Férias ‘fora da caixa’. “Eu não viajo para estar confortável”

Se há pessoas que preferem passar os seus dias de férias a apanhar sol ou a ver museus, há quem escolha destinos mais invulgares e até perigosos. Vítor Cunha foi com o seu filho à Ucrânia. Sofia Aparício é apaixonada pelo Iraque.

Por mais que gostemos do nosso trabalho, não podemos mentir: todos aguardamos ansiosamente pelas férias. Não termos de nos preocupar com o trânsito matinal, podermos parar de olhar para o relógio, termos tempo de assistir ao pôr do sol numa esplanada, os dilemas passarem a ser se vamos à praia ou à piscina, se preferimos uma caipirinha ou um mojito… Durante as férias, há quem prefira ficar na sua área, aproveitar a casa e quem queira conhecer novos lugares. Se há quem prefira permanecer o dia todo deitado na toalha numa praia paradisíaca, por outro lado há quem prefira cidades históricas, conhecer novos museus e monumentos. No entanto, há também quem adore ir a lugares que nos colocam completamente fora da nossa zona de conforto.  Afinal, o ser humano é muitas vezes atraído por aquilo que não entende… Um país em guerra, uma zona dominada por conflitos étnicos, as ruínas de uma cidade com altos níveis de radiação, lugares com risco de terrorismo, outros onde a morte é celebrada, antigos campos de extermínio, casas de tortura… 

David Farrier é atraído por destinos pouco comuns e, desde 2018, que é possível assistir às suas aventuras através do documentário da Netflix Turismo Macabro. Nos oito episódios de 40 minutos, o jornalista neozelandês de 41 anos viaja pelo Japão, EUA, Europa, Ásia Central, África e Sudeste Asiático com o intuito de participar em experiências turísticas que o colocam em perigo e podem ferir suscetibilidades. Participou num ritual em que um cadáver é retirado da terra; fez uma tour do assassinato de John F. Kennedy; esteve em Fukushima, no Japão, e no Cazaquistão, locais com níveis elevados (e perigosos) de radiação; em Aokigahara, um bosque muito procurado por pessoas que se querem suicidar; fez turismo relacionado com um serial killer, participou num simulador para atravessar a fronteira entre o México e os EUA; foi visitar a antiga mansão do narcotraficante Pablo Escobar, na Colômbia; esteve no campo de tiro no Camboja; e conheceu a  famosa casa de tortura McKamey Manor, no Tennessee.

Estar no local e sentir medo

Vítor Cunha sempre viajou muito, tanto por motivos profissionais, como por lazer. Os seus destinos preferidos são os EUA e o Japão, principalmente pela diferença de cultura. “O Japão é um país com uma história fantástica, um povo maravilhoso. É longe e caro, mas é um dos destinos obrigatórios para quem gosta de viajar”, explica. Já os EUA, “mexem com a memória daquilo que é a cultura popular ocidental”. “Tem ótimos museus, é um sítio ótimo para andar de carro, para ir a parques naturais, tem cidades fantásticas de diferentes dimensões, diferentes características. É um país com uma diversidade enorme”, continua. Mas, este ano, o seu destino foi outro. O CEO da JLM & Associados viajou com o seu filho de 20 anos até à Ucrânia. Vítor Cunha foi jornalista, mas, como escrevia sobre temas locais, nunca teve oportunidade de viajar até um destino em guerra ou que tenha sido vítima de uma grande catástrofe. Tinha essa curiosidade. Além disso, acredita que “é importante passar aos mais novos mensagens de coisas diferentes”. Não imaginava que seria tão fácil conseguir a viagem nesta altura. “Fiz tudo online. Marquei os hotéis e os comboios a partir da Polónia. Comprei um seguro porque nestas viagens mais complicadas e convém tê-lo. A passagem na fronteira também foi fácil”, revela, acrescentando que apesar dos desafios, a viagem está no top cinco. 

