Vivemos numa época em que a imagem é tudo. A busca por validação externa leva-nos a mergulhar em relações superficiais e efémeras, onde a quantidade de interações é mais importante do que a qualidade das relações. O romantismo tradicional parece ter-se evaporado no éter digital, e a facilidade com que se iniciam e terminam as conversas online transforma a vida amorosa numa espécie de fast food emocional.
Hoje em dia, tudo gira à volta da aparência. O que interessa é ter muitos gostos e corações nas redes sociais. Todos se fingem esquisitos e seletivos, mas são descartados como lenços de papel. É o que eu chamo de amor à primeira selfie, o amor que dura o tempo de um flash e que se prepara como um cup-a-soup. É só meter água, mexer e está feito. Mas se a água estiver fria, ou se o cup-a-soup tiver um pouco de bolor, já ninguém o quer. E então vamos à procura do próximo pacote, na esperança de que, um dia destes, um desses cup-a-soups nos encha a barriga e o coração.
Tomemos como exemplo o filme “As Cinquenta Sombras de Grey”. Christian Grey, o milionário com gostos peculiares, conquista corações não pelas suas práticas excêntricas, mas pelo romantismo distorcido e sadomasoquista que o seu estatuto proporciona. Mas imaginemos, por um instante, que ele trocava o Porsche e o helicóptero por uma humilde bicicleta para o seu rendez-vous com Anastasia Steele. A narrativa seria bem distinta. O que é pintado como romance e aventura poderia bem mais parecer um episódio de “Quem Quer Namorar com o Agricultor?” – só que sem o trator, claro!
E se o Sr. Grey fosse um pobre diabo que nem para um Dacia tinha dinheiro? Imaginem só o Grey, de fato de treino e chinelos, a aparecer à janela da Anastasia com um ramo de flores que roubou à vizinha do rés-do-chão em vez de joias VanCleef. Aposto que a Anastasia ficaria tão feliz como quando alguem recebe um vale de experiência para uma massagem tailandesa no Feira Nova. Concerteza que faria a mesma cara de quem descobre que o seu iPhone é afinal um “Hi-Phone” comprado na feira de Carcavelos. “Então e as joias? Nem um anel de latão da feira da ladra?” perguntaria ela, antes de atirar o ramo à cara do desgraçado do Grey, que ficaria ali a chorar baba e ranho com umas flores que nem para o funeral de um peixinho dourado serviam. Pois é, na sociedade de consumo, o que conta no romantismo é o tamanho da carteira, e não do coração.
Lembremo-nos de outra pérola da cultura pop: o anúncio de perfumes. Homens e mulheres de beleza estonteante, com corpos que não obedecem às leis da física, a emergir de helicópteros, a galgar areais com silhuetas que desafiam a gravidade, e, claro, a lançar olhares que prometem mais do que uma simples escapadela de uma reunião da Tupperware. Mas imaginem que mudavam o cenário e, em vez de uma praia paradisíaca, tinhamos um autocarro da Carris cheio de gente suada e maldisposta, debaixo de um céu cinzento e chuvoso. O cheiro seria, certamente, mais “Água de Suor” do que “Essência de Paixão”. E quando as portas se abrissem, será que o perfume continuaria a seduzir? Imaginem só, o aroma que se libertaria…
Regressando ao nosso quotidiano, onde a realidade se impõe, deparamo-nos com o enigma dos encontros e romances digitais. Tinder, Bumble, Happn… A lista é longa, mas a lógica é a mesma: julgar um livro pela capa, ou, neste caso, um amor potencial por uma selfie. E quantas vezes já vimos fotos de perfil tiradas de posições mais estudadas do que os ângulos do teorema de Pitágoras? E quando finalmente encontramos aquela pessoa que julgamos ser a tal, a verdade é mais dura e impactante do que a pior ressaca do ano. E não esqueçamos o “ghosting” – essa tendência fascinante de evaporar sem deixar vestígios. Versão moderna de sair para comprar tabaco e nunca mais voltar.
