De vez em quando inventam-se umas palavras ou expressões que, subitamente, toda a gente começa a usar. É um típico fenómeno de imitação. Uma delas foi ‘narrativa’. José Sócrates empregou-a numa entrevista – e de um dia para o outro jornalistas e comentadores passaram a usá-la com inusitada frequência. Outra é ‘discurso de ódio’. A expressão não é portuguesa, é inglesa – hate speech – mas todos agora a empregam a propósito e a despropósito.
Foi criada com o objetivo de definir – e condenar – as incitações à violência por questões de raça, sexo, religião, orientação sexual, etc. Mas de repente generalizou-se. Tudo agora é discurso de ódio. Qualquer dia, dizer que um homem é um homem e uma mulher é uma mulher é discurso de ódio – pois está a sugerir-se uma discriminação por questões de sexo.
Estamos no reino do absurdo.
E tenho vergonha, confesso, de ouvir jornalistas, classe com quem trabalhei durante tantos anos, e comentadores, grupo a que pertenço, embarcarem neste delírio coletivo por ignorância, cinismo, má-fé ou simples cobardia.
Vem isto a propósito, como os leitores já perceberam, do episódio ocorrido na AR em que um aparte de André Ventura sobre os turcos provocou uma tempestade. Os turcos nunca pensaram ser tão importantes para os deputados portugueses…
Já falei do assunto há oito dias, mas é necessário voltar a ele.
A sociedade ocidental enferma neste momento de um grave equívoco que importa esclarecer: dizer que os homens são ‘todos iguais em direitos’ não é o mesmo que dizer que todos os homens ‘são iguais’.
Dizer que os homens e as mulheres devem ter ‘iguais direitos’ não é o mesmo que dizer que os homens e as mulheres ‘são iguais’.
Este é o grande equívoco, repito, da sociedade contemporânea – no Ocidente, bem entendido. E contém enormes perigos, como vamos ver.
A propósito da frase de André Ventura, mesmo gente isenta classificou-a como «um disparate», «um desvario», «uma palermice», «uma alarvidade», etc.
Ora, a menos que essas pessoas sejam quadradas, é difícil pensarem assim. Dizem-no porque ouviram dizer. Na verdade, afirmar que os turcos não são as pessoas mais trabalhadoras do mundo não é parvoíce nenhuma – é uma evidência.
E porquê?
Porque, se o fossem, seriam mais ricos do que são.
O nível de desenvolvimento de um povo é o espelho da forma como trabalha. Do modo como organiza o trabalho, o planeia e o executa.
O desenvolvimento de um povo não tem que ver com as suas riquezas naturais – tem que ver com o capital humano.
Basta olhar para Israel. Onde antes os povos que lá viviam não tinham construído nada, e aquilo era um deserto, hoje é um dos países mais ricos e poderosos do mundo.
Haverá melhor exemplo do que este?
E quando olhamos para o planeta, observamos outra evidência: quando caminhamos de Norte para Sul, vamos tendo países progressivamente menos desenvolvidos.
Na Europa, os países do Norte são mais ricos do que os do Sul; e os do Sul da Europa são mais desenvolvidos do que os do Norte de África; e estes mais desenvolvidos do que os subsaarianos.
Isto não é uma opinião, é uma constatação.
E na América passa-se o mesmo: o Norte do continente americano – o Canadá e os EUA – é mais desenvolvido do que o Sul – Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Argentina…
Inversamente, nos mesmos paralelos há uma certa uniformidade entre os países ou as regiões. Portugal não é muito diferente do Sul de Espanha, este não é muito diferente do Sul de Itália, e o Sul de Itália não difere muito da Grécia.
Daqui resulta com absoluta evidência que os povos não são todos iguais. São muito parecidos na mesma latitude, mas muito diferentes em latitudes diferentes.
Ora isto remete-nos para a questão inicial: é perigoso dizer que os povos são todos iguais porque, quando se constata que são diferentes, isso legitima que se tratem de forma diferente. Ao verificarmos que nós e os alemães somos diferentes, isso justificaria um tratamento diferenciado. E aí é que está o nó da questão: nós e os alemães devemos ser tratados do mesmo modo, não por sermos iguais, mas por sermos todos seres humanos. Somos diferentes deles mas somos iguais em direitos.
Portanto, a frase de André Ventura não foi nenhuma parvoíce. É legítimo dizer que um povo é mais trabalhador do que outro (antigamente dizia-se ‘mais laborioso’ e ninguém se ofendia).
Parvo não é André Ventura. Parvos são aqueles que, por cegueira ideológica, por via do politicamente correto, ou simplesmente por repetirem acriticamente o que outros dizem, não veem o óbvio. Não veem as diferenças entre os povos – que são uma riqueza do Globo em diversidade mas também explicam a riqueza e a pobreza das nações.
E, já agora, o ‘discurso de ódio’ não terá vindo mais do lado dos que atacaram Ventura do que dele próprio?