Interrogado sobre o momento que mais o marcou, o ex-jornalista lembra a segunda noite, em Kiev. Houve um ataque à cidade. “Uma coisa é vermos nas notícias, outra coisa é estar no local e sentir medo. É uma sensação que não nos é frequente no dia-a-dia. Ouve-se os alarmes, as baterias antiaéreas, um estrondo, passado uns minutos volta o estrondo e mais antiaéreos a atuar para destruir os mísseis. “Fiquei acordado a noite toda e ainda hoje, quando ouço sirenes, dou um salto na cadeira. É um daqueles sustos que vai demorar algum tempo a passar”, admite. Segundo Vítor Cunha, no dia seguinte houve um ataque mais forte com um míssil balístico. O pai e o filho estavam em viagem. O seu guia tinha familiares que moravam perto do local do ataque. “Percebemos que estava bastante ansioso, ia fazendo contactos. Havia uma certa tensão”, conta. De acordo com o ex-jornalista, a cidade estava parcialmente deserta. “Muita gente fugiu, outros foram chamados para a guerra”, justifica. No entanto,  fazem um esforço enorme para ter uma vida normal. “Fomos à ópera, os teatros estão abertos, tal como os restaurantes e cafés”, garante. Mas existe recolher obrigatório. “A partir das 23 horas vai tudo para casa. É impressionante, mas tem de ser”, sublinha. “Foi uma viagem muito diferente e confirmou algumas convicções ou ideias que eu tinha em relação àquilo que é hoje a política na Europa e, de alguma maneira, também no mundo. Nasci no final dos anos 60 e há um conjunto de pessoas da minha idade que chegaram a achar que depois de 1945 seria impossível voltarmos a ter tragédias destas. Esta experiência abre uma caixinha horrível. Os extremismos estão à solta na Europa”, alerta.  

Amante do Iraque 

Sofia Aparício começou a viajar sozinha bastante cedo, já que a sua mãe a enviou para estudar francês na Bélgica com apenas 11 anos. Depois, rumou à Inglaterra e, como começou a trabalhar cedo e a ter o seu dinheiro, também cedo se pode começar a aventurar. “Isso aliado à minha curiosidade e ao facto de ser uma pessoa muito irrequieta sempre fez com que eu gostasse muito de viajar”, conta. Nos últimos anos, tem optado por destinos mais invulgares. Em 2022, por exemplo, andou pela América do Sul. Mas também gosta muito do Iraque. “Fui parar ao Iraque porque comecei a ler coisas e a ficar muito curiosa em relação ao povo curdo que não tem terra, não tem país, mas encontram-se no sul da Turquia, norte do Iraque, oeste do Irão. Como estava no sul da Turquia num sítio onde está situada a maioria da povoação curda que existe e acabei por ir para o norte do Iraque no Curdistão iraquiano, pensei: “Já que aqui estou, porque não ir ao Iraque?”. Nessa viagem conheceu Francisco Agostinho, com quem colabora num projeto chamado 100Rota que organiza viagens de grupo para estas áreas. Acabaram por ir juntos. 

Relativamente aos choques culturais, segundo Sofia Aparício, existem muitos. “O importante é ir com disponibilidade para abraçar as diferenças”, frisa. “Há pessoas que viajam até um sítio ‘exótico’ e depois querem manter os hábitos, como comer de faca e garfo. Isso para mim não é viajar, não é aprender nada. Não tenho nada contra resorts e hotéis de cinco estrelas, mas quando viajo prefiro ficar em casas de pessoas ou em hotéis mais simples onde os locais que viajam também ficam”, conta. África é o seu continente favorito exatamente porque os costumes são diferentes daquilo que vive no dia-a-dia. “Eu não viajo para estar confortável, viajo exatamente para sair da minha bolha de conforto, desafiar-me, crescer e enriquecer por dentro”, reforça. 

Apesar do Iraque ser um país conhecido pelo seu perigo, a atriz garante que as pessoas são bastante afáveis. “Uma vez eu ainda não tinha sítio para ficar porque houve uma alteração de planos. Pedi internet na loja de um senhor que nem inglês falava. Lá conseguimos comunicar com a ajuda do Google tradutor. Quando percebeu que eu estava à procura de um lugar para dormir, ofereceu-me a sua casa. Apesar de ter rejeitado, passado cinco minutos apareceu a sua mulher e uma das filhas. Acabei por ficar com eles”, lembra. Depois de ter começado estas viagens, uma coisa que a irrita é a ideia de que no Médio Oriente as mulheres são muito assediadas. “Eu nunca me senti insegura. Os governos não são o povo dos países”, garante. 

Em 2021, apanhou um susto que ficará para sempre marcado na sua memória. A atriz estava no seu quarto em Trujillo, no Peru, quando acordou com o maior terremoto que já sentiu na vida: 7.5 de magnitude, com epicentro na província Amazónica Peruana. Interrogada sobre a maneira como reagiu, Sofia Aparício revela que, por norma, quando lhe acontecem coisas menos boas, não costuma ficar nervosa no momento. “Não tenho medo. Só sinto mais as coisas quando já passaram. Ganho consciência e as pernas tremem-me”, explica. “Estava a dormir, acordei e pensei: ‘Que disparate. Aqui há metro!?’. E era mesmo um disparate. Depois comecei a ouvir gritos, as portas a bater e segui as pessoas para um safe place e lá fiquei até nos darem ordens. Quando tudo acalmou, liguei para casa para avisar os amigos e família que estava tudo bem. Não sabia que notícias estavam a passar para cá”, lembra.