Os portugueses não gostam de regras, diz-se. A fazer fé nas reações dos partidos (com a digna exceção da IL) às regras de governação económica da UE, em particular as regras orçamentais e as respeitantes à política monetária, deve ser verdade. Caminhando da direita para a esquerda, o embaraço com as regras dá lugar à oposição feroz. Para a esquerda elas são um dictat do capitalismo internacional; para o centro-direita, uma recordatória dos anos da troika; para a direita nacionalista um atentado à ‘Europa de nações’.
Quando o jornalista Carlos Daniel, no único debate televisivo entre todos os cabeças de lista, perguntou se doravante, de acordo com as novas orçamentais da UE, os governos teriam de pedir autorização a Bruxelas para contratar mais professores ninguém respondeu – por ignorância ou conveniência. A esquerda limitou-se a aplaudir a pergunta com um exemplo do jugo dos ‘ricos’; mais à direita o embaraço foi ensurdecedor.
Será que a EU precisa de regras? A necessidade de regras para os défices e dívida colocou-se logo no Tratado de Maastricht. A resposta de então, ainda válida, é que, sem elas, existiria a possibilidade de estados ‘incontinentes’ beneficiarem no seu acesso aos mercados dos prémios da credibilidade granjeada pelos ‘frugais’, gerando incentivos perversos para o seu sobre-endividamento. O ponto crítico é o do equilíbrio entre a flexibilidade – para acomodar situações específicas de um membro – e o seu rigor/credibilidade – pois, caso contrário são como se não existissem. As novas regras, recentemente aprovadas, reforçam a flexibilidade sem comprometer o rigor (patente na manutenção dos valores de referência de 60% e 3% do PIB para a dívida e o défice, respetivamente). A flexibilidade acrescida resulta da possibilidade da extensão de 4 para 7 anos do período de convergência para os valores de referência, (tendo em conta, por exemplo, a realização de investimentos públicos ou de reformas estruturais que aumentem o produto potencial), e da escolha da despesa primária líquida como indicador do planeamento fiscal de médio prazo. Este último é um aspeto muito importante e, talvez, incompreendido. A despesa primária líquida combina os elementos da política orçamental que os governos podem controlar: despesas líquidas de receitas discricionárias (como privatizações ou vendas de licenças 5G) e excluindo despesas com juros (cerca de 2% do PIB), bem como despesas com desemprego cíclico. As receitas fiscais podem flutuar de acordo com o ciclo económico e, deste modo, elimina-se a perversidade pró cíclica das anteriores regras que usavam o saldo orçamental como indicador operacional. As novas regras não são perfeitas, mas são claramente melhores do que aquelas que vigoravam antes da pandemia.
E a pergunta de Carlos Daniel? Para contratar professores é preciso pedir autorização a Bruxelas? A resposta é não, pois o que interessa controlar é o nível da despesa e não a sua composição, isto é, quando gastamos em A+B e quanto gastamos em A ou B. Contudo, uma vez acordada uma trajetória de ajustamento a médio prazo para a despesa primária não podemos desviarmo-nos dela (sem force majeure) aumentando ao mesmo tempo professores, polícias, bombeiros, juízes, médicos e gastando mais uns pós aqui e ali, sem cortes compensatórios em nenhum sítio. E, agora, já não existe a almofada de aumentos brutais de impostos para financiar aumentos de despesa sem comprometer a convergência. Tudo isto está bem e é bom!
Sem regras imperaria a discrição – ou seja, a decisão de acordo com o momento – e a discrição significa sempre o arbítrio dos mais fortes. As regras de governação económica da EU protegem os estados-membros mais pequenos e frágeis.