Publicidade. Anos de evolução das marcas

Uma coisa é certa: não se faz hoje a mesma publicidade que se fazia há 20, 30 ou 50 anos. O mundo mudou, a tecnologia chegou e isso não é necessariamente mau. As marcas reinventaram-se, adaptaram-se aos novos tempos e a realidade hoje é  diferente. Mas não totalmente.

Estamos em 2024 mas ainda nos lembramos do famoso ‘tou xim’, do ‘papa a papa’, do ‘está na hora da caminha’, do ‘bic bic bic’ ou até, dependendo da faixa etária, do anúncio do restaurador Olex ou das peúgas C.D. Os anos passam mas estes e tantos outros anúncios – como os que deixamos nestas páginas – são intemporais. Muito provavelmente, aos dias de hoje, alguns não seriam aceitáveis, outros seriam bem diferentes mas sem perder a sua essência. Vejamos o caso do ‘Bom dia com Mokambo’ que teve várias versões ao longos dos anos, mais atualizadas.

Mas a forma de se fazer publicidade hoje em dia é assim tão diferente do que se fazia há 20, 30 ou 50 anos? O que mudou? Ao i, Carlos Coelho, especialista em criação e gestão de marcas, defende que “antigamente as marcas falavam pouco, tinham uma mensagem única e repetiam-na muitas vezes”. Olhando para os dias de hoje, defende, “os diversos canais, nomeadamente as redes sociais, fizeram com que as marcas se sentissem na obrigação de falar muitas vezes”. Quer isto dizer que passámos de “uma comunicação, de alguma maneira unidirecional, tinha um emissor, um recetor e uma mensagem, procurando expressar aquilo que se chamava unique selling proposition, uma proposta de venda, para hoje ser mais uma conversa onde a marca vai envolvendo o seu público, mostrando as suas diversas preocupações, as suas vantagens. É uma diferença fundamental”.

Já Bruno Ribeiro, Senior Manager Interactive na Accenture Portugal, diz ao nosso jornal que, afinal, “não mudou assim tanto”. E explica: “Há sempre uma relação muito grande entre a publicidade e o contexto. O contexto é o contexto comercial onde as marcas habitam”, detalhando ser “diferente ter que se comunicar num mercado onde há 20 marcas com uma oferta igual ou estar a comunicar perante uma base que não tem outra oferta”. Na opinião de Bruno Ribeiro, “são realidades muito diferentes mas a comunicação comercial – em vez de anúncios – está sempre relacionada com o contexto”, sendo por isso, “muito normal nestes exercícios de têmpora, que saiam muitas coisas que hoje em dia podem não fazer sentido para a época em que estamos”.

Os anúncios polémicos de antigamente

É certo que há publicidades que serão sempre intemporais e outras que – sabemo-lo principalmente pela forma como a sociedade evoluiu – nunca seriam aceites. O caso mais conhecido será, talvez, o do restaurador Olex. A frase ecoa ainda na cabeça de muitos: “Um preto de cabeleira loira ou um branco de carapinha não é natural. O que é natural e fica bem é cada um usar o cabelo com que nasceu. Usando diariamente o Restaurador Olex dá ao seu cabelo a sua cor primitiva”.

Mas seria que hoje, numa altura em que a linguagem woke tem tanto peso, uma frase destas seria permitida? E, se olharmos com atenção, não é o único.

Vivemos também numa altura em que o body shaming é uma realidade e em que a mulher tenta – e felizmente vai conseguindo – emancipar-se. Trazemos dois anúncios a este tema. Todos nos lembramos da Trinaranjus e do homem que só conseguia ver os seios da Sónia. Além disso, existem anúncios – já mais difíceis de encontrar – da Compal Light que parecem desprezar o corpo feminino mais ‘cheio’.

Carlos Coelho não tem dúvidas que “vivemos outra espécie de censura” nos dias de hoje. “Vivemos a censura do politicamente correto outra vez, mas noutras coisas. Há uma liberdade relativa em relação a certas temáticas. Aquilo que não é repetível é acreditar que uma mensagem simples, simplicista, repetida muitas vezes, é o suficiente para envolver o consumidor. Que era muito aquilo que acontecia no passado”.

