Um erro colossal?

Diz-se que Alcochete é uma ‘solução definitiva’, enquanto outras (como a ‘Portela+1’) seria um remendo, uma solução a prazo. Pois é exatamente a palavra ‘definitiva’ que me assusta.

O facto de ser arquiteto faz com que as obras públicas sempre me tenham atraído. Envolvi-me na polémica sobre o CCB, que apoiei desde o início, e defendi o elevador para o castelo de S. Jorge, proposto por João Soares. A minha tendência seria, pois, olhar com simpatia a construção do novo aeroporto de Lisboa, previsto para Alcochete. 

Acontece que uma coisa é falar de um edifício ou de uma estrutura que podem marcar uma zona localizada de uma cidade, outra é falar de um novo aeroporto que condicionará de modo decisivo o futuro de um país. Neste caso, um cálculo mal feito, uma avaliação errada, podem ter um impacto tremendo para sempre. 

Devo dizer que a argumentação expendida para defender Alcochete não me convenceu completamente. 

Comecemos pela questão central. 

Diz-se que Alcochete é uma ‘solução definitiva’, enquanto outras (como a ‘Portela+1’) seria um remendo, uma solução a prazo.

Pois é exatamente a palavra ‘definitiva’ que me assusta. Uma vez concretizada, não há remédio. Qualquer que seja a evolução dos tempos, a evolução do turismo, a evolução do próprio tráfego aéreo, aquele monstro ficará ali, inamovível. 

Mas vamos ao concreto.

Alcochete destina-se a substituir o atual aeroporto da Portela. Ora, queremos mesmo abandonar a Portela? Para quê? Para construir mais uma urbanização? Não é verdade que a Portela representa uma poderosa mais-valia pela sua localização junto à capital do país? Haverá algum agente turístico que não prefira um aeroporto próximo da cidade de destino? Vamos perder essa vantagem?

Sucede que, se a Portela se mantiver, Alcochete perderá em boa parte o sentido, pois não haverá tráfego que o justifique. Se não destruirmos a Portela, o projeto de Alcochete será desnecessário.

Dizem os detratores da Portela que esta representa um enorme risco, exatamente pela sua localização encostada a Lisboa.

Mas não conhecemos pelo mundo fora aeroportos encostados a grandes cidades? Aterrei em Hong-Kong no meio de arranha-céus. E que dizer dos aeroportos de Nice, Birmingham ou Frankfurt, todos a menos de 10 minutos de autocarro do centro das cidades? Vão encerrá-los? 

Mais: mesmo que construíssemos um aeroporto no meio do deserto, dentro de poucos anos estaria rodeado de uma quantidade enorme de edifícios que um aeroporto necessariamente atrai, no meio de uma pequena cidade, como se tem visto noutros locais.

O problema é, pois, uma falácia.

Em segundo lugar vem a questão do fluxo de passageiros. 

O aeroporto de Alcochete foi calculado para um crescimento contínuo daquele fluxo. Mas isso acontecerá? Num excelente artigo publicado neste jornal, Rui Moreira chamava a atenção para uma evidência: a cidade de Lisboa começa a ficar saturada de turistas. Arrisca-se a perder a identidade, ou seja, aquilo que a torna diferente e atraente. Também o El Pais falava por estes dias do mesmo tema. Os turistas podem matar o turismo. Vamos continuar a meter gente dentro de Lisboa? Não teremos de diversificar os destinos? 

Portugal está recheado de centros de interesse. Temos a cidade do Porto, que é cada vez mais valorizada e convive com uma joia paisagística mundial: a região do Douro. Temos um interior com um património riquíssimo, que queremos potenciar, e pode dinamizar o aeroporto de Beja. E para diversificar os destinos ainda temos Faro, evidentemente. E a Madeira, Porto Santo, Ponta Delgada. Para um país tão pequeno, não serão alternativas razoáveis? Para quê concentrar todo o tráfego na capital?

Em terceiro lugar há que pensar no investimento. Além do financiamento do aeroporto, será necessário construir uma 3ª ponte em Lisboa e uma linha de TGV. Tal custará cerca de 15 mil milhões de euros, numa perspetiva otimista. O país terá condições para o fazer? Não assumiremos compromissos financeiros insustentáveis, que poderão não ter o devido retorno? Uma economia que está estrangulada de dívidas pode continuar a endividar-se à bruta? 

Juntando tudo isto, em vez de nos atirarmos a uma obra megalómana, que condicionará tremendamente o futuro, não será mais inteligente adotarmos uma solução elástica, que possa ir-se adaptando à realidade, que não seja ‘definitiva’ mas ‘evolutiva’, e que não desperdice aquilo que existe?

Não deveremos ser mais modestos e aproveitarmos bem o que temos — a Portela –, e complementá-la com uma alternativa razoável (sendo o Montijo a solução mais óbvia)? 

Não será isto muito mais aconselhável, tendo em conta a nossa dimensão e a nossa situação?

E não nos esqueçamos que a dois passos de Lisboa ainda temos Tires, que está muito desaproveitado e aguenta aviões de média dimensão.

Meditemos nisto: a construção de Alcochete pode vir a revelar-se um erro colossal – e irremediável. Se um edifício construído no sítio errado pode ser demolido, um aeroporto fica para sempre.