1.O Matuto gosta de doces. Qualquer doce… biscoitos, cookies, bolachas, crackers, rosquinhas, donuts, queques, muffins, pretzels, tortas, tartes, pastéis. Mas precisam ser molhados! Molhados? Sim. No Brasil há uma grande tradição de comer “bolo com café”. E, o bolo ideal para comer com café é… seco! Mas, voltando à vaca fria! O Matuto gosta de doces. Ele tem um ‘sweet tooth’ – diriam os Ingleses. Ora, na cidade do interior do Estado de São Paulo, onde o Matuto habita, há vários cafés para degustar raras docerias. Existe o Atelier do Brigadeiro, onde naturalmente o brigadeiro é rei e senhor. Lugar calmo com menus/cardápios de vários países a decorar as paredes. O deck é um refúgio secreto que convida a ler. O Matuto aprecia o tiramisù. Elegante de sabor, com toques discretos de café, e o sedoso creme de mascarpone a perfumar o paladar. O Matuto sai de lá sempre com as tristezas limpas. Noutras ocasiões o Matuto visita o Harmonie Sucrée. Aqui, o bolo de baunilha é o carro chefe. A massa fofa é embebida numa calda à la custard. Uma colherada e tudo entra nos eixos. O Matuto acha que é bom gostar duma coisa que não se esgota em si mesma. Uma coisa, tipo obsessão, que represente outras coisas. Vida já vivida, comida já comida algures, bebida já experimentada antes, doces saboreados e encorpados noutras vagabundagens. “Ai as calorias” – geme o Matuto.
2.Entretanto, há dias, a ilustre directora da escola onde o Matuto trabalha, Dona Regina, presenteou o staff com umas Maças ao Caramelo, assadas com canela. Sublime! As maças vinham acompanhadas de damascos picados, ameixa preta e passas de uva. Paus de canela e mel temperavam o conjunto. Nas palavras da ilustre directora: “as maças foram envolvidas num caramelo natural feito com o suco da fruta.” O Matuto apreciou devidamente esta ocasião. Deleitou-se, com a alma em estado dos pássaros pousarem nela. Quem não sabe comer, não sabe viver – pontua o Matuto. “Ai as calorias!”
3.Felizmente, o Matuto tem tido muitos momentos notáveis em terras Brasileiras. Na realidade os Brasileiros têm nomes pitorescos e coloridos para os seus doces tradicionais. O Matuto desfia a lista: Existe o “pé de moleque” (nougat para os Portugueses, e não confundir com “torrone”); o “pé de moça”; a “teta de nega”; o “olho da sogra”; o “bicho de pé”; a “unha de gato”; a “cueca virada”; a “maria-mole”; o “chuvisco”; etc. Nomes assombrosamente criativos! O Matuto fez uma pesquisa relâmpago e descobriu que a maior parte dos nomes surgiu nos tempos coloniais. O “pé de moleque” é o ai-Jesus do Matuto. Desde logo pelo nome. Em Portugal há 1001 nomes para os moleques. Há, o típico Alentejano “cachopo”; depois existe “catraio”; “gaiato”; “garoto”; “petiz”; “pirralho”; “fedelho”; “moçoilo”; “gabiru”; “pimpolho”; e o muito lisboeta “puto” – que no Brasil é ofensivo. Mas o Matuto considera que “puto” tem uma vasta tradição no folclore Português. Altino do Tojal dedicou-lhes um livro de contos façanhudos: “Os Putos”; e Carlos do Carmo tornou famosas as palavras de Ary dos Santos no fado “Os Putos” – Uma fisga que atira, a esperança/E a força de ser, criança/Parecem bandos de pardais à solta. Os putos, os putos/Mas quando a tarde cai/Vai-se a revolta/Sentam-se ao colo do pai/As caricas brilhando na mão/Um pião na algibeira sem cor. O Matuto pondera que a palavra “puto” vem do latim – putto no singular, e putti no plural – e refere-se aos anjos rubicundos e anafados que habitavam as telas renascentistas, representando pureza e proximidade de Deus. Longe das representações aladas do Renascimento, os putos modernos podem ser bem traquinas – no Brasil a palavra é “sapeca”.
4.O Matuto, matuta no “pé de moleque” (nougat, do outro lado do grande lago). Uma das versões sobre a sua origem diz que o doce existia já nos tempos do Império e era vendido em tabuleiros pelas Baianas. Era habitual, as Baianas serem alvo de furtos dos moleques que vagueavam pelas ruas. As Baianas, diante da ousadia, gritavam: ‘Pede, moleque! Pede!’ Na boca do povo virou “pé de moleque”. Numa versão mais histórica faz-se referência ao calçamento das ruas de Tiradentes, Ouro Preto e Paraty. Os ecos da História dão conta das pedras que os escravos assentavam com os pés. Este tipo de rua, é conhecida como pé de moleque, e o doce de amendoim por ter aparência semelhante ficou com o mesmo nome. Aparência que é verdadeiro convite ao paladar. “Ai as calorias” – geme o Matuto.
5.Ora, na memória mágica do Matuto, o “pé de moleque” está associado à sua saudosa avó. As viagens, para Lisboa, com a avó Guida, eram sempre uma aventura. De autocarro – a carreira como se dizia – até Cacilhas e depois de cacilheiro (balsa, no Brasil) até ao Terreiro do Paço. Dos dois lados do rio, junto aos barcos, o Matuto relembra os bandos de vendedores ambulantes. Bolas de Berlim, pastilhas Gorila, torrones, e… nougat – o “pé de moleque”! A avó Guida contava os preciosos tostões. Delícia! Volúpia! Sempre que o Matuto come “pé de moleque” é o rosto gentil da sua avó que ele vê! E sabem que mais!? O Matuto lança-se a um pé de moleque, acompanhado com umas Maças ao Caramelo e tudo coroado com um delicioso bolo de baunilha. “E as calorias podem ir às urtigas” – decide o Matuto. A vida é bela!