FRANKFURT – Uma onda de desolação parece ter varrido os adeptos portugueses depois da derrota de quarta-feira frente à Geórgia. É certo que estamos na fase final de um Campeonato da Europa, que a exibição foi tão negra como uma conta de luz por pagar, mas não há que fazer dramas onde não há lugar para eles. Sinceramente, não fiquei surpreso por um desastre espetável. Estou, aliás, convencido de que o selecionador RobertoMartínez também não foi apanhado desprevenido pois não me parece ser nenhum doidivanas. Aquilo que se viu em Gelsenkirchen foi uma realidade, penosa talvez, mas que tem sido encapotada ou encaixada numa ingenuidade que não tem lugar no mundo das grandes competições. Claro que, no futebol como em tantas outras vertentes da vida, as discussões alimentam-se de opiniões e, aqui, nada como recorrer ao jagunço de Guimarães Rosa que zurrava com a voz grossa da sua ignorância: «Pão ou pães é uma questão de opiniães». Cabe-me, aqui, nestas linhas, deixar a minha. E o exercício é bem mais simples do que possa parecer já que ando há muito tempo a escrever que considerar que estamos perante a mais rica geração do futebol português é um exagero tão ofensivo que risca a diamante o vidro da memória. Viu-se. No momento de fazer entrar as segundas linhas: Portugal esteve nu. E a nudez da Seleção nacional foi bastante incomodativa, lá isso foi. Rapazinhos endeusados pelo fanatismo clubístico mostraram-se perdidos como os meninos de Peter Pan. Mas esses ainda tinham o entusiasmo e a malandrice de enganar piratas. Os nossos estiveram apenas perdidos durante uma hora e meia sem imaginação e sem vontade.
Recuo no tempo. Quarenta anos, assim por extenso.No primeiroEuropeu em que Portugal se apresentou, chegando à meia-final de Marselha, contra a França, com aquela maldita derrota no prolongamento (2-3), havia um avançado-centro chamado Jordão que atirou com Fernando Gomes e Nené para o banco. E, por razões diversas, demo-nos ao luxo de levar um grupo de jogadores que deixou de fora Humberto Coelho, António Oliveira, João Alves e Manuel Fernandes. Um luxo! Convenhamos. Claro que a malta mais nova não tem obrigação de recordar este exemplo.Mas, se recuarmos só vinte anos, até 2004, vemos Rui Costa,Fernando Couto, Nuno Gomes, Postiga, Petit, Tiago e Simão sentados como suplentes, com VítorBaía, João Pinto e Quaresma longe dos convocados. Pois… e agora?
A nudez aflitiva
Tenho para mim que Roberto Martínez não está completamente inocente deste banho de humildade que levámos de uma Geórgia de pouco talento e muita vontade. Depois de ter sido verdadeiramente assediado pela imprensa a tomar posição sobre o tal favoritismo que tanto quisemos atirar para as costas desta Seleção, refugiou-se cautelosamente num «somos candidatos mas não favoritos».Em seguida, num jogo que, apesar de tudo era a feijões, enfiou-nos pelos olhos dentro com o que pode contar: um grupo muito diversificado de jogadores espremidos até ao tutano que, no final, deita muito pouco sumo.
A ver se nos entendemos. Não estou a pôr em causa a qualidade técnica de vários dos mais jovens que foram chamados a provar o que valem, mas a invisibilidade de João Félix, Pedro Neto, Francisco Conceição, João Neves ou Gonçalo Inácio, junto com a visibilidade negativa de António Silva, numa partida na qual, ainda por cima, não estavam condicionados pelo resultado, exibe à saciedade que temos pouco mais para dar senão o onze habitual de Roberto Martínez que, também ele, parece andar na corda bamba entre jogar com uma defesa a três ou com uma defesa a quatro. Francamente não vejo de que buraco sai a famosa Ínclita Geração tão apregoada. À maioria dos jogadores portugueses falta, sobretudo dimensão. Já agora basta contar quantos são os grandes clubes da Europa que os acolhem e dos quais são titulares absolutos.
No próximo dia 1 de julho não vai ser a equipa dos meninos perdidos que entrará em campo, aqui em Frankfurt, frente a uma Eslovénia que ainda não há muito tempo nos limpou o sebo em Lubliana num particular (2-0). Com o regresso dos melhores, Portugal tem todas as condições para seguir em frente, para os quartos-de-final em Hamburgo, defrontando a França se esta vencer uma Bélgica de tal modo envelhecida que parece caduca. Se estou a contentar-me com serviços mínimos? Não. Não me contento com mediocridade. Mas também nunca fui, nestes mais de trinta e cinco anos em que acompanho a Seleção nacional, um crítico desprovido de bom senso. O primeiro texto que escrevi sobre este Europeu alemão levou o título: As novas aventuras do Cavalo Negro.Era assim que os ingleses nos apelidavam no Euro-96, o primeiro em que estive como enviado-especial de A Bola. Cavalo Negro é precisamente o que, não sendo favorito, ainda se torna apetecível para alguns apostadores. Corre por fora na expectativa de uma surpresa. Dessa forma conseguimos a Taça Henri Delaunay em 2016, em Paris. É chegada a hora de nos deixarmos de devaneios e, ao mesmo tempo, de pôr de lado o oito-oitentismo. Segunda-feira é entrar em campo e jogar. Depois se vê.