Catorze vitórias em dezassete finais da Taça/Liga dos Campeões – um currículo de apavorar rinocerontes para o Real Madrid o Monstro Branco que domina a prova desde os cinco título iniciais que marcaram a primeira fase da sua existência. Não deixa de ser curioso, no entanto, que dessas dezassete finais madrilenas, apenas duas tenham sido disputadas contra equipas alemãs, a de 1960 frente ao Eintracht Frankfurt (7-3) e a de 2002 face ao Bayer Leverkusen (2-1). Eis-nos, portanto, na terceira. E o favoritismo dos espanhóis é tão grande que, para os rapazes do Borussia, parece feito à medida da canção da Maria Bethânia: «Sonhar mais um sonho impossível/Lutar quando é fácil ceder/Vencer o inimigo invencível/Negar quando a regra é vender».
Vendo bem, quando as equipas subirem ao relvado de Wembley, às 21 horas do próximo sábado, dia 1 de Junho, quantos não são aqueles que apostarão, singelo contra dobrado, como nos velhos livros do Texas Jack, na vitória merengue. Ah! Uma enormidade, por certo! Restarão, irredutíveis, alguns milhares de adeptos alemães que acreditam no sonho impossível, e conhecendo nós como conhecemos a idiossincrasia espanhola muitos daqueles que, com puro ódio, continuam a suportar Castela como o centro da Península mas devotam a Madrid uma animosidade que ultrapassa, até, as fronteiras do país. Ao escrever isto faz-me recordar um dia, que numa barra de um restaurante de tapas espanhol, assisti como o meu companheiro do lado vibrava intensamente com uma goleada com que um Barcelona de antanho humilhava o Real em pleno Santiago Bernabéu. Às tantas, atrevi-me a perguntar-lhe se era assim tão fanático pelo Barça como os gritos que urrava vindos de uma garganta já rouca. Ao que ele respondeu: «Eu quero é que o Barcelona se lixe. Sou de Gijón. Estou feliz é por ver os franquistas do Real serem espancados». Pois, estão a ver, era aí que eu queria chegar.
Matar o monstro
Aceitemos sem rebuço que a Taça/Liga dos Campeões é um quintal branco onde o Real Madrid retouça à sua vontade. Depois de uma década pobre, a de 1970, seguida de outra ainda mais pobre, a de 1980, na qual apenas por uma vez atingiu a final, perdendo emParis frente ao Liverpool (0-1), uma nova onda de contratações milionárias, empurrada pelo aparecimento da Lei Bosman que permitiu aos clubes ricos comprarem todos os jogadores estrangeiros que lhes desse na gana (aqui bem a propósito real gana), devolveu os merengues ao topo do futebol europeu e ao domínio de uma competição que parece ter sido feita à sua imagem.
Vai ser preciso um Borussia de Dortmund superior a tudo o que conseguiu fazer esta época para contrariar a conquista da décima quinta. E, se tivermos fresco na memória o episódio vergonhoso da meia-final que serviu ao Real para eliminar o Bayern de Munique, demonstrando à saciedade que o seu domínio se estende para fora das quatro linhas, exigir-se-ão nervos de aço a uma equipa que vai entrar em Wembley já com o rótulo de vencida colado nas costas das suas camisolas amarelas. Por outro lado, se há povo que tem uma capacidade especial para resistir às contingências que o tentam diminuir e é de uma resistência a toda a prova, esse é certamente o alemão. A História está aí para nos ensinar que nunca se pode dar um alemão por vencido. O jogo de Madrid, entre Real e Bayern, também foi prova disso e só a atitude destemperada e muito suspeita de um árbitro polaco chamado Szymon Marciniak, que felizmente abandonou o futebol internacional, conseguiu derrotar uns bávaros que lutaram até esgotarem todas as pingas de sangue por um lugar na final.
Venceu o Real, monotonamente vai vencendo sempre o Real, às vezes justamente, às vezes com umas ajudas externas, mas sempre vencendo, sempre somando mais e mais Taças dos Campeões, de tal ordem que nos faz pensar quantas terão daqui a vinte anos, muitas mais do que muitos clubes grandes têm títulos nacionais. É difícil não pensar que este jogo de Wembley não passe de mais uma festa madrilena com direito a banho na fonte de Cibeles. Por isso, resta a questão: será este Borussia de Dortmund, apenas quinto classificado da Bundesliga, capaz de contrariar tudo o que está contra si? Há a tentação de responder não de imediato. Ainda por cima quando ainda há uma semana e pouco vimos o campeão invicto dessa mesma Bundesliga, o Bayer Leverkusen, equipa mais surpreendente da Europa desta época, dona de um futebol maravilhosamente ofensivo, ser completamente atropelada pela Atalanta na final da Liga Europa (0-3).
Tanto em termos de clubes como de seleção, a competitividade do futebol alemão tem sido posta em causa nos anos mais recentes. Nota-se uma certa estagnação, ainda que tenham surgido duas equipas germânicas nas duas principais finais europeias de clubes. Uma foi dizimada, a outra apresentar-se-á no sábado como bandeira de um orgulho ferido e com a vontade suprema de matar o Monstro Branco. Chegará? Duvido, como duvidarão quase todos. Mas se algo o futebol costuma mostrar-nos é que é possível sonhar sonhos impossíveis.