França, 1 – Polónia, 1. Como os camaradas de Drabowski resistiram às invasões francesas

A França teve de se contentar com o segundo lugar no grupo atrás de uma Áustria surpreendente que bateu a Holanda em Berlim (3-2)

DORTMUND – Há sempre um momento fundamental quando a França joga. O momento em que soa o hino. A Marselhesa não é o hino da França, é o hino da Humanidade, o hino da liberdade, igualdade e fraternidade. Sabê-lo de cor faz-me ficar de bem comigo mesmo. Bem, não sabê-lo inteiro de cor, porque ele é, na verdade, compridíssimo. Saber apenas aquela parte que se canta em cada estádio em que a equipa azul se exibe. «Allons enfants de la patrie/Le jour de glorie est arrivé/Contre nous de la tyrannie/L’étandard sanglant est levé». Há algo de grandioso nesta chamada ao combate dos Filhos da Pátria. Só que, desta vez, na tarde quente de Dortmund, não havia soldados ferozes do outro lado. Quem caminhou em direção aos braços dos filhos da França foi uma Polónia amargurada, com dois jogos e duas derrotas, já praticamente entregue ao criador. Que se poderia esperar desse cadáver ambulante? Ao mesmo tempo, não podiam os franceses distrair-se se queriam libertar-se de chatices e jogar os oitavos-de-final contra o segundo do nosso grupo. Até porque, a Holanda que disputava o seu jogo em Berlim, contra a Áustria, tinha à partida para esta jornada vantagem nos golos marcados e sofridos. Ou seja, cabia aos «bleus» fazerem um resultado melhor do que os batavos.

Não deixou, no entanto, Dechamps de poupar por exemplo Griezmann. Alguma confiança emanava desta decisão. Como uma vez disse Maître Duval, um político dos anos-50, «la France messieurs ne se trompe jamais!» Pois isso era o que estávamos para ver. À chapada do sol fervente na bancada do Iduna Park, a cabeça a estalar e a suar que nem um etrusco, ponho os olhos no relvado. Curioso para perceber até quando duraria a resistência dos polacos. Durou. Aguentaram com calma as primeiras invasões francesas e foram respondendo aqui e ali. Nada de muito interessante, no entanto. Talvez não sabendo da vantagem da Áustria sobre a Holanda a França procrastinou. Parecia encolher os ombros e perguntar a si própria: para quê andar em correrias sob toda esta canícula? Uma lentidão de caminhar na areia toma conta do jogo. Nas bancadas, a malta do norte da Europa era muita e barulhenta. «Hurrah! Hurrah!» Cânticos de orgulho apesar de amassado pelas duas derrotas anteriores. O intervalo chega como uma bênção. Na classificação a Áustria era, naquele momento, a primeira do grupo, empurrando os gauleses para o segundo lugar e os holandeses para o terceiro. Talvez Maître Duval não tivesse tanta razão quanto pensava.

As marchas!

Curioso o facto de o hino da Polónia, Mazurca Para Dabrowski, referir os franceses como professores de guerra: «Marcha, marcha Dabrowski/(…)Bonaparte mostrou-nos/Como devemos vencer». Este general, Jean Henryk, foi o grande impulsionador da guerra pela independência da República dos Dois Reinos (Polónia e Lituânia) por finais de 1700. Mas, depois do que havíamos visto em campo, não me parecia que os polacos tivessem grande coisa a aprender com uma França francamente preguiçosa e displicente. Ok, verdade que Mbappé, O Mascarilha, ainda conseguiu um ou dois arranques que podiam ter resultado em golo. Mas era pobre, convenhamos.

Quem marcharia para a vitória no recomeço do encontro? Quem correria riscos? Na verdade a Polónia tinha muito pouco a perder. Mas sentia-se que também tinha pouco para dar. Esperei. Afinal também preciso de material para escrever e nenhuma das equipas estava a fornecer-mo. A França desamarra-se finalmente. Faz um cerco à defesa vermelha. Será para durar? Em Berlim, a Holanda empata e assume o comando do grupo. Os adeptos da bancada norte pedem pelo seu ponta-de-lança favorito: «Giroud! Giroud! Giroud!» Vão cinco para aquecimento. Talvez Deschamps sinta o seu banco a ferver-lhe no traseiro ao mesmo tempo que todo o relvado está à sombra. 56 minutos: um buraco abre-se na direita para Dembélé. Penalti e golo de Mbappé. A machadada parece ser agora demasiado forte e decisiva. Mas não nos precipitemos. Não é que tal desfecho não se adivinhasse, até porque os franceses tinham andado a passo de caracol, logo eles que são peritos em «escargôts à la bourguignone». Lewandowski está transformado numa ilha, muito longe dos seus companheiros. Entram, de uma só vez, Giroud, Griezmann e Camavinga. A Áustria volta à vantagem no outro jogo e a França é líder solitária da sua chave. Impiedosos, os Filhos da  Pátria vão entrando pelas feridas abertas de uma Polónia amargurada. Mas a luta continua. Ninguém dá parte de fraco do lado dos camaradas de Dabrowski. Parece  haver agora um penalti contra a França. O  árbitro vai ver as imagens e confirma. Um grito feliz espalha-se sobre este pequeno pedaço de Dortmund. Lewandoski falha mas é preciso repeti-lo. Agora sim, alcança o empate. Faltam dez minutos para o fim. O Iduna Park está ensurdecedor. Os franceses parecem confusos. E dão uma imagem de impotência perante  os novos acontecimentos. Uns austríacos tremendos vencem a Holanda por 3-2. O mundo parece girar ao contrário como n’Os Loucos de Lisboa. Dependurada no seu orgulho, a Polónia aguenta uma derradeira invasão. Todos em pé, os adeptos cantam o hino. «Por mais que a força estrangeira nos invada/Reconquistaremos a Polónia à força de sabres». A França tem de se contentar com o segundo lugar atrás da Áustria. Os holandeses são terceiros. Há gente feliz que regressa a casa com o sabor da vitória na boca embora essa vitória não tenha passado de um empate…