao povo e só ao povo, que cabe traçar linhas vermelhas ao que pode ser ou não dito no Parlamento. E é votando que o povo traça essas linhas deixando à porta desse Parlamento aqueles partidos que não está interessado em ver lá. Todos e cada um dos deputados que entram e se sentam nas bancadas são livres e têm o dever de respeitar a sua própria liberdade, não se autocensurando, bem como a liberdade dos outros, não os censurando. E ao presidente do Parlamento, como primus inter pares, cabe a responsabilidade máxima de velar por inteiro sobre esta liberdade essencial, preservando-a, custe isso o que custar e a quem custar.
Seguramente que José Pedro Aguiar-Branco e eu próprio estaremos em desacordo sobre várias coisas, mas uma há em que estamos totalmente de acordo: o transcendente valor da liberdade e a necessidade de a preservar a todo o custo.
Porque a nossa liberdade está em risco. E o que se passou nestes últimos dias no Parlamento é bem o reflexo do que se passa cá fora no dia a dia de todos nós.
Cada vez mais, só nos é permitido dizer cada vez menos. A esquerda e a extrema-esquerda, com a cumplicidade cobarde de uma certa direita, definiram o que pode e não pode ser dito por todos e por cada um de nós. Usando as universidades e outras instituições culturais como ponto de apoio e grande parte da comunicação social como megafone, esquerda e extrema-esquerda criaram uma Polícia de Costumes destinada a infernizar a vida de quem desalinhar do pindérico catecismo da seita. O manual dessa polícia de costumes, primitivo, mas eficaz, assenta sobre três conceitos basilares: ‘discurso de ódio’, ‘desinformação’ e ‘extrema-direita”.
1. Discurso de ódio. À semelhança daquela frase idiota e gasta de que ‘o Natal é quando uma pessoa quiser’, o discurso de ódio é aquilo que a esquerda a cada momento quiser. É a esquerda quem define os parâmetros do que é e não é discurso de ódio. No essencial, discurso de ódio traduz-se por qualquer desacordo, mesmo que timidamente manifestado, com os variados dogmas do tal catecismo da seita. E aí surge logo, das bancadas da esquerda no Parlamento ou de um dos famosos órgãos de comunicação ‘de referência’, uma patrulha da polícia de costumes para isolar o sacrílego.
2. Desinformação. Conceito que parte do princípio de que a esquerda, informa e de que a direita, desinforma. Simples, barato e rende milhões a esses novos coronéis da censura que são os fact checkers e os criadores de algoritmos. Trocaram o lápis azul pela AI, mas o objetivo é o mesmo.
3. Extrema-direita. Toda a imensa multidão que não vive no Príncipe Real ou nas Avenidas Novas e que não tem paciência para os rituais incompreensíveis da agremiação e muito menos para os seus 120 géneros, para a justiça climática, para os migrantes (também) climáticos, para o racismo estrutural para a saúde reprodutiva ou para o planeta que vai desaparecer amanhã de manhã.
Parece ridículo, tudo isto? Sim, parece, mas não é. O aparente ridículo é a mera máscara de um ataque sem precedentes à nossa liberdade, à nossa integridade e àquilo que há de essencial na nossa humanidade.
Não, não é o planeta que tem de ser descarbonizado. Ele está bem e recomenda-se. O problema não é o de carbono a mais, mas o de liberdade a menos. O problema é este caminho em declive acentuado para a servidão.
Vice-presidente da Assembleia da República