O fosso transatlântico

A competitividade da UE é muito mais do que uns milhares de euros nos bolsos de cada um

Cresce, cada vez mais fundo e largo, o fosso entre os Estados Unidos da América e a Europa Ocidental. Olhando para o lado de lá, surpreendem-me a violência civil, o conservadorismo reacionário, as guerras culturais lunáticas e a cada vez mais provável vitória do isolacionismo anti comércio. Não falo disso. O fosso a que me refiro é a cada vez maior divergência entre os EUA e a EU em termos de rendimento médio e de crescimento económico; os números são conhecidos e gritantes: o rendimento per capita (em ppc) da UE é apenas 2/3 do dos US quando há dez anos era 90%. 

Diferenças no produto per capita explicam-se por uma simples identidade: a proporção da população que trabalha; quantas horas trabalha quem o faz; quanto se produz por cada hora trabalhada (ou qualquer combinação dos três).

Acontece que os três fatores jogam a favor dos EUA. A população europeia é mais envelhecida, o que se traduz num maior ratio de dependência; também, a força de trabalho nos EUA continua a expandir-se enquanto que a europeia encolhe. Mas é demografia, pouco a fazer! No topo disto, em média, os americanos trabalham 1.811 horas por ano; isso é 15% a mais do que na UE, onde a média é de 1.571 horas (e as horas trabalhadas na Europa caíram desde a pandemia). Parte desta diferença reflete diferentes preferências por um estilo de vida mais relaxado e com maior equilíbrio trabalho-lazer. Isto é exógeno e respeitável! Mas, como o prémio Nobel Edward Prescott notou, o facto da tributação do rendimento (e, portanto, de trabalho) ser muito mais alta na Europa tem, certamente, um papel na explicação e essa não é exógena. Somando: a demografia e a oferta de trabalho comparam adversamente na Europa; resta a produtividade.

Todos o reconhecem que a UE tem um problema de produtividade. Segundo cálculos do FMI, os europeus produzem hoje quase 30% menos por hora trabalhada do que produziriam se a sua produtividade tivesse crescido à mesma taxa que a dos EUA desde 2000. Isto significa que, toda o resto igual, com um crescimento da produtividade idêntico ao americano rendimento médio da EU seria hoje superior em 18 mil dólares. 

Esta divergência de produtividade reflete vários outros fossos situados a montante. Por exemplo, um gap de inovação: a UE tem quase 5 vezes menos patentes de nível mundial em tecnologias digitais avançadas do que os USA (e 3 vezes menos dos de a China). Ou um gap científico: das 30 instituições universitárias de topo existe apenas uma da EU. Ou, um hiato de investimento em R&D, especialmente em IT: o investimento das 7 Magníficas americanas é cerca de metade de todo o investimento equivalente, público e privado, na Europa. A divergência de investimento em venture capital (VC) (que têm um importante papel em estimular e fortalecer o ecossistema de inovação) é também abissal: o investimento em VC na EU na última década foi 0,3% do GDP, 3 vezes menos do que nos USA. Ou, finalmente, a reduzida concentração do capital: as empresas europeias são demasiado pequenas (empresa com mais de 250 trabalhadores são responsáveis por 60% dos empregos privados nos USA, número que cai para 12% na EU). Não tenho espaço para discutir soluções. Diria apenas que aprofundar o mercado único de capitais, reduzindo a fragmentação (e regulação) existente nos mercados de capitais e nos sistemas financeiros europeus é um passo crucial.

A competitividade da UE é muito mais do que uns milhares de euros nos bolsos de cada um. Na defesa das nossas democracias e do nosso modo de vida, enfrentamos dois grandes desafios: cuidar da população envelhecida e libertarmo-nos da proteção militar americana. Ambos requerem um bolo comunitário muito maior; caso contrário esperam-nos escolhas dolorosas.