O experiente treinador italiano Arrigo Sacchi disse que «o futebol é a coisa mais importante de entre as coisas menos importantes», mas é também paixão e emoção acima da razão. Os adeptos transformam-se quando estão num estádio, criam ambientes fantásticos e nascem laços de amizade entre pessoas que partilham o mesmo ideal. Quase todos os clubes possuem uma ou mais claques, que não são mais do que um grupo de pessoas dispostas a apoiar os seus jogadores com cânticos, bandeiras, instrumentos musicais e cartazes com mensagens, não faltando sequer o uso de pirotecnia e serpentinas.
As claques diferem umas das outras pelo vínculo que têm com o clube que apoiam. Existem grupos de adeptos que não têm qualquer vínculo oficial e que, por isso, não são reconhecidos pelos clubes. Esses grupos acabam, no entanto, por ter a mesma importância na hora de apoiar a equipa. Todos eles têm em comum uma paixão desmedida pelo clube e apoiam incondicionalmente nos momentos de maior e menor intensidade do jogo. É aqui que reside a sua importância, pois funcionam como mola impulsionadora para a restante massa adepta, sobretudo nos momentos mais difíceis. Essa envolvência cria uma energia positiva e serve de incentivo para os atletas, não é por acaso que são chamadas de 12.º jogador. Uma relação positiva com o plantel ajuda a manter os jogadores motivados e focados em dar o máximo e conseguir mais sucessos desportivos. A presença das claques serve também para intimidar e perturbar o adversário e, nesse sentido, pode ajudar a decidir um jogo que está complicado. É um facto que ninguém fica indiferente à presença de uma boa claque.
Mas nem tudo é positivo quando há uma identificação excessiva com o clube ou quando se utiliza o futebol como forma de combater as frustrações do dia a dia. Os nervos, a emoção e as reações desproporcionadas podem causar transtornos físicos, tais como ansiedade, falta de sono e quebra de rendimento no trabalho.
A presença das claques nos recintos desportivos também tem desvantagens. O conflito entre adeptos de equipas adversárias é o aspeto mais preocupante. Essa rivalidade tem originado violentos confrontos dentro e fora dos recintos e danos em instalações, e quem sai penalizado são os clubes que são obrigados a pagar avultadas multas e, em caso extremo, ficam impedidos de jogar em casa. Importa dizer que muitas vezes essa violência tem origem nos chamados casuals, que nada têm a ver com o amor ao clube. Esses grupos de jovens não têm (aparentemente) ligações às claques oficiais, seguem um comportamento violento próximo do hooliganismo, usam roupa preta (camisolas de capuz, bermudas e bonés) e ténis de marca, não têm adereços dos clubes, marcam encontros nas redes sociais e viajam em carros próprios, pelo que são difíceis de controlar.
Os repetidos casos de violência no futebol português são motivo mais do que suficiente para que muitos pais impeçam os seus filhos de assistir a jogos ao vivo, pois não querem incutir neles os comportamentos inaceitáveis e condenáveis que acontecem nos estádios. Depois, a tensão existente antes e depois dos jogos leva os adeptos mais extremistas a vaiar e insultar os adversários e a equipa de arbitragem, num comportamento primário. O ambiente de hostilidade criado à volta do campo tem por objetivo levar os jogadores e árbitro a tomarem decisões menos corretas que favoreçam a sua equipa.
O Sporting foi o primeiro clube a ter uma claque, a Juventude Leonina, em 1976. Seis anos depois apareceram os Diabos Vermelhos afetos ao Benfica e, em 1986, surgiram os Super Dragões no Futebol Clube do Porto. Essas claques eram constituídas por jovens com muita carolice à mistura. As direções sempre ajudaram as claques através da cedência ou venda mais barata de bilhetes, ajudas a nível logístico e nos materiais para fazer a festa no estádio. Seguindo o (mau) exemplo de outros países, as claques passaram a ser um problema de segurança devido a repetidos atos de violência e vandalismo. O Estado português decidiu intervir e exigiu responsabilidades aos organizadores de espetáculos desportivos e o controlo das claques, através do oficial de ligação entre o clube e os grupos de adeptos. Além disso, as claques têm obrigatoriamente de ser reconhecidas pelos respetivos clubes e devem estar legalizadas como GOA (Grupos Organizados de Adeptos), coisa que nem todas fazem – a lei não é igual para todos.
