História. Religião, sexo, droga e rock and roll

Os festivais são hoje um dos cartazes do verão, realizando-se um pouco por todo o mundo. Mas a sua história começa na Antiguidade, explodindo no século XX com o Woodstock.

Os festivais de música são hoje eventos culturais de grande importância, atraindo multidões e promovendo a diversidade musical em todo o mundo, além de mexer enormemente com a economia dos países. No entanto, a História destes eventos remonta a tempos antigos, onde a música e a celebração já andavam de mãos dadas. A origem dos primeiros festivais de música revela uma profunda conexão entre arte, religião e comunidade. Por exemplo, os primeiros festivais de música conhecidos surgiram na Antiguidade, em diversas culturas, como os festivais gregos. As Dionísias, dedicadas ao deus Dionísio, datam de cerca de 500 a.C. e eram marcadas por competições musicais e teatrais, onde os participantes juntavam-se em coros e danças, celebrando a vida e a fertilidade. As festas eram acompanhadas por instrumentos musicais como a lira, a cítara e o aulos. Na Idade Média, os festivais religiosos, como as celebrações do Natal e da Páscoa, incluíam hinos e corais, muitas vezes realizados em igrejas e catedrais. Estes eventos tinham o objetivo de educar a população sobre os preceitos religiosos, além de proporcionar momentos de união. Durante este período, surgiram também as festas profanas, como os festivais de colheita e os mercados sazonais, que contavam com músicos ambulantes e trovadores.

Já no Renascimento, em Itália, os festivais carnavalescos, como o famoso Carnaval de Veneza, incluíam elaboradas apresentações musicais e teatrais. A música instrumental ganhou destaque, com compositores a criar obras para festas e celebrações públicas. No período Barroco, os festivais de música ganharam ainda mais importância com a ascensão das cortes europeias. Festas e celebrações patrocinadas por nobres e monarcas exibiam a opulência e o poder através de grandiosos espectáculos musicais. Óperas e concertos tornaram-se parte central desses eventos.

Com o advento da Era Moderna e a Revolução Industrial, os festivais de música começaram a democratizar-se, alcançando um público mais amplo. O século XIX viu o surgimento de grandes eventos musicais ao ar livre, como os Proms em Londres, que continuam a ser uma tradição até hoje. O século XX, porém, marcou a verdadeira explosão dos festivais de música como os conhecemos. Eventos como o Woodstock (1969) nos Estados Unidos e o Festival de Glastonbury (1970) no Reino Unido simbolizaram a cultura da juventude e a contracultura, promovendo não apenas a música, mas também valores de paz, amor e liberdade.

O primeiro Woodstock, realizado entre 15 e 18 de agosto de 1969, em Bethel, Nova Iorque, reuniu cerca de 400 mil pessoas e tornou-se um símbolo da contracultura dos anos 60 e do movimento hippie. No entanto, além das lendárias performances musicais, o Woodstock de 1969 também foi palco de várias histórias curiosas e incidentes. A infraestrutura do local não estava preparada para o enorme afluxo de pessoas, resultando em falta de comida, água e instalações sanitárias. As estradas para Bethel ficaram congestionadas e muitos festivaleiros tiveram de abandonar os seus carros e caminhar vários quilómetros até ao local do festival. Entre as muitas histórias que emergiram da primeira edição do Woodstock, sabe-se que pelo menos duas mulheres deram à luz durante o mesmo. Uma delas entrou em trabalho de parto num helicóptero enquanto era transportada para um hospital. Em contrapartida, relatos de abortos – que dizem ter sido espontâneos – também surgiram, embora não haja confirmação oficial do número exato. O uso de substâncias como LSD era generalizado. Houve várias overdoses, com os participantes a serem socorridos em instalações médicas improvisadas. Duas mortes foram confirmadas: uma por overdose de heroína e outra por acidente, onde um participante foi atropelado por um trator enquanto dormia num saco-cama.

Já o Glastonbury, conhecido hoje como um dos maiores e mais icónicos, teve a sua primeira edição realizada a 19 de setembro de 1970. Michael Eavis, um fazendeiro local em Pilton, Somerset, inspirou-se para criar o festival após ter assistido a um concerto de Led Zeppelin. Motivado pela experiência, Eavis decidiu organizar um festival na sua própria fazenda, com a intenção de promover a música e a convivência pacífica. O evento contou com um palco simples montado na fazenda Worthy Farm, de Eavis. A entrada custava apenas uma libra, que dava direito a uma garrafa de leite grátis, proveniente da própria fazenda. Apesar da organização simples, o festival atraiu aproximadamente 1.500 pessoas, um número modesto em comparação com o dos eventos subsequentes, mas significativo para uma estreia. A primeira edição do Glastonbury estabeleceu as bases para o crescimento e a evolução do evento ao longo das décadas. Hoje, o festival é conhecido pela sua diversidade musical, as suas instalações impressionantes e o seu compromisso com causas sociais e ambientais.

Também temos exemplos de grandes festivais que surgiram posteriormente. O Festival de Música e Artes de Coachella Valley, mais conhecido como Coachella, é um dos eventos musicais mais influentes e populares atualmente. Realizado anualmente no Empire Polo Club em Indio, Califórnia, atrai multidões de fãs de música, moda e cultura. Desde a sua primeira edição em 1999, o Coachella estabeleceu-se como um marco na cena musical e cultural contemporânea. A ideia do Coachella nasceu na mente de Paul Tollett, co-fundador da Goldenvoice, uma empresa promotora de eventos. Inspirado por um concerto da banda Pearl Jam no Empire Polo Club em 1993, Tollett visualizou um festival de música em grande escala no deserto da Califórnia. Com essa visão, ele e Rick Van Santen lançaram a primeira edição do festival nos dias 9 e 10 de outubro de 1999. Esta contou com uma programação diversificada, incluindo artistas como Beck, Rage Against the Machine e Tool. Mas houve prejuízo financeiro para os organizadores. No entanto, hoje, o seu impacto económico na região de Indio e no Vale de Coachella é substancial. O festival gera milhões de dólares em receita, beneficiando negócios locais, hotéis e restaurantes. Além disso, Coachella cria milhares de empregos temporários durante a temporada do festival.

Em território nacional, quando se fala na celebração da música, não se pode esquecer de Vilar de Mouros. Conhecido como o “Woodstock português,“ teve a sua primeira edição oficial em 1971 e é um marco na História dos festivais em Portugal. Realizado na pequena aldeia de Vilar de Mouros, no norte do país, este evento foi pioneiro na introdução da cultura dos festivais de rock em Portugal, deixando um legado duradouro na cena musical do país. Estima-se que a primeira edição do evento tenha atraído entre 15 mil e 20 mil pessoas, um número significativo considerando o contexto político e social da época. O concerto mais ansiado foi o de Elton John, um dos artistas internacionais mais proeminentes que se apresentou no festival e que, sem dúvida, ajudou a atrair atenção e também concedeu legitimidade ao festival. Depois, é o que se sabe. Portugal tornou-se um país de festivais, uns mais fortes do que os outros.