O Matuto e o Beijo

o Matuto desconfia que há por aí muita bochecha deprimida por se sentir des-beijada.

matuto = diz-se de quem vive no mato e a quem falta traquejo social; caipira; matreiro.
O verbo matutar, significa meditar ou ponderar.

O Matuto gosta de um bom beijo. Quem não gosta!? Aquele repenicar dos lábios. A língua a flanar -a passear ociosamente e sem rumo certo. Enfim! Adiante! O Matuto fez uma pesquisa relâmpago e descobriu que o beijo terá aparecido pelos lados do Oriente lá nos idos de 1200 AC. Foi Alexandre o Grande que tratou de espalhar o hábito lascivo por ambientes Ocidentais. Por onde as suas tropas iam levavam na bagagem um beijo. Tipo: se não me deixas conquistar-te, mato-te com um beijo! “Entre tapas e beijos” – como dizem aqui no Brasil – o beijo foi-se instalando na Roma antiga, com 3 variantes no latim: o osculum – precisamente a sugestão de saudação do Apóstolo Paulo quando escreve ao Romanos “saudai-vos com um beijo santo”. A palavra para beijo, nesta passagem, é phileo que significa amigo. É um beijo de amizade. Depois havia o basium – beijo dado entre um homem e uma mulher. E por último existia o savium – descrito pelo poeta Ovídio como “voluptuoso e vergonhoso”; outro poeta, Catulo, dizia que era “mais doce que ambrosia, o manjar dos deuses”. Deveria ser coisa de deixar qualquer um assarapantado! Mas, fora estas curiosidades wikipédicas, o Matuto tem alguma experiência in loco da coisa.

Quando chegou ao Brasil, o Matuto vinha com a rotina Lisboeta dos dois beijos nas faces tenras do interlocutor/a. Pois, mera ilusão! Chegado aqui o Matuto estendia a bochecha direita e recebia um suave “tchuak”. Reconfortado e confiante, estendia a outra bochecha para dar alguma simetria à saudação. Todavia, a bochecha ficava pendente no vazio. Abandonada. Desconcertada. Desprezada. Ignorada. Menosprezada. Repudiada. Rejeitada… Enquanto o/a dador/a do segundo “tchuak” se afastava sorrindo, com um airoso “oi”. O Matuto ficava com a bochecha à banda e totalmente desequilibrada. De cara capenga. Isto acontece na cidade do interior do Estado de São Paulo que tão generosamente acolheu o Matuto no seu seio. O Matuto sabe de fonte segura que os hábitos beijoqueiros noutros Estados deste imenso Brasil, são diferentes. Pelo que o Matuto vai escutando, no Rio de Janeiro, os Cariocas beijam de forma simétrica. Por lá as bochechas ficam devidamente osculadas. Viva a diversidade, a especiaria da vida – medita o Matuto.

Entretanto, o Matuto esclarece que no Brasil existem “beijos”, ao passo que em Portugal proliferam os “beijinhos”. Os conhecimentos antropológicos do Matuto são incipientes nesta área e desconhece a razão desta discrepância. No entanto o Matuto acha que tem a ver com o hábito que se vai instalando dos “beijos atmosféricos” (mania pós pandemia). Nesta modalidade olímpica da beijoquice, o beijo é soprado, sussurrado, soletrado, mas nunca aplicado. É patético ver pessoas perfeitamente saudáveis e des-covidadas embarcarem nesta moda, dos beijos apenas pronunciados. Mas, o Matuto reconhece que é mais pragmático as duas sílabas de “bei-jos”, do que o malabarismo fonético de pronunciar, para o ar, as três sílabas de “bei-ji-nhos”. Assim, se constata que o atleta Brasileiro dos beijos aspirados é mais rápido. Todavia, o Matuto desconfia que há por aí muita bochecha deprimida por se sentir des-beijada.

É claro que o Matuto tem visto muita beijoquice por terras Brasileiras. Desde logo o “beija-mão” que ainda persiste nos hábitos de certos cavalheiros; o beija-pé de alguns devotos religiosos; os eufóricos “ois’ seguidos de beijos ternos dos amigos/as em centros comerciais, são uma constante; os beijos de Judas, dados por meninas patricinhas, e mulheres dondocas, são imensos (Ui! Ui!)… E os locais? O Matuto já viu beijos dados em parques, ruas movimentadas, prédios desertos, escolas, elevadores, escadas, lojas, hospitais, carros… Parece que não há lugar que impeça os eflúvios labiais. Na verdade, um beijo honesto mede toda uma meteorologia corporal. É o aroma dos desodorizantes (desodorante, no Brasil, por favor) e dos perfumes Franceses (ou os fakes); é o olhar esquivo ou cúmplice do beijador/beijado; é a temperatura emocional das bochechas (umas bochechas chochas revelam muita coisa); é, enfim, a viscosidade social dos lábios que executam o beijo. Tudo são detalhes essenciais. “The devil is in the details” – lembra o Matuto, citando os amigos Ingleses.

No entendimento do Matuto o beijo é universal. E o Matuto acredita no poder redentor dum beijo. Beijo dado de forma repimpada em bochechas convidativas que habitam pessoas vivas, são um regalo. Beijar é preciso – declara o Matuto.