Ultras vs hooligans
Os termos hooligans e ultras fazem parte da linguagem do futebol e têm conotações diferentes dependendo do contexto e da cultura de cada país. Historicamente, o fenómeno do hooliganismo nasceu em Inglaterra na década de 1960 e foi considerado de “doença inglesa” muito antes de se tornar um problema para outros países da Europa. Os ultras é um fenómeno que tomou forma em Itália nos anos 60 e alastrou por todo o mundo nas décadas seguintes. Os hooligans são conhecidos por terem um comportamento agressivo e desordeiro dentro e fora dos estádios de futebol. Não têm necessariamente paixão pelo clube e estão mais interessados em lutar com os adeptos rivais e com as autoridades e em provocarem distúrbios por onde passam, quase sempre sob a influência do álcool e/ou drogas. Alguns estão igualmente ligados ao crime organizado. A maior tragédia de violência dos hooligans aconteceu no Estádio do Heysel, na Bélgica, na final da Taça dos Campeões Europeus em 1985 entre o Liverpool e a Juventus. Os hooligans foram responsabilizados pela violência que causou 38 mortos e centenas de feridos. Em consequência disso, as equipas britânicas foram proibidas de competir em provas da UEFA durante cinco anos.
Os ultras são associações bem organizadas, que apoiam um clube de forma fanática e criam uma atmosfera vibrante antes e durante o jogo. São bastante exuberantes nas suas manifestações, têm cânticos específicos e criam coreografias espetaculares. Por norma, não usam a violência nem o vandalismo, mas já houve situações em que os casuals se infiltraram nos ultras e tiveram comportamentos violentos. Os ultras têm forte apego a ideologias extremistas e aproveitam o futebol para passar mensagens políticas, étnicas e religiosas que podem ter impacto na sociedade. Em Itália, a claque da Lazio “Irriducibili” é de extrema-direita, tem como referência o ditador Benito Mussolini e os seus elementos fazem a saudação nazi.
Os melhores do mundo
O que faz uma claque ser grande é o número de adeptos e a presença vibrante que intimida os adversários. Tudo isso contribui para um ambiente e emoção à volta do jogo inacreditáveis. Em Anfield Road vive-se um dos melhores ambientes do mundo. A claque do Liverpool The Kop é conhecida mundialmente pela sua lealdade ao clube e cânticos únicos como o You´ll Never Walk Alone cantado com muita emoção pelos adeptos dos reds. Os Ultra Sur do Real Madrid criam um ambiente verdadeiramente impressionante no Santiago Bernabéu. Um dos clubes mais bem-sucedidos a nível mundial em termos desportivos e financeiros é também dos melhores no que diz respeito aos adeptos. Essa paixão disparou a nível mundial com a geração galáctica e com nomes como Zidane, Ronaldo, Figo e Beckham. Ainda em Espanha, destaque para os Boixos Nois do Barcelona, um dedicado grupo de adeptos que cresceu em todo o mundo com a presença de jogadores lendários como Johan Cruyff, Messi e Xavi e com o famoso estilo de jogo tiki-taka, baseado na posse de bola e habilidade técnica. Outro exemplo vem do Borussia Dortmund e da famosa “muralha amarela” com 20.000 ultras a assistir de pé aos jogos e a criar fantásticas coreografias de apoio à equipa. É considerada a maior e a mais temida curva da Europa. É um espetáculo dentro do espetáculo que é o futebol.
O futebol da América do Sul é vivido com grande intensidade e paixão, não admira que os principais clubes tenham fervorosos adeptos. O Flamengo começou como um clube de regatas no Brasil e tornou-se num dos mais populares em todo o mundo. A Torcida Urubuzada é dos grupos mais espetaculares e ruidosos dentro dos estádios e as recentes conquistas na Taça Libertadores e no campeonato brasileiro aumentaram esse efeito. Na vizinha Argentina é a La Doce, a claque do Boca Juniors, que faz a festa. É conhecida a sua paixão pelo clube mais popular do país e a feroz rivalidade com o River Plate.