FRANKFURT – Agora que dobramos a metade do ano e viramos a esquina em direção à terceira semana do Europeu, não há margens para erros, distrações ou falhanços. O meu querido Luís Felipe Scolari chamou-lhe o mata-mata. É com esse espírito que Portugal precisa de entrar amanhã no Deutshe Bank Stadiom, nome tão a propósito para apelidar a arena desta cidade onde bate o coração financeiro da Alemanha. Até ao momento a seleção nacional tem vivido como Gulliver, o extraordinário personagem de Jonathan Swift. Foi pequeno em Leipzig (e salvou-se graças a dois minutos meio loucos), cresceu bastante frente à Turquia, em Dortmund, apesar de ter tido uma ajudinha do adversário, apequenou-se dramaticamente em Gelsenkirchen com aquela derrota perfeitamente evitável perante a Geórgia. Da pena do grande escritor irlandês (nas ilhas para lá da Mancha diz-se que os irlandeses dominam o inglês como poucos em Inglaterra) saiu um livro com o nome compridíssimo de Viagem a Diversos Países Remotos do Mundo, em Quatro Partes, por Lemuel Gulliver, a Princípio Cirurgião e Mais Tarde Capitão de Vários Navios. Se nos ativermos à obra, ela começa por um Gulliver gigante em Lilliput onde é feito prisioneiros por homenzinhos minúsculos de 15 centímetros de altura. Aí diverge do comportamento da seleção nacional que se viu prisioneira, sim, mas de uns matulões checos que nos deram água pela barba com o seu futebol defensivo e cobarde. Libertou-se num momento de criatividade de Pedro Neto e Francisco Conceição, com ajuda de Hranac, o coveiro da Chequia, mas deixou muitas dúvidas a pairar quanto ao que poderíamos esperar a seguir. Veio a Turquia e o ambiente mudou.
Em Brobdingnag
Somos um povo que se divide entre a tristeza e a melancolia com picos de euforia pouco consistentes. Como adeptos deste jogo que encanta todo o mundo, tendemos para uma irracionalidade aflitiva. A vitória frente à Turquia, por margem expressiva (3-0) fez com que acreditássemos estar perante um verdadeiro candidato à vitória final. Agigantámos o ego. Estávamos em Lilliput e todos em nosso redor eram pequenos até que, de repente, depois da derrota frente à Geórgia (0-2), com aquilo que podemos chamar de equipa de suplentes, passámos para Brobdingnag onde, segundo a pena de Swift, Gulliver foi capturado por um fazendeiro de 22 metros de altura que resolveu, ajudado pela sua filha, Glumdalclitch, exibi-lo como atração de feira. Sentimo-nos minúsculos por ter perdido com uma seleção que não deveria fazer parte das contas desta competição. Pusemo-nos em causa, duvidámos das nossas capacidades. Nada a fazer quando nos vemos perante situações deste género. A irracionalidade torna-se na nossa companheira de cabeceira.
Amanhã volta a entrar em campo a equipa principal com as suas peças fundamentais e, convenhamos, insubstituíveis. Não há como não olhar para a Eslovénia e não apostarmos na vitória portuguesa. É tão claro e tão límpido como os olhos da Michelle Pfeiffer. Vencer os eslovenos é o mínimo exigível a uma seleção que chegou a este Europeu incluída no restrito número das mais fortes. Não há tempo, agora, para olhar em redor e andar a tirar conclusões à maneira do dr. Lemuel Gulliver quando se vê em Balnibarbi perante um povo que quer extrair raios de sol de dentro de pepinos. Ou seja, não há tempo para filosofias, mesmo que o livro de Swift, seja um poço de ideias extraordinárias sobre o avanço da sociedade, da política, da economia e da ciência. É jogar e ganhar e terça avançar para Dortmund onde defrontaremos o vencedor do França-Bélgica, também marcado para amanhã. Regressar já a casa seria frustrante. Portugal pode não ser a melhor equipa da Europa, e não é, mas acarta às costas com a responsabilidade da fama que foi ganhando nos últimos 25 anos. Que a assuma e se apresente no ringue no qual combatem os mais fortes. Pelo menos isso.