Quem fez o favor de me ler na passada semana recordar-se-á do meu pessimismo relativamente à recuperação do ‘atraso português’. Nem de propósito, o Governo, na pessoa do ministro da Economia (ME), anunciou o programa ‘Acelerar a Economia’ com o qual pretende contribuir para colocar o país numa senda de crescimento mais rápido e sustentável. Dir-se-ia, portanto, que desapareceu o motivo do meu pessimismo. Nem por isso! Por um lado, a história ensina-nos que a distância entre o que se coloca no papel e aquilo que se leva à prática pode ser enorme. Por outro, a maioria das 60 medidas propostas são tão vagamente apresentadas que não sei o que delas pensar. Por exemplo como concordar ou discordar de algo apenas descrito como ‘Indústria 2045’ (28) ou ‘Lançamento do programa da Economia da Defesa’ (30)? Faltam ao programa do ME detalhes cruciais como sejam, o custo das medidas propostas e os resultados que se espera com elas alcançar. Como se avalia o seu sucesso? Quanto é que o ME estima que o seu programa acrescentará à taxa de crescimento do PIB potencial, pois é isto que ‘acelerar’ significa? A ‘evidence based policy’ também parece ter estado ausente na elaboração de algumas medidas. Por exemplo, medidas emblemáticas como o ‘Apoio à contratação de doutorandos pelas empresas’ (18) ou o ‘Novo regime de atração de talento’ (10) já existem em moldes mais ou menos similares. Que sucesso tiveram? Quantos doutorandos foram contratados? Qual o seu impacto nas empresas? Quantos talentos foram atraídos pelo anterior regime de benefícios fiscais para não residentes? Quantas empregos criaram? Que diferença fizeram?
À esquerda fizeram-se ouvir, de presto, dois tipos de críticas, que não acompanho. Uma é que o programa do Governo é um ‘bodo aos ricos’, certamente pela redução do IRC (1 e 2) e pela dedução fiscal para mais valias e dividendos reinvestidos (8). Esta é uma crítica de quem confunde ‘incidência legal’ com ‘incidência económica’ de um imposto e de quem prefere ignorar que sem empresas bem capitalizadas não existem bons empregos. O segundo tipo de críticas refere que o programa do Governo contém essencialmente ‘medidas transversais’ e poucas, ou nenhuma, de natureza ‘vertical’, dirigidas especificamente a este ou aquele setor ou empresa. Estas críticas refletem o enamoramento do Partido Socialista com a ‘política industrial’, vulgo ‘escolha de campeões’. Fez bem o Governo em evitar esta tentação pois a história mostra que, por cada ‘escolha acertada’, existe uma multidão de intervenções de política industrial que não produziram os efeitos desejados (e que, não obstante, perduraram qual zombies onerosos).
Uma exceção à opção pela transversalidade é o setor do turismo, ao qual o programa do ME dedica 17 das suas 60 medidas. Compreendo mal o destaque dado a um setor que gera já 9% do valor acrescentado bruto nacional e que, portanto, dificilmente se poderá considerar nascente ou incipiente. Não quero argumentar com as externalidades negativas para o ambiente e urbanismo ou com as distorções que induz no mercado da habitação. Direi apenas que, sendo o aumento da taxa de crescimento da produtividade a chave para ‘acelerar a economia’, entendo mal o papel de ‘navio-almirante’ (Pedro Reis dixit) conferido a um setor onde a produtividade é naturalmente baixa e difícil de aumentar.
‘Acelerar a Economia’ é crítico para melhorar o bem-estar coletivo e enriquecer o país, e o Governo merece aplausos só por ter articulado esse objetivo sem tibiezas. Estou convencido que muitas das medidas propostas não passarão de intenções e que muitas outras são um desperdício de tempo e recursos. Mas o programa terá valido a pena se conseguir reduzir as taxas de IRC o que, dado tempo, incentivará o investimento em capital, o aumento da produtividade e dos salários.