Numa era onde o “já” é tarde e o “agora” é para ontem, todos anseiam por um amor que os esmague como se fossem uma formiga debaixo de um elefante. Procuram uma paixão que os fulmine como um relâmpago, deixando-os mais atordoados do que um turista a tentar entender um menu num qualquer restaurante em Lisboa. E o melhor de tudo, é que desejam que esse amor surja, enquanto estão aconchegados no sofá a devorar um pacote de batatas fritas.
Graças ao cinema, ao streaming e ao maravilhoso mundo das redes sociais, somos bombardeados com casais que parecem ter saído de um catálogo de mobiliário sueco do Ikea, vivendo vidas tão perfeitas que até um pavão ficaria com inveja. A questão é que lhes falta o manual de instruções!
E então pergunto eu: será que Romeu e Julieta teriam trocado juras de amor eterno se se tivessem conhecido num evento de speed dating, entre um copo de vinho e um canapé? E será que Cleópatra teria caído nos braços de Júlio César com um simples deslizar de dedo no Tinder? Deixo à sua imaginação!
A perceção e a imagem ditam as regras. As selfies constantes e as juras de amor momentâneas nas redes sociais são exemplos claros desta busca incessante por validação externa. A procura frenética de comentários, “likes” e seguidores frequentemente resulta em relações superficiais e efémeras. Adeus às cartas apaixonadas, às serenatas à janela e aos encontros marcados com meses de antecedência. A busca pelo amor agora acontece com um mero deslizar de um dedo, através das fotos de perfis perfeitos em aplicações de encontros.
E no meio da fluidez das relações modernas, conceitos como monogamia e exclusividade são postos à prova. Abre-se espaço para relacionamentos abertos, poliamorosos e outras formas de amor que não se encaixam nos moldes tradicionais. Essa busca por autenticidade e individualidade leva a experiências amorosas diversas e por vezes duvidosas, desafiando normas sociais e expandindo os nossos horizontes afetivos.
No grande teatro do amor moderno, os filmes e as novelas são os mestres de cerimónia, a vender-nos bilhetes para a primeira fila de um espetáculo onde o amor é tão perfeito que até irrita. Problemas? Esses são para os mortais que não têm um guião escrito por um argumentista com um óscar na estante. E os anúncios, esses malandros, aparecem mais vezes do que o nome do protagonista no genérico da série, só para nos lembrar que, se o amor não paga as contas, pelo menos a publicidade paga o intervalo.
Comparar a nossa vida com estas epopeias românticas é como pedir para marcar uma sessão dupla no divã do psicólogo, com direito a desconto no psiquiatra se acharmos que a nossa existência é uma telenovela em que somos simultaneamente o protagonista e o vilão. E neste mundo de fachadas e filtros, encontrar o amor verdadeiro é como tentar apanhar o autocarro das 23h30: uma lenda urbana que todos juram que existe, mas que nunca ninguém viu.
Portanto, caro(a) leitor(a), no fim de contas, o amor verdadeiro, aquele onde os filtros e os “likes” dão o mote, é o verdadeiro oásis no deserto. Dizem que é lá que mora a felicidade, mas quem já lá chegou que atire a primeira pedra – ou melhor, que partilhe a localização no Google Maps, para que todos possam encontrar o caminho.
Não sou juiz para sentenciar, sou apenas advogado, mas uma coisa é certa: se queremos pescar algo que não seja de plástico neste mar de superficialidade, temos de começar por tirar a máscara. Porque, meus amigos, o amor genuíno não está à venda no mercado das redes sociais, nem se apanha com uma rede de arrasto no Tinder. O amor constrói-se como uma boa muralha: pedra sobre pedra, com tempo, suor e, ocasionalmente, com uma hérnia discal.
Para os românticos que ainda arriscam o papel e a caneta, que fazem serenatas que são mais desafinadas do que uma conversa politicamente honesta, não desistam. Para aqueles que oferecem flores que já viram melhores dias, lembrem-se que até o vinho mais amargo pode envelhecer bem. E para todos nós, que surfamos nesta onda cibernética, nunca esqueçam: ser autêntico é o novo sexy. No final, o amor verdadeiro é como um bom queijo da Serra: quanto mais curado, melhor – e não precisa de hashtag para ser apreciado.