Querida avó,
A Cultura Portuguesa está de luto. Na mesma semana morreram Manuel Cargaleiro e Fausto. Duas grandes personalidades, que ao longo das últimas décadas deixaram-nos um grande legado que é motivo de orgulho para todos nós.
Devia ouvir mais as tuas sugestões!
Perdi a conta à quantidade de vezes que me aconselhaste a ir fazer os Retratos Contados do Cargaleiro.
A última vez que o disseste foi no dia 16 de março, dia do seu aniversário, depois de teres estado ao telefone com ele. Ainda tenho a mensagem que me enviaste.
Enfim, andamos sempre em velocidade cruzeiro a resolver questões, que consideramos prioritárias… e acabamos por não conseguir realizar tudo o que desejamos.
Já te falei algumas vezes do meu avô Alberto, o que mais me falou dos valores de Abril … Como não podia deixar de ser, o meu avô falou-me inúmeras vezes de Fausto, que foi um marco fundamental da música portuguesa.
Já a belíssima obra de Cargaleiro tenho andado a descobrir aos poucos.
O mestre foi um ceramista fundamental para a história do azulejo. Cada vez que visito o Museu do Azulejo, em Lisboa, fico encantado com os grandiosos painéis em alto-relevo, com volumes abstratos que estão à entrada do museu.
Além da cerâmica, Manuel Cargaleiro, que teve uma longa, e belíssima, carreira com praticamente oito décadas, distinguiu-se também na pintura, gravura, guache e tapeçaria.
Tive o privilégio de o comprovar, em março deste ano, quando visitei os seus museus em Castelo Branco, sua terra-natal.
Gostei imenso. Partilhei as fotos nas redes sociais Retratos Contados, tiveram imensas partilhas e comentários.
Gostava de ir visitar a Oficina de Artes Manuel Cargaleiro, ao Seixal.
Queres vir comigo conhecer este projeto arquitetónico da autoria do Arqt.º Siza Vieira?
Bjs
Querido neto,
Devias ouvir mais os conselhos desta avó que tanto te ama! Efetivamente estes últimos dias foram terríveis. Na mesma semana morreu o meu amigo Manuel Cargaleiro e o Fausto.
Era muito amiga de Manuel Cargaleiro, e falávamos muitas vezes ao telefone.
Tinha-o conhecido em Paris nos anos 60, onde ele vivia desde 1959. Como eu costumo dizer, Paris foi a minha verdadeira universidade – por todas as pessoas que lá conheci e com quem convivi. Parecia que naquele Quartier Latin vivia o mundo inteiro que importava conhecer. Víamo-nos então quase todos os dias até que eu regressei a Portugal e perdi-lhe o rasto.
Muito tempo depois, ia eu a entrar para uma entrevista numa rádio em Lisboa (já não me lembro qual), e vinha ele a sair. Foram abraços e beijinhos que nunca mais acabavam – e reatámos a nossa amizade. Fui várias vezes ao seu extraordinário museu em Castelo Branco – onde ele dizia, como sempre disse, que, como artista, considerava-se sobretudo um ceramista e adorava os seus mosaicos e azulejos. Para além dessas minhas idas a Castelo Branco, os telefonemas eram mais ou menos semanais – mesmo que não tivéssemos grandes novidades para dar um ao outro.
Por tudo isto vai fazer-me muita falta.
Gostava muito do Fausto, mas nunca o conheci pessoalmente.
Gostava muito de o ouvir, mas nem sequer sabia que estava doente há muito tempo. Foi também uma grande perda.
No entanto, o importante é manter estes nossos amigos vivos nas memórias coletivas, para que o legado que nos deixaram não seja esquecido.
Quero ir contigo ao Seixal conhecer esse espaço onde se promove a arte contemporânea, em particular a obra do mestre Manuel Cargaleiro.
Bjs