Na semana passada, o humorista Ricardo Araújo Pereira foi entrevistado pelo Observador. E como se trata de um jornal reacionário e fascista, a primeira pergunta foi: «Porque é que não convida o Chega para o Isto é Gozar com Quem Trabalha?» Pereira respondeu: «[…] porque não quero. E isso, reparem, faz parte do mundo em que a gente vive. Quem apresenta programas de entretenimento, quem os concebe, tem o direito de escolher quem é que convida. A liberdade é isso: é eu convidar quem me apetece e não convidar quem não me apetece.»
A resposta é irrepreensível porque Ventura faz afirmações de gosto duvidoso sobre minorias étnicas, semelhantes àquele senhor que chamou lentos aos asiáticos ou aqueloutro cavalheiro que apelidou de escurinho um funcionário da troika. Esses, claro, jamais irão ao seu programa.
Além disso, no seguimento da sua defesa dos valores da liberdade, Pereira também nunca convidou dirigentes de partidos que apoiam ditaduras, como o PCP e o BE. Pereira sabe que em Cuba, na Coreia do Norte e noutros regimes comunistas não há eleições livres, a oposição é presa ou morta, e os seus colegas humoristas sofrem o mesmo destino. Pereira sabe que, comparado com a xenofobia do Chega, a violação dos direitos humanos em regimes totalitários é algo muito mais grave e, por isso, nunca toleraria que essas pessoas fossem ao seu programa. No mundo em que a gente vive, estão neste momento a ser torturados opositores políticos nos regimes comunistas apoiados pelo PCP e pelo BE, e Pereira usa a sua liberdade para não convidar tais dirigentes.
Reparem, é uma lição de ética democrática para quem branqueia semelhantes atrocidades.
Obviamente, Pereira jamais participaria na Festa do Avante! porque sabe que a União Europeia equiparou em 2019 o comunismo ao nazismo; sabe que na Coreia do Norte já poderão ter morrido de fome mais de 3 milhões de pessoas e que os camponeses escondem os filhos para não serem comidos. Com este canibalismo, Pereira podia até fazer uma das suas piadas: é falso que os comunistas comam criancinhas, forçam é o povo a comê-las. Mas Pereira não brinca com coisas sérias e recusa a Festa do Avante!, tal como recusaria uma festa onde houvesse uma barraquinha com nazis travestidos de democratas.
O gato do outro pode estar vivo e morto ao mesmo tempo, mas Pereira não pactua com a Física Quântica. Não se pode defender a democracia e a ditadura ao mesmo tempo.
Num país onde a classe jornalística considera que há ditaduras boas, presos políticos aceitáveis, genocídios moderados e uma data de violações dos direitos humanos que, na verdade, são outra coisa, uma chatice que os liberais e os fascistas inventam para incomodar as boas consciências que querem salvar a humanidade dos horrores dos países capitalistas, é importante haver um baluarte da integridade moral e democrática como Ricardo Araújo Pereira para os envergonhar.