HAMBURGO – Pirro, rei de Epiro e da Macedónia, cujo exército sofreu perdas irreparáveis depois da vitória sobre os romanos na Batalha de Heracleia, respondeu a um indivíduo que o engrandecia pelo triunfo: «Outra vitória como esta e ficarei completamente arruinado». Ora, estamos como Pirro: uma nova vitória como a de Frankfurt, frente à Eslovénia, e estaremos totalmente perdidos. Porque, decididamente, não podemos jogar assim, amanhã, aqui em Hamburgo, frente à França. Faltou muita coisa que agora não pode faltar. Sobretudo rasgo, coragem e criatividade. Fomos uma equipa redondinha, sem arestas, de futebolzinho curto e entregue a arrancadas sobretudo individuais e que deram com os burrinhos na água. De cada vez que Leão imprimia velocidade pelo lado esquerdo, os companheiros ficavam incompreensivelmente para trás deixando-o entregue à sua sorte individual. Bruno Fernandes, Bernardo Silva e Vitinha, a quem foi entregue a missão de criarem jogo, tornaram-se repetitivos num excesso de passes para o lado e para trás. João Palhinha ofereceu músculo no centro do terreno mas não ofereceu soluções, nem sequer na área nos lances de bola parada ofensivos. Ronaldo andou perdido numa luta inglória contra os anos que passaram e não voltam mais. Portugal sujeitou-se a uma eliminação dolorosa porque perante uma equipa globalmente inferior que conseguiu disfarçar essa inferioridade e obrigou Diogo Costa a ser decisivo. Não, não será assim com a França.
A vez de Roberto Martinez
Dirá, quem me lê, que até uma vitória à Pirro será boa amanhã, aqui em Hamburgo. Não desmentirei tal ideia, embora ela de certa forma nos apequene. A França é, em praticamente todos os capítulos de jogo, uma seleção superior à nossa. Além disso forma um bloco muito complicado de vergar. Verdade que ainda não mostrou as suas potencialidades e que, no geral, está a percorrer o seu caminho através de triunfos curtos. E que Griezmann e Mbappé ainda não se mostraram neste Europeu à altura que lhes é devida. Estaremos todos curiosos para perceber como Roberto Martinez irá preparar a sua equipa para este que será, desde que é selecionar nacional, o primeiro jogo em que se debate com um adversário melhor, pois até ao momento só se viu confrontado com equipas fracas ou, quanto muito, razoáveis. Parece já ter interiorizado que estamos mais confortáveis com uma defesa a quatro do que a três, mas fica a dúvida se o medo tomará conta dele e ponha em prática o que seria uma defesa a cinco. E que solução terá para, com dois centrais que não são propriamente velocistas, controlar a velocidade de ponta do «sprinter» que é Kylian Mbappé?
Até ao momento, tem cabido a Portugal marcar o ritmo do jogo. Até nos momentos em que esse ritmo foi pastoso e sem objetivo claro se não o de manter a posse de bola a todo o custo. Espera-se agora uma França a fazê-lo, cabendo-nos uma posição de expectativa. Ainda não nos vimos, no reinado de Martinez, nesses assados. Algo de novo ser-nos-á apresentado, portanto. E há, pelo caminho, várias questões a resolver, a começar pela insistência de Ronaldo ser o protagonista de tudo e de mais alguma coisa sobre o relvado, deixando para todos os companheiros papéis secundários. Pois bem, esse é um problema a meu ver irresolúvel porque se prende com a idiossincrasia do capitão da seleção nacional. Não é aos 39 anos, com as restrições próprias desses 39 anos, que Cristiano Ronaldo vai alterar o seu comportamento e resistir à necessidade de estar no centro de todas as atenções. E, assim sendo, que liberdade terão os melhores jogadores da equipa, aqueles a quem cabe dar o toque de criatividade que tem, evidentemente, faltado ao conjunto de Martinez? E a coragem? Que é feito da coragem? Se mostrámos um medo redutor frente à Eslovénia, continuamente preocupados com os estragos que o seu contra-ataque poderia provocar, como não prever que a França nos apavore? Outro problema irresolúvel, quanto a mim, porque amarrado às ideias de um treinador que está sobretudo preocupado em não perder e que é avesso a correr riscos.
Estamos a um passo das meias-finais deste Campeonato da Europa, mas ergue-se à nossa frente uma barreira aparentemente intransponível até porque a única vitória oficial que temos frente à França é a daquela noite mágica e ao mesmo tempo estranha de Saint-Denis em 2016. Aí deixámo-nos ficar à espera e à espera e à espera até que o pontapé de Éder abriu às escâncaras as torrentes da nossa maior alegria. Amanhã, estou certo, precisaremos mais do que isso. A passividade não nos irá garantir nenhuma vitória, nem à Pirro. Mesmo que nos sintamos seguros se a decisão for parar às grandes penalidades. Seria, no entanto, um desperdício aceitar de bom grado que Diogo Costa se torne, jogo após jogo, no melhor de Portugal. E uma assunção de que somos demasiado pequenos para estar aqui até ao fim.