Hoje, defende, as coisas são diferentes. “Achamos muita graça a esses clássicos mas dificilmente eles teriam impacto hoje se fossem feitos da mesma forma”.

Por sua vez, Bruno Ribeiro adianta que, se repararmos, “para se perceber o que é a evolução cultural do século passado, é olharmos para a publicidade que foi feita e como evoluiu”. O responsável explica que, além da questão cultural – “que considero a mais importante porque pela questão cultural percebemos quem são as pessoas, como se comportam, quais são as suas expectativas, quais as suas necessidades” – há outro fator “muito importante que é a questão da tecnologia e, concretamente no caso da publicidade, da fragmentação dos meios. Quando falamos dos anúncios do restaurador Olex, por exemplo, é uma altura em que a televisão é um meio completamente dominante. Quem está na televisão é porque tem poder – leia-se, financeiro – e até estatuto para poder estar na televisão”.

São, portanto, outros tempos e esta foi uma altura “em que havia um canal de televisão e o resto era basicamente imprensa e rádio. Não havia internet, não havia nada, os anúncios, sobretudo o spot televisivo, tinha um impacto social brutal. Era um conteúdo como hoje em dia, se calhar é uma série. Mal comparado mas do ponto de vista do impacto, é”, diz-nos Bruno Ribeiro.

Por isso, explica que para ser relevante, a comunicação comercial “tem que estar adaptada ao contexto”. “Mesmo quando retrata um contexto que não é real”, diz Bruno Ribeiro, lembrando que, em alguns casos, o turismo é exemplo disso. “Há várias campanhas e há vários momentos em que se retrata uma realidade que não existe, uma visão futurista. Um anúncio da época de 1984, que foi considerado um dos melhores anúncios de sempre, que é exatamente um retrato da sociedade com base naquela visão de 1984. Há sempre uma relação muito próxima. Quando se coloca a dúvida de que os anúncios que eram feitos antigamente, seriam mal vistos atualmente? Sem dúvida mas porque estão descontextualizados”, considera, comparando até a publicidade com os movimentos artísticos. “Dificilmente hoje se entenderiam os movimentos artísticos do século XVII ou XVIII no contexto em que vivemos hoje”.

Mas terá alguma coisa a ver com o politicamente correto? Serão mesmo, talvez, a mudança dos tempos. “Nos anos 60 e 70, temos a publicidade ao tabaco. Há um anúncio da Camel que diz que os médicos fumam. Há anúncios da Mariazinha, uma mercearia, em que anúncio diz “o seu marido bate-lhe mas com a nossa farinha vai ter muito mais resistência para aguentar””, começa por lembrar Bruno Ribeiro. Algo que hoje em dia, certamente não aconteceria. Até porque, podiam acabar com a reputação de uma marca. Mas o especialista da Accenture defende que, comunicações comerciais, aos dias de hoje, “não sairiam sequer”. “Uma ação de comunicação comercial pode lesar muito a comunicação de uma marca. Então quando o produto de alguma maneira não entrega o que se diz, complicado”, alerta o responsável.

Já Carlos Coelho diz que para acabar com a reputação, só algo do género do restaurador Olex. Outros serão mais inofensivos. “O anúncio da ‘Bic laranja escrita fina e bic cristal escrita normal’, esses que não têm nenhum contexto, não tem nada negativo… é mais inocente. Mas se pensarmos nesses anúncios todos, tinham uma certa inocência”, como é o caso do ‘bom dia com Mokambo’. “Havia muito essa coisa das marcas fazerem parte de uma certa aspiração, fazerem parte de um certo colorido que a televisão trazia. Hoje as marcas têm que continuar a fazer a mesma coisa mas com mais sofisticação. Sofisticação dos meios. Ser simples não é um defeito, é uma virtude. Mas simplicista já não dá”, diz Carlos Coelho.

Para melhor ou pior?

