O fator Draghi

A candidatura de Mario Draghi foi o principal motivo para a mais recente visita de Macron a Berlim. Scholz não vê com maus olhos alguém que desafie Von der Leyen.

A dois dias das eleições europeias há ainda bastante em aberto, tanto na constituição do Parlamento Europeu quanto nos altos cargos europeus, cujas nomeações estão diretamente dependentes dos resultados do escrutínio de domingo.

Ursula Von der Leyen, do Partido Popular Europeu (PPE) parte na pole position para liderar, novamente, a Comissão Europeia, com o PPE a apresentar o melhor resultado nas mais recentes sondagens e ainda com movimentações nos corredores a decorrer, principalmente com a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni.

A estratégia de Macron

Mas existe um fator, de incontornável importância, a ter em conta: Mario Draghi. O ex-presidente do Banco Central Europeu e ex-primeiro ministro italiano, que tem como grande vantagem a sua independência política, tem sido apontado para a presidência da Comissão Europeia, com o Presidente francês, Emmanuel Macron, a reunir esforços no apoio a esta solução alternativa a von der Leyen.

O Presidente francês tem sido a figura que mais tem alimentado a possibilidade de Draghi chegar a um dos principais cargos europeus. Isto porque, e para além de estarem alinhados em vários temas importantes como a guerra na Ucrânia e o aumento do investimento da União Europeia – o qual Draghi refere de forma enfática no seu relatório sobre a competitividade da UE, com a proposta de injeção de 500 mil milhões anuais para fomentar as transições verde e digital –, Macron procura um candidato que possa enfrentar realmente Ua atual presidente da Comissão, com a qual não tem interesse em continuar a trabalhar.

A candidatura do ex-presidente do Banco Central Europeu para a Comissão foi, aliás, o principal motivo da recente viagem de Macron a Berlim, onde procurou o apoio do chanceler alemão, Olaf Scholz, que vê o seu partido enfraquecido nas sondagens – onde a CDU, partido de Von der Leyen, lidera com larga margem – e que não se importaria com uma forte alternativa à atual presidente da Comissão Europeia, mesmo que seja difícil que o admita publicamente, por se tratar de uma cidadã alemã.

O impacto de Draghi

Sendo que a presidência Comissão Europeia parece algo complexa, ainda que possível, Mario Draghi poderá ter hipótese de chegar a presidente do Conselho Europeu, situação que poderia incomodar algumas fações, principalmente a socialista.

Isto porque qualquer um dos três principais cargos da União Europeia – presidente do Conselho, presidente da Comissão e Alto Representante para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança – são reivindicados pelas três maiores forças políticas. Neste último mandato, o PPE ficou com a presidente da Comissão, o Renew com o presidente do Conselho e o S&D com o Alto Representante.

Na eventualidade de Draghi arrebatar qualquer um destes cargos, alguém teria de ser sacrificado.

Com a queda significativa que se prevê para o Renew e com a grande subida dos Conservadores e Reformistas – partido que integrará agora o Fidesz de Viktor Orban – e do Identidade e Democracia, os liberais poderão não ter direito aos cargos e, por isso, a solução Draghi tem mais impacto no PPE e nos socialistas.

Caso Draghi assuma a Comissão, o PPE – que deverá confirmar-se como família política mais votada – reivindicará a presidência do Conselho Europeu, o que deixará cair por terra as possíveis pretensões do ex-primeiro-ministro português, António Costa. Se o destino de Draghi passar pelo Conselho, António Costa – um dos preferidos dos socialistas europeus – será afetado diretamente.

É, por isso, seguro dizer que as previsões não lhe são favoráveis com esta conjuntura.

A encruzilhada de Meloni

A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, tem sido uma das figuras principais da política europeia, com a sua posição a ser decisiva tanto para Von der Leyen quanto para Marine Le Pen que controla o grupo Identidade e Democracia, assunto que foi já abordado de forma mais aprofundada na última edição do Nascer do SOL.

Mas é também importante destacar que a presidente da Comissão tem exercido uma pressão contínua sobre Meloni respetivamente à atribuição de cerca de 170 mil milhões de euros – quantia à qual a Itália tem direito – referentes ao Mecanismo de Resolução e Resiliência.

O Governo italiano debate-se com problemas de execução dos fundos, e Von der Leyen envia trimestralmente – através de Draghi, por sinal – exigências a Meloni, que pode correr o risco de não receber a ‘bazuca’.

E, entrando assim a variável Draghi na equação para a presidência da Comissão Europeia, Meloni poderá preferi-lo em detrimento da presidente incumbente, uma vez que contar com um presidente do mesmo país pode desembaraçar casos como o que foi anteriormente mencionado.

A outra questão delicada para a líder do Fratelli d´Itália é a possível aliança com o Identidade e Democracia – uma vez excluídos os alemães do AfD –, porque, se não o fizer, perde a oportunidade de formar o segundo maior grupo europeu e o próprio ECR poderá colocá-la à margem.

A não realização desta fusão poderá ser também prejudicial para Le Pen, que abdicou de um valor importante de assentos do AfD como condição para negociar com os Conservadores e Reformistas, e voltar atrás na decisão debilitaria a sua credibilidade num momento delicado, podendo até afetar a sua corrida à presidência francesa em 2027.

Assim, as eleições europeias de domingo serão fundamentais para se apurar o tabuleiro parlamentar, cujas negociações prometem ser animadas e decisivas também para a escolha dos altos cargos da União Europeia, onde se prevê que os socialistas e os liberais sairão prejudicados.

goncalo.nabeiro@nascerdosol.pt