O acordo entre o Governo e os professores para a recuperação do tempo de serviço perdido no período de congelamento foi considerado «histórico» por quase toda a gente. Terá sido. Mas devolver direitos é sempre mais fácil do que retirá-los. E esta devolução representa um pesado encargo para o Estado. Entretanto, continuam a decorrer outras negociações.
Os agentes da PSP e da GNR, e os guardas prisionais, exigem que o subsídio de risco seja igual ao da PJ, o que significará outro acréscimo enorme de despesas.
E os enfermeiros não abdicam de ser equiparados a outras carreiras técnicas da Função Pública que consideram equivalentes, e falam mesmo de uma «linha vermelha».
Ainda temos o problema dos médicos, que está pendente e exigirá melhores remunerações, pois continuam a fugir para a privada.
E as condições de trabalho das forças armadas precisam de ser urgentemente revistas, o que implicará significativa subida de salários.
O rol não tem fim…
Passando das despesas para as receitas, temos a já anunciada baixa do IRS – em todos os escalões, e ainda o IRS jovem. E a prometida baixa do IRC. Por outro lado, à revelia do Governo, a oposição aprovou o fim das SCUT.
E, mais recentemente, a redução do IVA da eletricidade para mais três milhões e meio de famílias.
Em alguns destes temas, verificou-se um insólito fenómeno: o grupo parlamentar do PSD chumbou medidas que na oposição tinha proposto – e o PS propôs medidas que quando estava no Governo tinha inviabilizado.
Nunca se tinha visto tanta cambalhota política.
A mudança de opinião com a passagem do Governo para a oposição, e vice-versa, nunca tinha sido tão descarada.
Com a maior desfaçatez, Montenegro e Pedro Nuno Santos deram o dito (no passado) pelo não dito (agora).
O fim das portagens nas ex-SCUT foi o exemplo mais flagrante disso mesmo, mas o apoio socialista às reivindicações dos professores não lhe ficou atrás: do Governo para a oposição, o PS fez uma espetacular viragem de 180 graus.
Não é esta, porém, a questão que quero enfatizar hoje.Aquelas mudanças súbitas de posição desacreditam os partidos mas não comprometem o país. O grande problema a que estamos a assistir é ao fenomenal aumento das despesas e à diminuição das receitas.
E isto não prenuncia nada de bom.
O PSD, até hoje, tinha tomado conta do Governo em situação financeira difícil ou desesperada.
Recordemos as declarações de Durão Barroso quando se tornou primeiro-ministro dizendo que o país estava «de tanga».
Ou quando Pedro Passos Coelho falou de uma «dívida colossal».
Tradicionalmente, o PS era o cábula que desorganizava as finanças públicas – e o PSD era o aluno bem comportado que vinha pôr ordem na casa.
Agora, estamos perante a situação inversa: o PS deixou uma herança financeira bastante razoável – embora não tão brilhante como se pensava – e é o PSD que se prepara para atirar o país ao charco.
Diga-se que, mesmo que quisesse fazer outra coisa, não conseguiria.
Mesmo que o Governo quisesse avançar com uma ou outra medida impopular – facto improvável, pois Montenegro quer parecer um ‘bom samaritano’, para poder melhorar a votação em próximas legislativas –, Pedro Nuno Santos e André Ventura não o deixariam.
Com a composição parlamentar que temos, o aumento da despesa e a redução da receita é inevitável: o PS e o Chega aprovarão tudo o que for aumentos de ordenados ou reduções de impostos, e chumbarão tudo o que represente cortes de regalias ou aumentos de impostos.
Fazer outra coisa será impossível.
Não é preciso explicar aquilo a que conduzirá esta política. Quando se aumenta a despesa e se reduz a receita, as conclusões não são difíceis de tirar. O leitor sabe o que penso acerca da descida de impostos, sobretudo do IRC – que favorece o investimento, atrai capital (nacional ou estrangeiro) e alivia as empresas, estimulando a produção e as exportações.
Já as descidas do IRS e do IVA, espevitando a economia pelo aumento do consumo, têm o efeito perverso de fazer crescer as importações.
Mas a situação a que estamos a assistir de um aumento das despesas, muitas delas fixas, que se tornarão permanentes, e de uma redução simultânea das receitas, parece-me o caminho certo para o descalabro.
Por muito que a economia crescesse – e não vai crescer assim tanto – nunca compensaria o desvario a que estamos a assistir.