A vitória da extrema-esquerda em França, à qual o Partido Socialista e os Verdes se aliaram, merece uma atenta reflexão. Não vou comentar as motivações dos eleitores, pois não tenho competência para isso; se às vezes já me é difícil explicar o voto dos portugueses, como poderia fazê-lo em relação a estrangeiros? Apenas me interessa notar o seguinte: deu-se uma aliança entre partidos que nada têm que ver uns com os outros, e que não poderão formar um Governo minimamente estável e coerente, com o único fim de impedirem a vitória do partido de Marine Le Pen.
As esquerdas não se uniram pela positiva, a favor de uma ideia ou de um programa – uniram-se pela negativa, contra uma pessoa e um partido.
Ora, isto será correto e até legítimo?
Recorde-se que situação semelhante tinha acontecido recentemente em Espanha, quando partidos radicalmente diferentes, até alguns independentistas, se juntaram para impedir a chegada da direita ao poder.
O sistema parlamentar está a ser usado indevidamente. Direi mesmo: está a ser usado abusivamente. Formam-se coligações espúrias, contranatura, não para construir mas para bloquear. A Europa está a entrar num buraco negro.
E isto reforça aquilo que venho a dizer há algum tempo: o sistema eleitoral tem de mudar.
Em toda a Europa, incluindo Portugal.
Há que passar de um sistema proporcional para um sistema maioritário.
Portugal, na prática, está ingovernável.
Escrevi-o já repetidas vezes – e cada vez há mais gente a entendê-lo.
O insuspeito prof. Cavaco Silva também o constatava recentemente, num artigo publicado no Expresso.
Basicamente, dizia que Portugal precisa de crescer, que isso só se conseguirá aumentando a produtividade e o investimento, que tal exige que se façam reformas, e estas só serão possíveis se houver uma base parlamentar maioritária.
Nesse sentido, colocava duas hipóteses: ou novas eleições ou um entendimento ao centro, com exclusão dos extremos.
Ora, ambas as hipóteses … não resolveriam nada.
Novas eleições (hipótese que Cavaco esclareceu depois não defender) deixariam tudo mais ou menos na mesma; e não podemos andar todos os seis meses a fazer eleições.
Por outro lado, um entendimento ao centro seria o rebuçado que André Ventura mais apreciaria: se o PS e o PSD chegassem a um acordo, deixariam todo o campo da direita aberto ao Chega.
Seria o melhor modo de Ventura chegar ao poder.
Ele até poderá conquistá-lo, mas não dessa forma.
O único caminho admissível é aquele que há meses venho a apontar (e que consegui de certa forma pôr na agenda, pois já ouço várias pessoas a falar do tema): uma reforma do sistema eleitoral. Em Inglaterra, como vimos, o Labour teve 33% dos votos e obteve uma maioria claríssima no Parlamento.
Ora, em França, o partido de Le Pen teve exatamente o mesmo resultado na 1.ª volta e acabou por perder as eleições.
Isto foi possível porque os ingleses têm um sistema que favorece as maiorias absolutas.
O sistema inglês baseia-se em círculos eleitorais pequenos (atualmente são 650), e em cada círculo só é eleito o candidato mais votado; os outros votos não servirão para nada – serão deitados fora.
Em alternativa, propus outro modelo, de eleição em 2 voltas.
Na 1.ª volta, os partidos concorrerão sozinhos, passando à 2.ª volta os dois mais votados. Na 2.ª volta, o vencedor terá automaticamente a maioria absoluta, sendo os restantes lugares distribuídos de acordo com as percentagens obtidas na 1.ª volta.
Claro que, se na 1.ª volta algum partido alcançar a maioria absoluta, a questão fica logo resolvida.
É um modelo simples e que mantém a proporcionalidade, embora oferecendo ao vencedor as condições necessárias para governar.
E que, além de favorecer a governabilidade, teria outra enorme virtude: evitaria as coligações negativas, as geringonças à portuguesa, etc.
Haveria sempre um partido responsável pela governação, não tendo de desvirtuar o seu programa nem de fazer concessões paralisantes.
Note-se que a Europa está sob uma gravíssima ameaça, não podendo dar-se ao luxo de ter governos frágeis, presos por arames, sem coerência nem capacidade para tomar decisões corajosas. Há, pois, que fazer qualquer coisa. E essa qualquer coisa é a reforma do sistema eleitoral no sentido de permitir ao partido vencedor das eleições que efetivamente governe. Se este sistema já vigorasse em França, o Rassemblement estaria hoje no Governo, como o Labour está no Governo do Reino Unido.
E que mal haveria nisso?
A democracia acabaria?
Não é verdade que os mercados receberam bem os resultados da 1.ª volta em que o partido de Le Pen venceu?
Não seria uma oportunidade de haver uma alternativa às políticas seguidas nos últimos anos pelo centro-esquerda e pelo centro-direita, que têm provocado grande insatisfação?
E os partidos que se aliaram pela negativa terão condições para oferecer ao país um governo pela positiva, coerente e firme, de que a França tanto necessita?
Acreditem: se os países europeus não mudarem o sistema eleitoral, teremos na Europa governos cada vez mais débeis e anacrónicos, incapazes de resistir a ameaças externas.
E escrevo-o com toda a convicção, ciente de que ao longo da minha vida, na análise política, tenho tido muitas vezes razão antes de tempo..