O i tentou ainda perceber junto do especialista Carlos Coelho se esta mudança na forma como as marcas se comunicam é atualmente melhor ou pior. “Acho difícil comparar porque são contextos diferentes. Havia muito menos marcas”, começa por dizer ao nosso jornal, recordando que estamos apenas a comparar o panorama português. E acrescenta: “Ainda hoje, se calhar, são conhecidos anúncios de marcas que algumas delas já nem existem. Havia poucos e, portanto, de alguma maneira as marcas tinham mais espaço para ocupar dentro da cabeça do consumidor”. Por isso, não acha que atualmente se faça melhor ou pior do que se fazia antes, apenas “é mais complexo”. E explica a sua opinião: “É mais complexa a equação, é mais de relação. É preciso estabelecer uma relação. No passado, um produto, como o restaurador Olex, tinha uma base muito simplicista. Era muito mais posicionamento e notoriedade. O que faço, o que não faço, sou conhecido ou não sou conhecido, como era visto na televisão”. Hoje as coisas não funcionam bem da mesma forma. “Hoje, enquanto consumidores somos impactados por muitas mensagens e as marcas têm que nos explicar muita coisa para que possamos ter uma relação. Têm que nos seduzir, têm que nos entreter, têm que nos dar promoções, têm que nos fazer agir numa série de quadrantes. Acho que genericamente se faz melhor”, defende.

Os slogans que não saem da cabeça

Melhor ou pior, há marcas que impactaram. E continuam a impactar mesmo que algumas até já não existam. Ainda hoje usa o ‘Vamos nessa, Vanessa’? E o ‘bla, bla, bla, Whiskas saquetas’?. E muito possivelmente sabe de onde vêm. O primeiro, de um anúncio da Paggio e o segundo, de uma marca de comida para gatos. E ‘aquela máquina’, usa? Possivelmente nem sabe que a expressão chegou através de um anúncio. Trata-se da Regisconta que diz que há sempre um homem com que pode contar: ‘O homem da Regisconta, aquela máquina’.

E não é a única expressão. ‘Há uma linha que separa’ era um anúncio da antiga ZON. A frase foi repetida por todos até à exaustão para falar sobre assuntos do dia-a-dia e, claro, ainda hoje se ouve. Soma-se ‘o que é Nacional é bom’, ‘o algodão não engana’ ou ‘apetecia-me tomar algo’, do ainda tão conhecido Ambrósio. O ‘falta-te um bocadinho assim’, dos iogurtes Danoninho, é outra das frases muito usadas nos dias de hoje. Frases que, imagine-se, passaram da publicidade para o dia-a-dia de todos apesar de hoje esses anúncios já não passarem nos ecrãs das nossas televisões. Muito menos das redes sociais.

Erros das marcas

O objetivo das marcas é, claro está, chegar ao maior número possível do seu público alvo e vender bem o seu produto. E, chegando a um grande número de pessoas quando fazem bem o seu trabalho, fá-lo-ão com o mesmo alcance quando o trabalho não corre assim tão bem. E o velho ditado ‘falem bem ou mal, o importante é que falem’, não serve para as marcas. E isto é óbvio: se forem mal faladas, não vendem.

Um dos casos mais recentes é da marca de cosméticos Primor que, no seguimento da Blue Monday, considerado o dia mais triste do ano, criou uma campanha que enviou para o email dos seus clientes com o seguinte título: “Manda para o caralh* o dia mais triste do ano”. E, ao contrário do que estamos a fazer neste texto, o email tinha as letras todas. Muitos foram apanhados de surpresa, alguns ficaram em choque e as críticas à marca dispararam. De tal forma, que apagou a campanha.

E da ANA Aeroportos, lembra-se? Há uns anos criou uma campanha que sugeria que os portugueses fossem passar férias fora do país, mais precisamente a França. O anúncio foi colocado no Algarve, no Aeroporto de Faro. “Foge da confusão algarvia e descansa em França”. O pé na argola deu tanta polémica que o Governo meteu-se ao barulho e o anúncio foi retirado.

Há mais barracas: não há muitos anos, o McDonald’s quis celebrar o dia das bruxas. E oferecia um gelado Sundae na compra de outro. “Sundae Bloody Sundae” era o nome da campanha. Problema? Era uma referência à música Sunday Bloody Sunday da banda U2 que recorda as vítimas do Domingo Sangrento na Irlanda do Norte. E é também preciso ter muita atenção aos erros ortográficos. Numa campanha referente ao dia da criança, a Olá criou uma promoção que dizia “ganhas-te um brinde da Olá!”. O correto é ganhaste. Claro que não passou despercebido.