As eleições europeias revelaram essencialmente uma coisa: os portugueses estão desiludidos. A abstenção mostrou-o – e os resultados nas urnas ainda mais. A direita perdeu muitos votos, e a esquerda não ganhou nada com isso. A perplexidade é geral. Já falei na semana passada na queda do Chega; mas o PSD e o CDS também foram penalizados. Apesar de o Governo se ter fartado de distribuir benesses desde que foi empossado, a AD perdeu as eleições.
Viu-se que não é esse o caminho.
Montenegro já devia saber que não vale a pena dar tudo a todos – e que isso só contribui para aumentar o défice (e conduzir no limite a novo resgate).
O grande problema do Governo tem sido outro: a ingovernabilidade.
A suposta maioria de direita (AD+Chega+IL) que ganhou as eleições legislativas não conseguiu oferecer ao país um Governo estável – e é essa a raiz profunda da desilusão.
Os dois maiores partidos da direita, PSD e Chega, foram incapazes de se entender. Os eleitores que votaram na direita, pensando que contribuíam para uma alternativa sólida ao PS, sentiram-se enganados.
Muitos ex-eleitores do PSD que votaram no Chega com o objetivo de ‘puxarem’ o futuro Executivo mais para a direita, constataram que esse voto só contribuiu para bloquear o sistema.
O único partido que se salvou nessa área foi a IL, que teve uma atitude construtiva – e os eleitores premiaram-na.
Mas como sair agora deste beco?
Tal como as coisas estão, só há uma forma de o fazer: através de um acordo informal entre o PSD e o Chega.
Montenegro devia perceber o óbvio: que sem o Chega não conseguirá governar; e Ventura devia cair na realidade e compreender que será a primeira vítima da sua atitude permanentemente destrutiva.
Vejo, no entanto, como muito difícil esse acordo.
André Ventura elegeu Luís Montenegro como seu principal rival – e isso empurra-o para a luta e não para um entendimento.
Mas também um regresso ao passado, aos tempos da ‘geringonça’, me parece impossível.
A esquerda está numa fase de descrédito em Portugal e na Europa.
E, mesmo que o PS conseguisse voltar ao poder, nunca disporia de condições para governar, porque teria contra si o PSD e o Chega e ficaria bloqueado, como está agora a AD.
Considerando tudo isto – e admitindo que um bloco central é indesejável – só há uma forma de Portugal voltar a ser governável, como ando a dizer há várias semanas: através de uma mudança do sistema eleitoral, que promova o reforço do poder executivo.
E não é só Portugal que precisa desta mudança.
A fragilidade dos governos está a enfraquecer a Europa.
Macron está fragilizadíssimo, Scholz está fragilizadíssimo, ou seja, os dois grandes pilares da Europa estão muito enfraquecidos.
Temos de caminhar num sentido mais pragmático de fortalecimento dos governos.
A Europa ocidental está envolvida numa guerra onde tem pela frente um adversário de características completamente diferentes, em que o poder político é muito forte e está muito concentrado.
Perante isto, tem de haver uma resposta dos países europeus.
Em Portugal, há que reforçar o poder executivo.
Quem ganha as eleições deve ter condições para governar, não ficando dependente de paralisantes acordos parlamentares. No futebol, quer uma equipa ganhe por 1-0 ou por 10-0, a consequência é a mesma: soma 3 pontos. Na política temos de caminhar no mesmo sentido: qualquer que seja o resultado eleitoral, o partido vencedor, mesmo ganhando por um voto, deve dispor de maioria. Há vários sistemas que favorecem esse objetivo.
No nosso sistema existem 22 círculos eleitorais, em cada um dos quais são eleitos vários deputados segundo um método matemático chamado de Hondt. E isto conduz a uma grande dispersão.
O sistema inglês é bem diferente: tem 650 círculos, e em cada um deles só é eleito o deputado mais votado, sendo os outros votos deitados fora. Este sistema facilita o bipartidarismo e, portanto, as maiorias absolutas.
Mas podemos pensar noutras hipóteses.
Por exemplo, num sistema de votação em duas voltas, com uma primeira em que se elegem deputados segundo as percentagens obtidas pelos partidos – e uma segunda volta entre os dois partidos mais votados, em que o vencedor tem um bónus que lhe garante a maioria do hemiciclo.
Um sistema assim teria uma vantagem suplementar: evitaria as ‘geringonças’, que são perversas e anacrónicas.
Uma coisa é certa: como as coisas estão, não podem continuar por muito mais tempo.
O Governo não consegue governar – e as medidas que se aprovam são sempre no sentido de dar mais facilidades e aumentar a despesa.
Algum regime pode sobreviver assim?
P.S. – Nesta questão da governabilidade, pode acontecer o mesmo que sucedeu com a imigração: só se toma consciência da gravidade do problema depois de ser demasiado tarde.