A política americana, com o aproximar das eleições presidenciais, está de volta à ordem do dia mundial, ainda que nem sempre por bons motivos. O fraco debate do mês passado, a convulsão no seio do partido Democrata –que tenta uma alternativa ao frágil Joe Biden –, o atentado contra Donald Trump e a Convenção Nacional Republicana têm sido os principais pontos de análise e especulação da esfera pública internacional.
A tentativa de assassinato
Donald Trump, ex-Presidente e de novo candidato à presidência dos Estados Unidos, foi vítima de uma tentativa de assassinato no sábado passado. Enquanto discursava, apoiando-se num gráfico que servia de suporte visual para os seus apoiantes, na Pensilvânia, ouviram-se disparos que levaram o candidato republicano ao chão, agarrando-se à orelha que acabara de ser atingida. Ficou imediatamente evidente que não foi apenas uma queda, como reportou de forma incompreensível a CNN.
Trump foi rapidamente rodeado pela equipa de segurança dos Serviços Secretos e o que se sucedeu ficará marcado como um dos momentos mais icónicos da política americana recente. O republicano, de 78 anos, emergiu do escudo humano – violando o protocolo – de punho em riste e, com a cara ensanguentada, dirigiu-se aos apoiantes ainda em choque entoando de forma entusiástica a palavra «fight» (‘luta’). Foi, quiçá, o momento decisivo da campanha.
As tentativas de assassinato a Presidentes ou a candidatos presidenciais não é algo desconhecido na esfera pública americana. Entre os que foram mortalmente atingidos, encontram-se nomes como Abraham Lincoln, John F. Kennedy, James Garfield, William McKinley e Robert F. Kennedy – pai de RFK Jr., candidato a estas presidenciais a quem Joe Biden negou proteção oficial até ao que aconteceu na Pensilvânia. Por sua vez, e por uma questão de milímetros, Donald Trump juntou-se ao leque ligeiramente mais alargado de sobreviventes. Mas, com a sociedade americana a apresentar fraturas cada vez mais evidentes e profundas, um desfecho diferente poderia ter colocado a Land of the free à beira de um novo conflito civil.
Polarização e a queda de Biden
Porém, e se as sondagens já eram favoráveis ao republicano, é um episódio que o catapultará para a Sala Oval – percebendo isto, alguns opositores de Trump apressaram-se a criar e a aderir a teorias da conspiração ao defenderem que se tratou de uma mera encenação, ignorando o facto de que morreu um civil e outros dois ficaram feridos. É mais um indício da enorme fratura política e social, com o próprio New York Times a apresentar dados preocupantes no editorial de dia 13 de julho. Como pode ler-se no jornal americano, que faz referência a números obtidos pelo Projeto sobre Segurança e Ameaças de Chicago, 10% dos inquiridos concordam que o uso da força é justificável para impedir Trump de chegar à presidência, enquanto 7% acreditam que esse meio se justifica caso seja para reeleger o republicano. São os sintomas de um vírus chamado polarização.
Joe Biden, Presidente incumbente que tem recebido duras críticas por causa do estado das suas faculdades cognitivas, deslocou-se rapidamente da casa de férias para Washington, onde condenou de forma exemplar o ataque: «Não há espaço para a violência política na América. (…) Não podemos permitir que este tipo de violência seja normalizado». Porém, o 46.º Presidente tem vindo a repetir constantemente que Trump é o maior perigo para a democracia e que estava na hora de o colocar «no alvo». Declarações feitas antes do ataque, é certo, mas que podem ser responsáveis por minar a convivência democrática, como se tem verificado.
O democrata de 81 anos vê a reeleição cada vez mais longe, algo que ficou ainda mais em evidência após a prestação periclitante, até mesmo desastrosa, no debate do mês passado, levando o partido Democrata a tentar encontrar outra solução – algo que parece cada vez mais uma realidade, após nomes maiores do Partido, como Chuck Schumer e Nancy Pelosi, estarem a favor do afastamento do ainda Presidente, que anunciou, na quarta-feira, que testou positivo à covid-19.
O Congresso Republicano e o fim do reaganismo
Os acontecimentos de sábado foram responsáveis pela mudança de ambiente no Congresso Nacional Republicano que teve início apenas dois dias depois. O partido tem sofrido de fortes divergências internas – políticas e até filosóficas – entre o grupo mais afeto a Trump e uma ‘velha guarda’ herdeira do partido Republicano de Ronald Reagan.
O Congresso marcou um claro apoio ao agora candidato oficial, e verificou-se um renovado espírito de união – à exceção da picardia entre o representante Matt Gaetz, fervoroso apoiante de Trump, e o ex-speaker da Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy.
Destacou-se o discurso de Vivek Ramaswamy, adversário de Trump nas primárias do partido, que se apresentou no púlpito com um discurso curto, capaz de galvanizar o eleitorado republicano e, ao mesmo tempo, unificador. É uma importante aquisição para a entourage de Trump, que apareceu no Congresso com um penso a cobrir a orelha atingida.
Que Trump seria oficialmente escolhido como candidato republicano oficial era já um dado adquirido, com a dúvida apenas a recair na sua escolha para a vice-presidência.
Estavam em cima da mesa nomes como o do próprio Ramaswamy, Marco Rubio, Tim Scott, Tulsi Gabbard, JD Vance, entre outros.
O ex-Presidente optou pelo último, um senador pelo Estado de Ohio e que, como escreveu Philip Klein na sua coluna do National Review, representa mais um prego no caixão do republicanismo de Reagan. Isto porque se trata de um candidato que tem tendências económicas mais protecionistas e defende uma política externa menos musculada, posições adotadas também por Trump recentemente.
Ainda assim, pode tratar-se de uma escolha certa e perspicaz por vários motivos. Primeiro, porque é claramente contrastante em termos de idade – JD Vance tem 39 anos –, não só com a dos dois candidatos presidenciais, mas também com Kamala Harris, que cumprirá 60 anos em outubro. JD Vance é um político que representa uma América diferente da de Donald Trump, com raízes humildes e com uma infância complicada, circunstâncias que o levaram a escrever o seu famoso livro, bestseller por vários anos, Hillbilly Elegy, onde relata precisamente as dificuldades enquanto um jovem de Appalachia que acabaria por se formar em Direito na Universidade de Yale. Um exemplo do sonho americano.
Apesar de se ter classificado como opositor de Trump, converteu-se ao catolicismo e ao trumpismo, sarando feridas com o ex-Presidente que o apoiou na sua eleição para o Senado. É ainda uma das caras principais de uma nova vertente da direita americana: o pósliberalismo, que representa uma rotura com o sistema liberal reinante, onde as elites são substituídas por novas que melhor representem melhor os interesses populares, como explicou Patrick Deneen na sua obra Regime Change.
Vincadamente contra a política da administração Biden em relação à Ucrânia e acérrimo defensor da causa israelita, parece não ser apenas o par perfeito para Donald Trump na corrida à Casa Branca em 2024, como também o seu possível, e até natural, sucessor.