Em novembro cessa o segundo mandato do presidente Charles Michel no Conselho Europeu, provavelmente, o ex-primeiro-ministro (PM) português assumirá essas funções.
Será uma história com um final feliz para o beneficiado e também uma excelente oportunidade para os ingénuos perceberem o que se passou com a rábula construída à volta de um parágrafo da PGR transformado em pretexto para a demissão de Costa.
Afinal já é a terceira vez, neste século, que portugueses chegam a cargos de elevada importância na política internacional.
Foi Durão Barroso que assumiu a presidência da Comissão Europeia, foi António Guterres que se fez eleger Secretário-Geral da ONU e, agora, é António Costa que será entronizado no cargo de presidente do Conselho Europeu.
Não se conhecem benefícios diretos para os portugueses do exercício das primeiras duas sinecuras e não é legítimo sonhar que venha a ser diferente desta vez.
É assim, despropositado e caricato, para não dizer aberrante, que a ‘novela António Costa’ se tenha tornado numa sucessão de elogios provincianos.
«Hoje é um dia de alegria», decretou Marcelo Rebelo de Sousa, quase deixando no ar a ideia de que, após esta escolha, todos os problemas nacionais se evaporam os portugueses passam a viver melhor.
Não é assim.
Num período difícil para a Europa seria normal que fossem escolhidos os melhores, os mais competentes, os que possuem maior capacidade de liderança e, que pelas provas dadas, beneficiam de maior prestígio internacional.
Mas não, o atual processo de escolha dos ‘top jobs’, desvaloriza a competência e permanece condicionado pela estafada lógica da negociação oculta entre os principais grupos.
Alguém tem dúvidas que Mario Draghi, que salvou o projeto europeu em 2012 (whatever it takes), seria um excelente presidente da Comissão ou do Conselho?
Então porque não o é? Resposta simples: não o é porque não integra uma família política poderosa no PE.
Por uma infeliz coincidência, a próxima presidência semestral da União será protagonizada pelo autocrata húngaro, que é, reconhecidamente, um amigo (closer friend) de Antonio Costa.
Indesmentível admirador de Trump e aliado envergonhado de Putin, Orbán inicia a sua presidência com a prosápia trumpiniana ‘tornar a Europa forte de novo (make Europe great again)’.
Não é um bom presságio sobretudo porque vem de um país que incumpre reiteradamente o estado de direito, e é verbalizado por alguém que tem como objectivo escondido destruir o projecto europeu.
Neste contexto não se compreende bem a escolha de António Costa, que não tem, à partida, condições para controlar esta ameaça.
Costa esteve sempre hesitante no relacionamento da UE com a Ucrânia, recusou-se a condenar as violações do estado de direito praticadas na Hungria, defende uma política de migrações desajustada do pensamento dominante na Europa e, apesar de juras recentes, rejeita o reformismo na política.
Só que, na romaria nacional em curso, muitos interesses se alinharam para esquecer o óbvio. E até o atual PM se tornou num radical defensor desta solução.
Porquê? O futuro vai seguramente esclarecer este mistério.
A solução encontrada em nada alterará o destino dos portugueses e, seguramente, não contribuirá para um futuro melhor para a Europa.