Os debates que antecedem as eleições europeias têm omitido o papel das cidades, num contexto de crise que deveria inspirar este tema. George Steiner definiu a Europa como uma identidade cultural, construída sobre uma diversidade que se sobrepõe às questões económicas e monetárias. Em A Ideia de Europa, cuja leitura devia ser obrigatória no ensino porque é um catecismo europeu, descreve-nos as cidades dos cafés, de Lisboa a Palermo e a Copenhaga, como um fio condutor que nos distancia da Rússia, dos Estados Unidos e da Inglaterra, onde não existe esse elemento agregador.
As cidades europeias têm procurado aliar-se em torno de projetos comuns, trocando experiências e construindo sinergias na descarbonização, na mitigação dos impactos das alterações climáticas, na prevenção dos riscos assimétricos, no acolhimento e integração de refugiados e migrantes, na agenda digital e na criação de novas indústrias tecnológicas e criativas. Sucede, porém, que a sua importância não é reconhecida ao nível da governança europeia.
Mas compreende-se que os governos nacionais não estejam interessados em dar protagonismo às cidades nos processos decisórios. A União Económica e Monetária retirou aos Estados-membros preciosos instrumentos de soberania. Por isso, estão renitentes em partilhar o poder que lhes resta com as cidades.
O que resulta desta soberba é a necessidade de serem as cidades a reclamar esse protagonismo, através de uma lógica hanseática. Ou seja, criando consórcios entre cidades dispostas a aliarem-se para transformar a sua proximidade às populações num instrumento de poder. Esta foi uma questão que abordei na minha tomada de posse, em 2013, e na qual o Município do Porto se mantém empenhado.
A União Europeia (UE) tem consciência do problema. Em 2017, o Parlamento Europeu (PE) encomendou um estudo que analisa o papel das cidades no quadro institucional da UE e avaliou os limites e oportunidades para as envolver diretamente na elaboração de políticas comunitárias. O estudo recomendava que o papel das cidades deveria passar de policy takers a policy makers. Ou seja, reconhece que, dada a heterogeneidade urbana e a estrutura policêntrica da Europa e a inexistência de uma base legal nos tratados europeus, é difícil imaginar uma representação formal das cidades ao nível da UE.
Ainda assim, o mesmo estudo insta o PE a desempenhar um papel crucial na promoção do debate sobre políticas urbanas, com forte envolvimento das cidades. Tudo isto para que estas deixem de ser meros alvos das políticas europeias e passem a participantes ativas na sua elaboração e na identificação de prioridades, implementando-se assim o princípio da subsidiariedade. Propõe, a propósito, que cada Estado-membro defina, em parceria com as entidades representativas das autarquias, os temas prioritários para uma agenda urbana da UE e reporte à Comissão a sua contribuição para essa mesma agenda.
Infelizmente, a Associação Nacional de Municípios Portugueses nunca contribuiu para essa agenda, dada a simetria partidária entre as suas lideranças e os Governos nacionais. Não admira, pois, que o assunto não mereça interesse ou debate entre os nossos candidatos ao PE, apesar de a muitos deles não faltar experiência autárquica. A Europa ganhará em resiliência, coesão e identidade e atenuará os seus nacionalismos se potenciar o papel das cidades, que estão cada vez mais cosmopolitas e, na sua diversidade, partilham o mesmo caldo de cultura e de abertura.