A história de Manuel Reis é sobejamente conhecida da maioria do público que conhece a noite, e não só, de Lisboa. Foi ele que revolucionou o Bairro Alto a partir da década de 80 com a abertura do bar Frágil, o restaurante Pap’Açorda ou a loja da Atalaia. Porém, a menina dos olhos do empresário, dizem os mais próximos, foi a discoteca Lux Frágil, que inaugurou em 1998, aquando da Expo-98. Mas o que muitos não sabem é que Manuel Reis deixou um testamento onde atribuiu a um coletivo de funcionários a sua participação de 58%, os restantes quarenta e dois ainda estão nas mãos de Fernando Fernandes (38,40% e do ator John Malkovich (3,60%). No seu testamento, de 15 de fevereiro de 2018 – 38 dias antes de morrer – Manuel Reis quis certificar-se que a sua obra prima não seria desbaratada se os legatários tivessem participações semelhantes, tendo optado por concentrar 51,99% em Lúcia Azevedo e os restantes 6,01% noutros funcionários, nomeadamente em Rui Vargas, Pedro Fradique, Paulo Bento, todos com 1,5%, Cristiano Câmara e Fernando Castanheira, vulgo DJ Dexter, com 0,75%.
Manuel Reis antes de chegar à percentagem de cada um, explicou, a 15 de fevereiro de 2018, as suas razões – segundos herdeiros contaram ao Nascer do SOL -, defendendo que o modelo societário vigente na Cais do Trigo, Lda, refletia o desejo fundador dos sócios de concentrar numa pessoa as funções de gerência, facto que desde o início societário tinha recaído exclusivamente em Manuel Reis. O empresário receava que, por exemplo, uma distribuição igualitária da sua participação social colocaria em sério risco de ser nomeado, por maioria, um novo e aleatório gerente, isto por força da soma dos atuais sócios minoritários suportados por um ou mais dos seus putativos legatários. Manuel Reis foi mais longe, segundo alguns herdeiros, explicando que na sociedade escolhida por si, se poderá continuar a concentrar, como era o seu desejo, o poder de manter o modelo de gestão e a filosofia deste projeto seguidos nos últimos 20 anos, sem subjugação a eventuais diferentes vontades dos sócios que representam, em cada momento, o capital social.
Preocupações com o futuro
Pelo que dizem os herdeiros, Manuel Reis queria a todo o custo preservar o seu legado, tendo deixado escrito que criou condições para a manutenção do projeto, tal como foi idealizado e construído por si, criando as bases para a partilha do mesmo. Reis pedia a todos ainda que a sua vontade fosse cumprida, trabalhando em conjunto por forma a formarem um forte coletivo. Pensando no melhor para o grupo, entendeu que Lúcia Azevedo, pelo menos numa fase inicial, era a pessoa certa para assumir a gerência da sociedade.
E foi este denominado coletivo, de seis funcionários, que recebeu uma proposta da NewCo, que tem como acionistas (direta ou indiretamente), entre outros, o francês Harold Levillair e o Fundo Bluecrow Development Fund I, Fundo de Capital de Risco Fechado (através do seu compartimento Subfundo B – Portuguese Entertainment Fund), gerido pela Bluecrow – Sociedade de Capital de Risco, S.A. A NewCo apresentou a proposta de sete milhões. O problema, segundo alguns, é que Manuel Reis deixou explícito no seu testamento que não queria que se vendesse o Lux, sendo que alguns dos elementos do coletivo ainda não decidiram se vendem ou não. Ao Nascer do SOL, há quem diga que «é a maior traição que se pode fazer ao seu legado. Os compradores têm alguns negócios em Portugal, mas não têm nada a ver com a filosofia do Lux. O sonho do Manel desaparece se vendermos», dizem.
Lúcia Azevedo, que tem os 51,99%, terá assumido internamente que quer vender, pois dedicou parte da sua vida ao projeto e está cansada de não ser ajudada, nas suas palavras, e que não teria pensado em vender se tivesse tido ajuda dos outros. No entanto, quando questionada pelo nosso jornal, Lúcia Azevedo, por mensagens de WhatsApp, começou por dizer que era melhor guardar a notícia na gaveta, pois «o Lux não foi vendido, mas, pelos vistos, o desejo é muito já que falam tanto nisso». Quando confrontada com a existência do contrato de compra e venda a que o nossos jornal teve acesso, Lúcia respondeu: «Se existe não foi assinado. Estou a dizer que não há contrato nem venda. Sabe quantas vezes recebemos propostas ao longo destes anos todos?», repetindo que «não há nem contrato nem venda».
Vontades opostas
O contrato promessa de compra e venda da participação social correspondente a 100% do capital social da Cais do Trigo – animação cultural e atividades turísticas, Lda, foi ‘trabalhado’ por um escritório de advogados, a 19 de março deste ano, tendo sido entregue quatro dias depois ao coletivo, ou herdeiros, como se queira chamar, e ainda a Fernando Fernandes e, supostamente, ao ator John Malkovich – residente em Main Street, Westport, Connecticut, Estados Unidos da América. Nesse contrato, a que o Nascer do SOL teve acesso, pode ler-se que A Cais do Trigo, Lda (CDT) «tem a concessão e explora, em regime de exclusividade, até 30 de junho de 2034, um terrapleno com armazém situado num lote de terreno do domínio público situado na Av. Infante D. Henrique, armazém A, Santa Apolónia». Diz ainda que «a parcela de domínio publico onde se insere o Imóvel destina-se à edificação e exploração de um conjunto hoteleiro, composto de escritórios, bar, esplanada, sala de espetáculos, sala de exposições e discoteca, sendo atualmente o Imóvel utilizado pela CDT para o funcionamento do estabelecimento denominado Lux Frágil».
Este contrato de promessa de compra e venda , segundo o nosso jornal apurou, e como já foi dito, dividiu os herdeiros. Lúcia Azevedo terá dito, e escrito, segundo o coletivo, que no grupo há quem queira vender mais rapidamente do que ela, já que existe dois que estarão na mesma disposição, havendo, contudo, uma nega confirmada. Na troca de correspondência, que circulou entre os seis, bem como com Fernando Fernandes, segundo garantiram ao SOL, Lúcia Azevedo terá afirmado que Fernando Fernandes e John Malkovich venderão as suas participações, independentemente do que façam os pequenos acionistas do coletivo, além dela própria. Ainda segundo as mesmas fontes, Lúcia terá garantido uma indemnização a todos os sócios trabalhadores de acordo com a antiguidade. A sócia maioritária alertou ainda os membros do coletivo que não queiram vender que podem ser ‘engolidos’ por um suposto aumento de capital. Para apimentar a história, será normal que, em caso de venda, alguns dos membros do coletivo tentem que Lúcia Azevedo divida os cerca de 52% que Manuel Reis lhe deixou. E mais convictos ficaram, segundo fontes do coletivo, com a carta que o advogado de Manuel Reis, e que foi o fiel depositário do testamento, escreveu na qualidade de amigo aos seis, mais Fernando Fernandes. Nessa missiva, o causídico recorda os seis anos sem Manuel Reis, lembrando que o empresário queria que o projeto se mantivesse vivo tal como ele o construiu, com a ajuda dos seis, tendo dado temporariamente mais de 50% a Lúcia Azevedo, e apelava a que não destruíssem o Lux. O advogado terá dito ainda que o Manel colocou o Lux à frente de tudo, dando a entender que não merece essa traição e que compete ao coletivo prosseguir com o projeto. Logo se verá como acabará esta música.