matuto = diz-se de quem vive no mato e a quem falta traquejo social; caipira; matreiro.
O verbo matutar, significa meditar ou ponderar.
O Matuto não é muito amigo de frango assado. Na verdade, o Matuto tem uma relação arrevessada com qualquer forma culinária do bicho alado. Pode ser frango empanado, ao molho pardo, de cabidela, na púcara, com piri-piri, à passarinho ou envolvido em caril. De todos eles, o Matuto mantém uma distância desconfiada. Todavia, o Matuto constata que frango assado é iguaria assídua à mesa dos Brasileiros. E… assegura o Matuto, especialmente aos domingos. Os rituais manducantes de domingo reivindicam a presença do bicho. Por exemplo, na célebre macarronada. A gentil esposa do Matuto, Dona Sirlei, lembra-se da macarronada da sua avó Francesa. Era uma travessa imensa de esparguete que dava para umas 15 pessoas. Empoleirado no centro da macarronada estava o molho de tomate, onde adejava o frango assado. A angústia infantil de Dona Sirlei era o molho de tomate e o frango acabarem antes dela ser servida. Ninguém merece massa seca. Apre! O molho e o frango eram essenciais. E falando em frango, há um outro ritual que o Matuto observa aos domingos: o frango assado que se compra na rotisserie. O acontecimento tem vários passos: o primeiro tem a ver com o aroma que toma de assalto os passeios (calçada, no Brasil, por favor). A seguir vêm as filas (bichas, em Portugal, por favor). O Brasileiro não é muito dado a filas. O “fura filas” é uma criatura habitual em qualquer espaço público que exija alguma ordem de serviço. Tudo bem, adiante! O Matuto fica assombrado com o ritual do frango de domingo que culmina na escolha criteriosa da ave que roda no espeto, dourando, à espera dum cliente simpático que a tire daqueles preparos. Convenhamos, é triste a vida de frango que acaba espetado à vista de todos, numa máquina eléctrica que parece uma televisão de cães (cachorro, no Brasil, por favor)! Aff! O ritual de domingo.
Mas voltando à vaca fria… neste caso ao frango! O Matuto insiste que a sociologia do frango na alma Brasileira é incontornável. Há toda uma sinfonia de cacarejos, à espera de verem a luz do dia. Clarinadas matinais embrulhadas em sonhos e projectos de vida. O Brasileiro adora um bom frango assado. Na verdade, Frango Assado, é precisamente o nome duma rede multimilionária de restaurantes à beira das estradas no Brasil. O Matuto está em condições de asseverar que tudo terá iniciado com José e Rosa Mamprin, emigrantes Italianos, que começaram a vender o excedente de produtos cultivados na sua quinta (sítio, no Brasil, por favor). Em 1952, o casal abriu uma pequena banca de frutas à beira da recém-inaugurada Rodovia Anhanguera, estrada que liga a capital Paulista ao interior do Estado. Além das frutas, oferecia-se sanduíches de linguiça, de pernil e carne de vaca, e os chamados coscorões (torresmos). Mas, foi outro petisco que atraiu os clientes. Dona Rosa costumava preparar, aos domingos, um maravilhoso frango assado para o almoço da família. Os clientes sentiam o cheiro e perguntavam se o prato estava à venda. Rapidamente, o negócio mudou de foco e o resto é história. O domingo e o frango mais uma vez! Parelha imbatível.
O Matuto relembra uma história deliciosa que o poeta Brasileiro Ferreira Gullar, conta num dos seus livros. O Matuto tem a história como verdadeira. Nos tempos de juventude frugal, o poeta, almoçava durante a semana em restaurantes de preço popular. O dilema estava nos domingos porque nesse dia os restaurantes fechavam. Vai daí, o poeta e seus amigos descobriram um restaurante chinês na Lapa, centro da cidade de São Paulo que servia frango com arroz. Precisamente aos domingos. Assim sem rodeios: frango com arroz. Conta Ferreira Gullar que o frango “restaurou a perdida dignidade dos domingos” e era com outra alma que enfrentavam o fim se semana. Muito antes da hora marcada para a refeição os comensais ajeitavam-se para o repasto. E, finalmente, lá vinha o famoso frango com arroz, em pratos fumegantes, servido inexplicavelmente a 5 reais (cerca de 1 Euro). Não dava nem 15 minutos e já se ouvia a voz irónica do garçom: “Acabou o Frango Tite. Agora só sopa de entulho”. O “Frango Tite” … matutava Ferreira Gullar. Porquê “Frango Tite” – perguntava-se o poeta. Partilhou as suas inquirições com os colegas, mas ninguém sabia o porquê do frango se chamar “Tite”. Um dia o poeta deparou-se na rua com o garçom do restaurante, e fez-lhe a pergunta: “porque é que o frango se chama “Tite”. Aí, o garçom pacientemente explicou. O senhor Shio, dono do restaurante, faz as compras todos os domingos na feira do Largo da Glória. Os frangos e galinhas são trazidos em camiões engradados, machucam-se na viagem e alguns chegam na feira morre que não morre. O senhor Shio, sabendo disso, vai logo perguntando para os feirantes: “Tem galinha tite? Tem galinha tite?” Ele quer averiguar se tem “galinha triste” galinha que já está mais para lá do que para cá. Assim ele compra tudo o que é “galinha triste”, na feira. Umas estão apenas “tristes”, outras já morreram de tristeza, mas o chinês compra assim mesmo. E justificava: “Vai moler memo!” – relata o garçom, soltando uma gargalhada. O poeta também ria, mas sem achar muita graça. Dentro de meu estômago, acabara de se converter em tristeza a euforia de tantas refeições dominicais, a 5 Reais. A partir desse momento Ferreira Gullar diz que ficou fã da sopa de entulho!
Por isso nunca fiando – avisa o Matuto. É possível comer ‘frango tite’ em qualquer restaurante desta vida. Tem muita gente a fazer terapia por menos – pondera o Matuto.